Pior do que estar com a agenda cheia, voando de um país ao outro e sem tempo para atividades extras, é não ter absolutamente nada para fazer. E o granjeiro Andres Marin Isart – “espanhol nascido no Brasil, alma escocesa de sangue e contribuinte norueguês”, como se define – que o diga. Ele é comissário de bordo e divide seu tempo entre as casas de Oslo (Noruega) e Edimburgo (Escócia), “cidades que dão liberdade de ir e vir”. Ou melhor, davam antes da pandemia avançar e colocar o mundo em confinamento.

A Noruega adotou um regime de semi-confinamento e impôs medidas restritivas já no início de março. “As mais vigorosas e intrusivas que tivemos na Noruega em tempos de paz”, como declarou o ministro da Saúde, Bent Høie, na época. Com isso, o país nórdico conseguiu colocar sob controle a disseminação do coronavírus em seu território: a taxa de reprodução da doença caiu para 0,7 contra 2,5 antes da adoção de medidas para combater a doença. Por conta disso, o país anunciou uma redução progressiva das restrições impostas a partir de 20 de abril, começando pela reabertura de escolas e creches.

“Quando cheguei em Edimburgo, há um mês, as ruas estavam cheias e todas as lojas estavam funcionando. Não se notava muita diferença e isso me chocou, porque vim da Noruega e lá já estava tudo fechado e deserto, parecia filme de ficção, voos cancelados… e aqui tudo normal”, relembra. De fato, o Reino Unido – formado por Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales – se mostrou mais relutante em adotar medidas restritivas para tentar conter a propagação do novo coronavírus. Enquanto outros países decretavam o isolamento de suas populações, o Reino Unido apostava no chamado “herd immunity” (imunidade de rebanho), estratégia de expor seus cidadãos à ação do vírus e decretar o recolhimento apenas para a população de risco.

Tudo foi mudar na Escócia, quase no finzinho de março. “Há pouco mais de duas semanas, fecharam tudo por aqui. Eu tenho um café no centro da cidade e poderia estar aberto, porque venda de alimentos e qualquer serviço que envolva comida tem a possibilidade de funcionar, mas optei por fechar, já que não tem ninguém na rua”, conta.

Desde então, este granjeiro de 46 anos está em casa “completamente fechado”. “Tenho sorte, porque há um jardim que posso sair sempre que dá vontade, ainda mais agora que o clima começou a ficar bom com a chegada da primavera. Mas para quem tem trabalho em dois países diferentes e, agora, não está fazendo absolutamente nada, é uma mudança e tanto de rotina”, revela.

Ele tem aproveitado o tempo ocioso para fazer coisas que não tinha oportunidade antes por conta da agenda lotada de compromissos. Faz yoga e duas baterias de exercícios, duas vezes por dia. Divide o apartamento com uma amiga espanhola e, para quebrarem o tédio, os dois tiveram uma ideia pra lá de criativa: decidiram recriar quadros famosos. “Assim pelo menos o tempo passa mais rápido e a gente ri um pouco. Postamos nas redes sociais para que amigos e familiares possam rir também e quebrar um pouco essa coisa de notícias negativas”, comenta.

Os Festivais de Edimburgo, que incluem a mostra internacional de música e artes e o famoso evento de comédia Fringe, foram cancelados pela primeira vez em mais de 70 anos. Com 25 mil artistas de mais de 70 países, os cinco festivais atraem cerca de 4,5 milhões de pessoas para a capital escocesa todo mês de agosto. Para o negócio de André, esta medida gerará certo prejuízo. “Seria ótimo ter este evento, por conta do consumo. Mas olhando todo o cenário, ainda acho que somos privilegiados. Posso estar em casa tranquilo e sei que tudo tem um limite”, comenta.

“Estou feliz por ter uma boa visão do meu quarto”, comenta André.
“O travesseiro é meu melhor amigo em tempos de quarentena”, escreveu no seu Instagram em 03 de abril

Para o setor de aviação, onde também trabalha, o cenário também não é animador: as companhias aéreas podem perder até US$ 113 bilhões (R$ 523 bilhões) em receita este ano devido ao impacto do vírus, de acordo com estimativa da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA, na sigla em inglês). “A aviação, eu acho que vai demorar alguns aninhos para recuperar”, lamenta.

Apesar de tudo, André é otimista e prefere acreditar que este momento é passageiro. “Daqui a pouco mais de um mês, eu vou continuar fazendo as coisas que eu gosto”, aposta. Assim como ele, todos nós apostamos em dias melhores no futuro.

 

Por Juliana Martins Machado

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