Um sofá com almofadas douradas em formato de luvas de boxe. Duas cadeiras feitas com fuselagem de avião. Um abajur que sai de uma metralhadora de plástico. Um cachorro cor-de-rosa de gesso em tamanho natural. Um rosto feminino, gigante, do escultor Colin Christian. Isso sem falar em caveiras, imagens de santos e Buda, livros, réplica do capacete usado na capa de um CD do Daft Punk, um quadro com a imagem de David Bowie e porta-retratos com fotos dos filhos. Tudo impecavelmente no lugar e não pense que estava arrumado porque Caito Maia iria receber nossa equipe. Ele é realmente disciplinado. Assuntos para resolver? São resolvidos na hora! E isso explica por que na sua mesa não tem papel ou qualquer documento que precisa ser assinado. Todo dia, antes de dormir, ele visualiza a planilha de todas as lojas e, se acha que algum número pode ser alterado, discute com sua equipe na manhã seguinte. Passa cerca de dois meses por ano visitando pessoalmente cada franquia. E mais dois meses em fábricas e fornecedores na China. E ainda tem gente que diz que ele deu sorte na vida, mas não foi bem assim.
Caito Maia nasceu Antonio Caio Gomes Pereira Filho, no coração da Granja Viana, na Cherubina Viana. Contrariando seu pai, músico, formou-se em Música nos Estados Unidos. Foi vocalista da banda Las Chicas Tienen Fuego, mas, embora tenha concorrido a prêmios na MTV e feito shows com bandas do rock nacional, não emplacou. Já beirando os 30 anos, começou a empreender. Das praias da Califórnia trazia óculos escuros para o Brasil, metia-os no porta-malas de uma surrada Parati e saía por aí vendendo a mercadoria. O negócio foi tomando forma e ganhando visibilidade. Veio a falência. Ele não desistiu, reergueu-se e criou a marca Chilli Beans. De uma barraca no Mercado Mundo Mix ao quiosque no Shopping Villa Lobos, a marca tem hoje mais de 800 lojas em 19 países. Em cinco anos, deve chegar ao seu primeiro bilhão de reais.
No mês de estreia da terceira temporada de Shark Tank Brasil, em que é um dos tubarões, Caito Maia é nosso entrevistado. De roqueiro muambeiro a empresário com faturamento de R$ 750 milhões por ano, o criador da maior marca de óculos da América Latina conta sua história de vida que, em breve, deve virar filme e até uma série da Netflix. Fazer o básico – o arroz com feijão –, com uma pitada de pimenta e muito amor, para ele, foi o que fez a diferença.
Quem é Caito Maia?
Caito Maia é uma pessoa que ama o que faz e que deixou de pensar em dinheiro há muito tempo. Aliás, o dia em que deixei de pensar em dinheiro as coisas aconteceram. Fui abençoado por Deus, sabe? Tenho prazer no que faço e estou acompanhado das pessoas mais especiais do mundo. Se estou onde estou é porque tem pessoas maravilhosas que me ajudaram a construir a marca.
Como foi o começo dos negócios?
Comecei a vender os óculos para amigos na minha casa.
Um rockeiro muambeiro.
(risos) Sim, eu era rockeiro. Adoro rock e a Chilli Beans foi construída em cima de música, que é um dos pilares da marca. Meu pai era músico e, apesar de em momento algum ter me incentivado, muito pelo contrário, formei-me em Música em uma faculdade americana. Muambeiro? (risos) Bem, comprei 200 óculos lá nos Estados Unidos, coloquei numa malinha e trouxe para o Brasil. Comecei a vender para amigos e bombou. Aí eu vi que tinha uma oportunidade.
Como foi a transição entre o momento em que você vendia para os amigos e a profissionalização?
Olha, eu tenho uma veia meio empreendedora. Comecei a bater na porta de algumas empresas e uma delas fez um pedidão de 18 mil peças. Eu não tinha capital, joguei limpo e esse empresário me adiantou o dinheiro. Com isso, consegui abrir minha primeira empresa de atacado de óculos escuros, o Blue Velvet. Os óculos eram chineses, mas eu comprava em empresas americanas. Cheguei a ter 250 clientes, marcas como OP, Pakalolo, Fórum, Zoomp, Carmin… duas delas não me pagaram e eu quebrei. Ou eu insistia ou voltava para a música…
Pelo visto, a música não era rentável.
Não, não era mesmo. Não era uma banda de brincadeira, era uma banda séria, profissional. Nós concorremos a um prêmio na MTV. Fizemos turnê com várias bandas conhecidas. Era sério, mas acho que Deus não quis. Não era rentável e eu não queria voltar para a música, não profissionalmente. Havia tomado gosto pelos óculos. Aí montei um estande no Mercado Mundo Mix, onde a moda do Brasil surgiu. Lá aprendi a desenvolver conceito de marca, precificar, atender e expor produto, e inventei o nome Chilli Beans.
E por que Chilli Beans?
Primeiro, vou responder o porquê de uma marca. Todo mundo lá tinha uma e dava importância a ela. Como não tinha, eu era só um vendedor de óculos. Ficava com vergonha. Vi que precisava criar a minha marca e veio “Chilli Beans”. Sou viciado em pimenta, tenho coleção de pimenta e como tudo com pimenta. Tinha também que ser um nome simpático, que desse para ser falado em todo o mundo e com 11 letras. Aí a coisa começou a andar.
Quando, de fato, a Chilli Beans aconteceu?
Já tinha uma loja na Galeria Ouro Fino e resolvi abrir um quiosque no Shopping Villa Lobos, onde explodiu a venda em 2001. Comecei em 1997. Então, foram quatro anos para a coisa realmente acontecer.
Como passou a trabalhar com franquias?
O mercado de franquias começou a crescer e as pessoas, que eu chamo de malucas, vieram até mim querendo abrir franquias. Não fui eu que criei uma demanda. As pessoas começaram a procurar. O Brasil é um país com sistema tributário muito favorável à franquia. Segundo, você consegue crescer muito rápido com franquia. É o capital do franqueado que coloca que ajuda você a crescer e abrir muitas lojas. Isso faz toda a diferença.
Quais são os números atuais da empresa?
São 805 lojas em 19 países. Neste ano vamos faturar 750 milhões de reais, com crescimento de 10%.
Destes locais, qual é o mercado mais lucrativo?
O Brasil, sem dúvida. E é o mais de oportunidades.
Tem alguma conta que não fecha?
Nos Estados Unidos, a gente empata. Mas no restante do mundo, graças a Deus, estamos no azul.
Tem algum mercado que vocês querem expandir?
Queremos chegar ao mercado europeu e expandir as sementes plantadas no Oriente Médio. Temos 28 lojas lá, mas queremos dobrar. Neste ano, vamos abrir no Catar, Arábia Saudita e Omã.
Você vende óculos ou um acessório de moda?
Nenhum dos dois. Eu vendo Chilli Beans. Vendemos um lifestyle chamado Chilli Beans. Há muito tempo, deixamos de produzir óculos de sol para desenvolver produtos inovadores que contam histórias, que trazem verdade e que expressam o estilo.
De onde vem a criatividade toda?
(risos) Lançamos 10 óculos novos toda semana. É muito louco. Mas a gente aprendeu a fazer isso e temos uma ótima equipe. Das duas feiras mais importantes de óculos do mundo, Paris e Milão, nós não participamos. O mercado não precisa de mais do mesmo. Não quero saber o que é tendência, quero criar a minha própria tendência. Quero criar a minha história. É importante buscar criatividade em outros lugares e, por isso, não vicio a minha equipe a beber onde todo mundo bebe. Quero que exercite a própria criatividade e coloque a sua personalidade à tona.
E qual é, para você, a menina dos olhos?
Ah, tem várias. Vamos fazer uma reforma na Oscar Freire e vai ter um museu com os principais óculos icônicos da Chilli Beans. Coleção Block, que não tem aço nem lente. Tem a Loucura da Nobreza, com tudo banhado a ouro. Tem coleção só de madeira, de lente fosca… Muitas peças.
E agora estão entrando no mercado de óculos de grau. O que vocês pretendem?
O mesmo que fizemos com os óculos escuros: fazer as pessoas usar os óculos de grau como um acessório de moda. Tipo uma mulher com um brinco.
Quais são os pilares da Chilli Beans?
Moda, música e arte. Ah, amor. Claro, amor.
Chegou onde queria? Ou ainda tem projetos mais ousados?
Quero chegar a 1 bilhão de reais em faturamento e 1.200 lojas. Em cinco anos.
Qual o segredo do sucesso?
Estou onde estou porque não perdi o foco do meu negócio. Grandes marcas mundiais perdem o foco quando aumentam o portfólio. Isso é um problema gravíssimo.
Vocês sentiram a crise?
Claro que sentimos, mas não deixamos de faturar porque nos readequamos. Investimos na nossa linha mais básica, o de 149 reais, e continuamos vendendo. Mas nada foi tão ruim quanto o período da greve dos caminhoneiros. Aquilo mexeu com a autoestima das pessoas, a partir do momento em que elas perceberam que podiam ficar sem coisas básicas, como comida. E nós trabalhamos com autoestima. Enfim, essa greve atrapalhou um pouco os planos, mas ainda continuo otimista que vamos alcançar os resultados.
Qual a sua perspectiva para a economia brasileira em 2019?
As projeções para a economia brasileira, em 2018, não se concretizaram. Vivemos instabilidade no governo, é ano de eleição e nós não temos um bom candidato. Política e economia ainda são ligadas no Brasil, embora estejamos dissociando, a partir de agora, uma coisa da outra. Independentemente do que está acontecendo em Brasília, nós temos que fazer o Brasil acontecer. Somos nós que tocamos esse país. Agora, para 2019, as projeções de crescimento, acredito, vão se concretizar.
Conte-nos da sua experiência no Shark Tank Brasil.
Cheguei até lá sem assistir a um único programa, porque não queria me contaminar. Mas foi uma experiência divertida e engraçada. Como empresário, poder investir em pessoas é muito especial. É um reality show que fomenta o empreendedorismo brasileiro.
E o que podemos esperar desta nova temporada, que estreia agora em agosto?
Um Caito que não vai levar desaforo para casa. (risos) E eu investi bem mais agora.
O que é preciso para ser um empreendedor de sucesso?
Arroz, feijão, pimenta e amor. Arroz com feijão significa o básico. É o segredo do sucesso: nunca se esqueça dos pilares em que construiu o seu negócio. Acrescente pimenta, que dá sabor e é o diferencial. Pimenta é a personalidade. Faça o diferente, não precisa fazer o que todo mundo está fazendo agora. E, acima de tudo, faça com muito amor aquilo que te dá prazer. É isso que vai te fazer vencer. Na hora da dificuldade, é o amor que salva tudo. Busque algo que quando colocar a cabeça no travesseiro, os olhos e a mente brilhem, mas construa uma base sólida para seu sonho. Construa uma marca, não só um produto, pois é a marca que tem futuro. E tenha disciplina. Com ela se vai longe. Agora, se tiver talento, mas não disciplina, a pessoa não vai até a esquina. Tem que ter paciência e ser insistente, porque as coisas não vão acontecer da noite para o dia.
Você é disciplinado?
Bem, faz 20 anos que eu não vou dormir sem ver o caixa de todas minhas lojas. E tenho tudo registrado numa planilha em Excel. Dois meses por ano passo uma temporada na China, visitando fornecedores e fábricas. E mais um mês e meio visitando todas as lojas, olhando no olho de cada franqueado. E nos outros dias estou por aqui, na empresa, conversando com toda a minha equipe. E pode notar que na minha mesa não tem um papel. Não deixo nada para depois.
Quem te inspirou?
Difícil responder a esta pergunta. Gosto de pessoas que conseguem desenvolver pessoas. Admiro David Lynch (roteirista) e David Bowie (cantor).
Tem religião?
Nasci numa família católica, mas sou espírita. Busquei o espiritismo depois que meu pai faleceu.
Mas você faz uma peregrinação entre Taubaté e Aparecida do Norte, certo?
Vou pela segunda vez neste ano. Da primeira vez, percorri os 42 quilômetros sem parada. Fiz à noite e chegou uma hora em que eu não aguentava de sono. Foi insano, e olha que pratico esportes. Mas agora estou estudando outra forma de percorrer, se de dia, se parando e etc.
E sua família?
Família é tudo. É a base. Tenho dois filhos, Luca (8 anos) e Benício (6). Sei a comida que eles comem, o que gostam e estou sempre com eles. Meu pai faleceu logo no início da Chilli Beans e não viu meu sucesso. Não aqui neste plano. Mas eu sinto a presença dele, essa força especial, a todo momento.
Qual sua relação com a Granja Viana?
Nasci na Granja, ali na Cherubina Viana. Morei lá até os meus 6 anos e me mudei. Depois voltei e morei por mais 12 anos. Minha família sempre teve propriedade lá e tínhamos uma relação muito forte com o bairro. Somos granjeiros mesmo! Mas quando meu pai faleceu, eu não poderia deixar minha mãe morando sozinha numa casa de rua.
Quais são suas melhores recordações do bairro?
Ah, são muitas (pausa). Todos os anos nós fazemos um cruzeiro e ensaiamos algumas performances com o Kiko Caldas, lá na Cia.K, que fica na Granja. Em uma das vezes, eu fui um pouco antes e fiquei rodando à toa pelas ruas, relembrando alguns momentos. Quando eu era criança, para que eu pudesse dormir, meu pai me colocava dentro do seu Fusca e rodava comigo ali pela Cherubina, José Félix…
Vai sair um filme seu sobre gestão e você negocia uma série da Netflix.
Sim, mas ainda não está nada fechado. Queremos mostrar a história da Chilli Beans e inspirar novos empreendedores. A ideia vai ser contar a história da marca e envolver as pessoas de outra forma. Mostrar que um brasileiro conseguiu fazer uma história do nada e que todos podem fazer isso. Com a Netflix, estamos negociando uma série que seria mais focada no dia a dia da empresa.
Planos para o futuro?
Essa pimenta não para de arder e tem sempre coisa nova. Enquanto esta chama estiver acesa, vou estar sentado nesta cadeira com prazer. É isso que me faz vivo.