Muita gente não se dá conta de que a automatização implicará em redução de empregos e, pior ainda, de profissões. Pouca gente se preocupa com o que seus filhos farão daqui a dez ou vinte anos, se o ritmo da tecnologia continuar a substituir o homem pela máquina.
Alguém já sentiu isso na pele. Melhor dizendo: nos ossos. Foi Garry Kasparov, que jogou xadrez desde os 12 anos e que em 2400 partidas sérias, perdeu 170. Em 1997, enfrentou o “Deep Blue”, um programa de computador da IBM e perdeu.
A derrota foi psicologicamente devastadora. Não só para ele, mas para a humanidade. Só depois de vinte anos foi que ele teve coragem de narrar a experiência dolorosa. E perder para um computador equipara-se a passar por aquilo que ninguém consegue narrar: a própria morte.
Ao menos quatro das fases do ciclo do luto estão evidentes no livro “Deep Thinking”, Pensamento Profundo, na versão livre, publicado pela editora John Murray, em formato digital. Primeiro vem a negação: é um absurdo perder para um computador, na verdade uma máquina. Sem cérebro, sem consciência. Mecânica pura.
Em seguida vem a raiva. A ira tomou conta de Kasparov, pois ele era um “winner”, um vencedor, e não se conformava com a derrota. A terceira fase a negociação: começa a argumentar com o que o levou à surra. Não repele a máquina, mas repudia algumas táticas da IBM, que não forneceu o histórico dos jogos anteriores do “Deep Blue”, reprogramou a máquina depois de um travamento no meio do jogo e colocou um segurança que falava russo, para escutar, clandestinamente, as conversas de Kasparov.
A quarta fase foi a depressão. Nada permitiu que ele se conformasse e só muito depois, no caso duas décadas após o jogo fatídico, ele entrou na quinta fase: a aceitação.
Kasparov se aposentou do xadrez, dialoga com cientistas da computação e especialistas de inteligência artificial. Continua a acreditar no chamado “Paradoxo de Moravec”: os computadores fazem bem o que os humanos fazem mal e vice-versa. Por isso, são complementares à inteligência humana.
Também crê que os computadores podem nos ajudar para sermos mais objetivos, ampliemos nossa capacidade e até nossa inteligência. Nunca se freará o progresso tecnológico. Mas – e isso é meu – nem tudo o que a ciência consegue realizar é eticamente viável.
Temos de nos acostumar com o avanço científico e tecnológico. Lamentar seria reclamar dos antibióticos, que a final reduzem o emprego dos coveiros. Ou lamentar a sobrevida dos que ultrapassam os setenta anos, que oneram a Previdência Social, ocupam mais os leitos hospitalares e dão trabalho às novas gerações.
De qualquer forma, sempre é bom pensar qual a máquina que me substituirá daqui a pouco. E estar preparado para tentar fazer outra coisa.
Por José Renato Nalini, secretário da Educação do Estado de São Paulo