Felipe Ikehara, nascido em 1987, natural de São Paulo, é artista plástico e desenvolve pintura sobre tela, murais e desenhos, sendo estes os processos manifestados como seus principais veículos artísticos. Ikehara tem bacharelado em Artes Visuais pela Unesp (Universidade Estadual Paulista).
Em sua obra, o desenvolvimento técnico do desenho e pintura alia-se com pesquisas de referências visuais da natureza do mundo e do ser humano. Dentro de um trabalho declaradamente figurativo, a simbologia particular e universal se une estruturando os pilares temáticos do seu trabalho. Simultaneamente, rigidez e organicidade exaltam-se por meio de tons pastel para compor imagens que traduzem a sensação que aflora de um lapso do cotidiano, resultando em um momento de introspecção.
O artista ganhou sua primeira exposição individual intitulada Suave, de 28 de junho a 4 de agosto, na Galeria A7MA (lê-se a sétima), na Vila Madalena, em São Paulo. A exposição apresenta os seus mais novos trabalhos de pintura sobre tela.
A justaposição de imagens figurativas e elementos geométricos já fazem parte da sua personalidade artística. Apesar de bem jovem, o artista já tem sua linguagem própria, que é reconhecível até para leigos.
VAMOS OBSERVAR
Memento, 2017
Tinta acrílica sobre tela
100 x 100 cm
Seguindo a proposta temática das obras que compõem a exposição Suave, a obra Memento, acrílica sobre tela, realizada em 2017, aborda um instante de introspecção. Memento, em latim, significa lembrar e a obra que recebe o nome ilustra um poema visual que a acompanha no verso da tela. No poema o artista escreveu os versos “Lembre-se de respirar, lembre da vida, lembre de morte” e “Lembre-se de respirar, esqueça da vida, esqueça da morte”, repetidamente, organizando-os com espaçamentos bem curtos entre as frases no início, que aos poucos vão aumentando no fim. A palavra “respirar” então paira sozinha no fim da página. A obra e o poema são lembretes sobre a importância de respirar e a finitude de tudo (Memento Mori). A consciência do espaço que é vida, entre o início e o fim de tudo, guiou a construção da obra. Entretanto, mais importante do que lembrar sobre a vida e sobre a morte é lembrar de pausar de vez em quando.
Segundo o artista, a escolha da paleta se manifesta em tons pastel e cores mais apagadas, como um contraponto à saturação exacerbada do cotidiano. No convívio urbano nos acostumamos a sobreviver rodeados de informações gritantes em todo o sentido sinestésico da palavra. Sons e barulhos ultrapassam decibéis humanamente aceitáveis, pessoas se manifestam de maneira impositiva e agressiva para serem notadas, cores e movimentos explodem em toda a amplitude que o olhar alcança. A saturação de tudo o que nos rodeia é um indício da anestesia da recepção do ser em somatória à necessidade descontrolada de reconhecimento e manifestação.
O modo como o artista apresenta as cores e as temáticas de seu trabalho é um manifesto de dessaturação. Ele acredita que partindo do estado mais estático, os mínimos movimentos se realçam. Num cotidiano onde a saturação impera, busca ilustrar um local de refúgio onde as sutilezas têm valor e força.
Felipe usou como referência para o rosto da personagem a L’Inconnue de la Seine (a mulher desconhecida do Rio Sena), um molde de gesso de um rosto feminino rodeado por mistérios. Dentre eles uma história conta que, em meados do século 19, o corpo de uma jovem mulher, que morreu afogada, foi encontrado no Rio Sena. Como era de costume naquele tempo, seu corpo foi colocado em exposição no necrotério de Paris, na esperança de que alguém fosse reconhecê-la e identificá-la. O patologista de plantão ficou tão encantado com a expressão da moça e seu enigmático meio-sorriso que pediu para um moldador fazer uma máscara de gesso de seu rosto. Em pouco tempo, o molde começou a ser vendido fora das oficinas dos mouleurs na margem esquerda do rio e logo a jovem se tornou uma musa para artistas, escritores e poetas, todos ansiosos para criar identidades e histórias imaginárias sobre a mulher misteriosa. Ela ficou, depois, conhecida como a Mona Lisa afogada.
Felipe descobriu, também, que o molde do rosto da Dama do Sena foi utilizado em manequins Resusci Anne, como estudo prático de técnicas de RCP, que combina compressões torácicas com a respiração boca-a-boca e pode salvar a vida de um paciente cujo coração parou. Essas coincidências fizeram com que a obra e o poema ganhassem mais força ainda.
A obra, apesar de abordar um tema “pesado” (a vida e a morte), transmite muita serenidade e uma certa alegria. O contraste do rosto e da caveira, pintados de forma realista, com o resto da obra, feita de forma “chapada” e com cores suaves, cria uma atmosfera bastante surreal, intrigando quem observa.
Felipe apresenta seu trabalho, para ele mesmo e para quem possa recebê-lo, como um lembrete de que existe um lugar onde a energia não é gasta desnecessariamente e sua mínima manifestação pode ser reconhecida e contemplada. Em suas próprias palavras, “no nosso cotidiano não nos faltam cores, nos falta perceber as sutilezas que existem entre elas”.
Saiba mais
Confira a exposição individual Suave, de Felipe Ikehara, por meio de um tour virtual disponibilizado pela Galeria A7MA: www.a7ma.art.br/12684-2/
Por Milenna Saraiva, artista plástica e galerista, formada pelo Santa Monica College, em Los Angeles.