Felicidade em alto-mar

O cotiano Felipe Gustavo Bernardes, 39 anos, engenheiro mecânico, realizou um sonho que provavelmente reside na cabeça de grande parte da humanidade: conhecer o mundo a bordo de um veleiro

Felipe sempre foi um cara com os pés no chão. Estudou em instituições educacionais da região, formando-se em Metalurgia no ensino médio e Engenharia Mecânica no ensino superior. Em sua pós-graduação e mestrado fez Administração de Negócios e mais uma pós em Marketing Business to Business.

Na área profissional, o engenheiro tinha um cotidiano mais estável ainda. Em 1996, foi estagiário em uma empresa de fundição na Lapa chamada Kalman Kalindus e em 1997 atuou como técnico metalúrgico no Laboratório de Fenômenos de Superfície da USP até o ano de 2006, quando recebeu uma proposta de emprego da Aços Villares, hoje Gerdau, onde poderia ter algo que sempre o atraiu, uma experiência internacional.

Aceitou o trabalho e teve a oportunidade de conhecer quase todos os países da América do Sul e alguns países da América Central. Posteriormente, em 2010, mudou-se para a Espanha e, ainda atuando pela mesma empresa, conheceu a maior parte dos países da Europa e uma pequena parte dos países da África e Ásia.

Mesmo conhecendo o mundo impulsionado por sua vida corporativa, o sonho de viajar em um veleiro, que cultivava desde a juventude, ainda estava enraizado em Felipe. “Sempre tratei este sonho de forma negligente e, portanto, parecia algo muito distante, difícil de acontecer”, afirma.

Foto: Felipe Gustavo Bernardes

O processo de amadurecimento foi longo e passou a tomar forma, seja por expedições malucas que organizava com amigos ou por meio dos livros sobre viagens e expedições que ganhava.

“Uma vez, eu e o Eduardo Bodnariuc naufragamos com um kayak tentando dar a volta na Ilha Grande. Outra vez, também na Ilha Grande, desta vez com o Ivan Veronezzi, nos perdemos em uma trilha já de noite e passamos um belo aperto”, diz Felipe.

Felipe conta que nunca foi um grande velejador, muito pelo contrário, em 2008 comprou um pequeno veleiro de aproximadamente 7,5 metros de comprimento, o Trimer, um Spring 25. Essa foi a primeira vez que embarcou em um veleiro. Pobre Trimer, teve de suportar barberagens das mais profissionais.

“Eu me lembro de uma travessia de Paraty para a Ilha Grande em que consegui bater meu recorde de estupidez. Logo na saída da Marina, em Paraty, arrastei a âncora do barco por centenas de metros, passando por entre as muitas Poitas (boias onde os barcos são amarrados) das Marinas locais. Não me pergunte como não acabei arrastando alguns dos barcos comigo. Em seguida, quando fui abastecer o barco com diesel, encalhei duas vezes. Não contente, na chegada à Ilha Grande, quando o vento apagou e já estava escurecendo, cometi outra besteira que me levou a ficar sem motor. Já estávamos praticamente em cima de uma outra ilha quando um barco de pescadores nos resgatou e nos rebocou até o destino final”, declara.

Apesar das desventuras, o navegador diz que para aprender a viajar pelo mundo com um barco só existe uma forma: começar a viagem.

Foto: Felipe Gustavo Bernardes

Em 2012, começou o namoro com a hoje esposa Viviane Valentim Alves (Vivi), e passou a levar mais a sério o sonho de ser navegador dos sete mares. Ela também tinha o mesmo ideal e aptidão para o novo estilo de vida. Em 2013, começaram os preparativos e, em junho de 2016, zarparam.

De acordo com o engenheiro, viver a bordo pode ser muito barato ou muito caro. Em seu primeiro ano de viagem gastou uma fortuna. O principal gasto é com a manutenção do barco. Mas com o passar o tempo e a ajuda dos amigos velejadores que vamos conhecendo pelo caminho aprendeu a ser quase autossuficiente na manutenção. A mesma coisa serviu para todos os outros gastos (alimentação, lazer e eventos sociais), ou seja, aprende-se a gastar menos. “E é muito interessante sentir, na prática, que o nível de felicidade de um velejador não tem a mínima relação com o seu orçamento. Aprende-se que o maior bem que se pode ter é a capacidade de realizar. Talvez este conceito possa ser extrapolado para a vida como um todo.”

Mas é claro que algum dinheiro é necessário. Felipe deixou uma casa alugada e investimentos no Brasil.

Hoje, ele e a esposa estão ancorados na Nova Zelândia por um motivo muito importante: a chegada de Moana, a filha do casal. Eles estão ansiosos com a chegada da nossa nova tripulante e escolheram o país oceânico por vários motivos, mas o principal é que todos que conhecem só tem elogios ao país.

Top 5

O velejador Felipe diz que é complicado classificar os lugares pelos quais passaram, mas, de alguma forma, os 5 lugares que mais ficaram na lembrança até agora são os seguintes:

Galinhos (Rio Grande do Norte): é um daqueles lugares onde a vida parece que tem outro ritmo e as pessoas vivem em outra sintonia. Gente simples, boa e feliz vivendo em um paraíso.

Ilha dos Lençóis (Maranhão): uma paisagem única, dunas mergulhando nas aguas da baía, cores e animais deslumbrantes, nem parece que se trata do mesmo planeta.

San Blas (Panamá): vivemos 8 meses em San Blas, montamos até uma padaria a bordo e não foi à toa. Fora da água a paisagem é de tirar o fôlego, areia branca, coqueiros e água de coloração estonteante. Dentro da água os corais são um show à parte e os peixes em abundância vivem em um ambiente relativamente pouco tocado pelo homem. Ali vivíamos da renda da Padaria Carapitanga e da pesca submarina e, de quebra, conhecemos gente para lá de interessante, locais e amigos velejadores.

Marquesas (Polinésia Francesa): difícil, muito difícil descrever fielmente. O que sentimos quando chegamos por lá é ainda mais complicado de explicar. Após 37 dias de navegação, surgem na imensidão do mar. Ilhas jovens de formações vulcânicas afiadas, altas e verdes. As cachoeiras se veem aos montes. Quando pisamos em terra firme fomos alvejados com receptividade, generosidade e muita pureza. Um lugar onde as coisas ainda têm valor por sua serventia. Normalmente o dinheiro não é utilizado no comércio entre nativos e visitantes.

Tuamotus (Oceano Pacífico Sul): assim como nas marquesas, ainda que um pouco menos, as pessoas também ainda têm pouca influência do mundo moderno. Trata-se de um conjunto enorme de atóis desses de propaganda de revista de turismo, só que com pouquíssimos ou nenhum turista. Sem dúvida, foi onde vimos as mais bonitas paisagens subaquáticas. A vida submarina é abundante, principalmente nas entras dos atóis. No passe sul, do atol Fakarava, mergulhamos com dezenas de tubarões.

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