De Carapicuíba, dupla de campeões internacionais de BMX fala da modalidade olímpica

No fascinante universo do ciclismo brasileiro, dois destemidos atletas emergiram das periferias de Carapicuíba. Leandro Overall e Gustavo Bala Loka começaram a treinar na mais famosa pista de Dirt Jump do Brasil, a Caracas Trail. Um aos 15 anos. O outro, aos 7. De lá para cá, destacaram-se e elevaram o nome do Brasil no esporte. Em ano olímpico – em que um deles, inclusive, tem a chance de ser o representante brasileiro na competição e, mais, trazer o título para a casa -, eles compartilharam conosco suas expectativas, trajetórias e a paixão que impulsiona cada salto e manobra. Na pista onde tudo começou, entre os treinos para a 7ª edição do BMX Estilo Livre, os atletas revelaram à nossa equipe suas jornadas repletas de desafios e reforçaram o amor inigualável pelo esporte radical. Prepare-se para se inspirar com essas vozes vibrantes, enquanto exploramos suas trajetórias, desafios, conquistas e os planos para o futuro, destacando a força do BMX brasileiro que promete marcar os Jogos Olímpicos de Paris de 2024.

MTB, BMX, BMX Freestyle, ciclismo de pista e ciclismo de estrada estarão presentes nos Jogos Olímpicos. Qual é a expectativa para o esporte na competição?
Leandro Overall: No geral, eu acredito que o ciclismo e todas as modalidades sempre rendem bons resultados para o Brasil nas Olimpíadas. Em Paris, o país tem boas chances de conquistar medalhas em diversas modalidades.
Gustavo Bala Loka: Vai acontecer o pré-olímpico em maio e junho. Serão duas competições que formarão o ranking. Se o Brasil conseguir ficar em sexto, teremos a vaga para as Olimpíadas. Nossa expectativa é bem alta. Temos nos destacado bastante nesses últimos anos. Em 2023, ficamos em todas as finais, Copa do Mundo, Mundial e medalha no Panamericano. Estamos em preparação e temos alguns meses pela frente para trabalhar duro e conseguir essa vaga.

Quais seus preparativos em busca dela?
Gustavo Bala Loka: Estou com auxílio da CBC (Confederação Brasileira de Ciclismo), a Monster Energy, GTbikes, Profile Racing, Vans Brasil, Bolsa Atleta , cidade de Taubaté e 8eyes, que tem me ajudado nessa. Tenho me preparado com alimentação, fisioterapeuta, academia, personal e tudo mais.

Como enxergam o futuro do BMX no Brasil?
Leandro Overall: O BMX é um esporte que vem crescendo rapidamente. Nos últimos anos, o país se tornou referência na modalidade. Então, o futuro é promissor. Tem um grande potencial de crescimento, com um público cada vez mais jovem e apaixonado. Além disso, o Brasil tem condições favoráveis para a prática do BMX, com clima tropical e muitos parques e pistas de qualidade. Para continuar o crescimento, é importante investir na formação de atletas e na infraestrutura, além de promover o esporte para o público em geral, mostrando que é divertido e desafiador.
Gustavo Bala Loka: Acredito que, se conseguir a vaga e eu acho que vamos conseguir, dará um boom, assim como aconteceu com o skate. Vai ser bem extraordinário ajudar a modalidade crescer mais no Brasil. Tem uma garotada muito boa vindo aí. Em São Bernardo, onde eu moro hoje, tem o Enzo, o Lorenzetti, o Pedro… são jovens de 7, 8, 10, 12 anos que já estão em nível surpreendente, muito mais avançado do que eu há 10 anos.

Em quem apostam?
Leandro Overall: Tem muitos nomes promissores, e fica bem difícil apostar em um favorito.

Na transição para o BMX Freestyle, Gustavo, você se destacou em diferentes competições internacionais e é um dos nomes fortes para disputar as Olímpiadas. Como foi o processo de profissionalização e treinamento para alcançar esse nível?
Gustavo Bala Loka: Eu sempre competi em BMX Dirt e, de uns anos para cá, fui fazendo a transição para BMX Park, deixando um pouco de lado as rampas de terra e me aproximando das de madeira. Os Jogos Olímpicos de Tóquio foram os primeiros para o BMX Park, mas infelizmente não consegui a vaga por falta de administração de quem ia para o campeonato. Mas em 2024, estou focado, me especializando em tudo e 100% ligado nas pontuações e de tudo que tá rolando em volta das Olimpíadas. BMX Freestyle tem três tipos de categoria, Dirt, Park e Street. Fazer essa transição de uma para outra não foi fácil. Mas hoje já estou adaptado e sou Parkeiro mesmo.

Conte sua trajetória.
Gustavo Bala Loka: Tinha 7 anos de idade, em Carapicuíba. Tudo começou com meu pai andando de skate e, depois, migrou para bike. Ele me mostrou o BMX em um evento que aconteceu no Caracas Trail, curti o esporte e passei a andar de bicicleta. De uns anos para cá, venho competindo, até que consegui uma ajuda da Confederação Brasileira para uma copa do mundo e para o mundial. Foram duas semanas na China, minha primeira viagem internacional. Fiquei em primeiro lugar no campeonato amador, nesta Copa do Mundo de 2017. Depois dessa competição, fiquei mais firme. Hoje, sou tricampeão brasileiro do BMX Park e medalhista nos Jogos Paramericanos.

Como se sente sendo o responsável por trazer a primeira medalha no BMX Freestyle para o Brasil nesses Jogos?
Gustavo Bala Loka: Foi incrível. Muito importante para os brasileiros que estão aí nessa correria e treinando para serem os melhores do Brasil. É um incentivo de que podemos chegar mais longe e alcançar nossos objetivos.

Como surgiu o apelido “Bala Loka” e o que ele representa para você?
Gustavo Bala Loka: Foi simplesmente uma besteira. (risos) Eu estava tentando pular uma rampa, uma mesa de 2 metros. Vim pedalando, na velocidade, mas ao invés de cair na recepção, na caída da rampa onde pousa a bike para continuar o circuito, fui para o chão. No piso mesmo. Bati, apaguei e acordei só quando estava no carro do meu pai. Tinha 8 anos de idade. Aí vieram o Leandro Overall e o Rui Ogawa (hoje, comentarista de BMX na ESPN Brasil), um falou bala e o outro loka. Fiquei Bala Loka para sempre e isso lembra de onde eu vim. É muito forte pensar o que esse nome representa. (para e pensa) Simboliza um atleta que tem habilidade, garra, força e coragem de fazer tudo o que precisa ser feito para ser um dos melhores. Esse nome me representa e tenho que fazer jus a ele.

E você, Leandro, como se tornou Overall?
Leandro Overall: Esse apelido vem do fato d’eu sempre andar em todos os tipos de pistas.

Como começou no BMX?
Leandro Overall: Com 15 anos de idade, no Itaim Paulista, em São Paulo. Um dia, fui convidado por um grupo de amigos para ver alguns caras andando e, desde então, decidi que era isso que queria. Logo, me apaixonei pelo esporte. Eu gostava da velocidade, da adrenalina e do desafio de aprender novas manobras. Comecei a treinar todos os dias e, assim, fui melhorando dia após dia.

Em 2014, você fez história ao ser campeão Mundial de BMX Dirt. De lá para cá, o que mudou?
Leandro Overall: Ah, muita coisa. (reflete) Eu me tornei um atleta mais experiente e maduro. Meu nível de habilidade também aumentou muito. Eu aprendi a lidar com a pressão e as expectativas em torno do meu desempenho. Também vi o BMX crescer no Brasil. Hoje, temos muitos atletas de alto nível e uma comunidade muito forte.

Você se tornou referência no BMX brasileiro. Como lida com a pressão e as expectativas em torno do seu desempenho?
Leandro Overall: Aprendi a lidar com isso de forma positiva. Eu uso a pressão como motivação para me superar. Eu também entendi a importância de manter os pés no chão. Eu sei que ainda tenho muito a aprender e a melhorar. No esporte, é sempre um dia de cada vez, literalmente. (risos)

Quais conquistas destaca?
Leandro Overall: Sou hexacampeão de BMX Dirt no Brasil. Campeão Mundial de BMX Dirt, Campeão Brasileiro, entre outros. Sou grato por todas as conquistas que tive ao longo da carreira. Cada uma é um marco importante na minha vida.

Ambos começaram em Carapicuíba, conhecida por possuir uma das melhores pistas de BMX do Brasil. Qual a relação de vocês com a cidade e a importância para seu rendimento?
Leandro Overall: Carapicuíba é uma cidade com uma forte cultura do BMX Dirt. Tem uma pista de qualidade e uma comunidade de BMX muito ativa. Eu me sinto muito satisfeito de poder cavar nessa pista e deixar ela do jeito que curto para treinar. Não deixa a desejar para nenhum outro Dirt do Mundo. As rampas são grandes e com sequências muito boas. Além das que treino, tem pista para iniciantes e amadores. E o fato da prefeitura atual mantê-la dentro de Centro de Educação e Esporte foi uma conquista enorme, pois antes vivíamos na incerteza da continuidade e todo dia era um risco dela ser demolida.
Gustavo Bala Loka: Nasci e fui criado em Carapicuíba. Minhas habilidades de andar de bike, estilo, manobra e tudo mais vieram dali. A pista é sensacional. A Caracas Trail, que é da modalidade Dirt, é a melhor do Brasil e da América Latina, na minha opinião. É incrível ter nascido nesse lugar.

De que maneira essas origens tiveram impacto sobre vocês?
Leandro Overall: Minhas origens humildes me influenciaram muito na minha abordagem atual ao esporte e à vida. Eu aprendi a importância do trabalho duro, da determinação e da perseverança. Passei a valorizar cada passo e conquista ao longo dessa caminhada, além de todas as pessoas que sempre estiveram do meu lado e nunca me deixaram desistir.
Gustavo Bala Loka: Minha família sempre veio do pouco. Nós morávamos na Cohab, não tínhamos dinheiro e estrutura. E, hoje, sou um atleta de alto rendimento, com oportunidade de poder competir o pré-olímpico e quem sabe estar em uma Olimpíada… (para e pensa) e lá atrás meu pai foi comprar uma bike de ferro velho, montando pecinha por pecinha. Às vezes, eu paro e penso o quão doido isso é e de onde eu vim. (sorri) Se não tivesse tido essa origem e se não fosse o BMX, não sei o que faria da minha vida. Acho que esse esporte meio que salvou minha vida e me deu oportunidades.

Vocês falam com muito amor do esporte. Conseguem definir o que BMX significa para cada um?
Leandro Overall: É muito mais do que um esporte para mim. É uma paixão e um estilo de vida, que ensinou muito sobre eu mesmo. Me instruiu a ser disciplinado, persistente e a nunca desistir dos meus sonhos. Também me proporcionou muitas oportunidades e me fez conhecer pessoas incríveis. O BMX é uma parte importante da minha vida e eu sou muito grato a ele.
Gustavo Bala Loka: Para mim, foi o jeito que encontrei a fazer o que amo. Não por competição, nem para ser o melhor. Escolho o BMX por pura afinidade com o esporte, o prazer de realizar exercícios físicos e a alegria de compartilhar esses momentos com amigos. Simboliza a liberdade de fazer o que se gosta.

O que representa ser uma referência do BMX no Brasil e inspirar outros jovens a entrar no esporte?
Leandro Overall: É uma grande responsabilidade e um grande orgulho. Eu me sinto feliz por poder inspirar outros jovens a entrar no BMX. Quero mostrar que o esporte é uma oportunidade para eles se desenvolverem, tanto física quanto emocionalmente, mas deve existir a diversão, acima de tudo.
Gustavo Bala Loka: Nunca pensei que poderia representar o BMX brasileiro ou que alguma criança ia chegar a mim para dizer: ‘comecei a andar de bike, por causa de você’. Ser uma inspiração para essa molecada é, realmente, incrível e me deixa ainda com mais vontade de ser um dos melhores do Brasil e do mundo, mostrando que dá para conquistar o que você quiser, basta seguir seu sonho.

Como lidam com as expectativas em um cenário internacional tão competitivo?
Leandro Overall: As competições são sempre muito intensas. Em todos os eventos inclusive no Brasil, temos atletas de altíssimo nível. Para lidar com isso, eu foco no meu próprio desempenho e me preparo para dar meu melhor.
Gustavo Bala Loka: Em competições internacionais, acredite se quiser, eu fico um pouco mais tranquilo. Relaxo e penso que é mais uma que vou participar, um treino ou um rolê. Não coloco expectativa alta e fico martelando se tenho que fazer isso ou aquilo. Estou lá para curtir, andar e fazer o meu melhor. Mostrar o que eu sei e treinei. Então, não tem o porquê ficar nervoso. Mas em competições brasileiras, eu já fico um pouco mais, pela pressão de estar competindo em casa, ao lado dos meus familiares e amigos e contra todos os melhores do Brasil. Lá fora, é mais descontraído.

Como é conciliar a prática do BMX com a rotina de treinos, viagens e a vida pessoal?
Leandro Overall: Não é fácil, mas é possível. Eu tenho um planejamento bem organizado para conciliar tudo. Treino todos os dias, mas também sempre tenho tempo para descansar e curtir a minha família e amigos.
Gustavo Bala Loka: Eu acho que é só viver. Não é algo que dificulta a minha vida. (risos) Tenho mulher, cachorro e o BMX faz parte de tudo isso. Sem ele, é que seria mais complicada a minha vida. Administrar treino, viagem e competição já é algo normal, para mim, há um bom tempo.

Além das competições, existe algum projeto ou iniciativa em que estejam envolvidos?
Leandro Overall: Eu participo de eventos e palestras para promover o esporte e inspirar jovens a praticá-lo. Também estou envolvido em um projeto social que visa levar o BMX para crianças e adolescentes de Carapicuíba, mas este ainda estamos desenvolvendo.
Gustavo Bala Loka: Eu faço show junto com o Paulo Saçaki, Edinho Delgado, Vikin e o Cleitinho, que é o nosso DJ. Trabalhamos com a Showtime, que tem rampas dentro de um ônibus. Nós rodamos as cidades do Paraná e algumas de São Paulo, nos apresentando em ruas, praças, galpões e escolas para mostrar o que é o BMX.

Para finalizar, quais são seus próximos passos e objetivos para o futuro?
Leandro Overall: Meu objetivo é continuar crescendo como atleta e conquistar mais títulos. Para isso, seguirei buscando novos desafios. Também vou investir mais em minha recuperação física, para que possa estar sempre no meu melhor.
Gustavo Bala Loka: Faço parte do time de Taubaté e moro, hoje, em São Bernardo do Campo, porque tem um centro de treinamento de BMX Park e é um dos três melhores do Brasil. Os meus próximos passos são fazer evolução nessa pista, junto com a Confederação, para ampliar e melhorar a estrutura para poder competir e aprimorar as manobras e treinos para o pré-olímpico, que é o foco deste ano. Ficar entre os seis melhores do mundo e garantir a vaga para as Olimpíadas.

Por Juliana Martins Machado

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