Aos 38 anos, a jornalista Madeleine Lacsko já acumulou quase 20 de carreira profissional, e pode ser considerada uma das principais especialistas do jornalismo político atualmente. Foi na rádio Jovem Pan, onde trabalhou durante dez anos, que a jovem estagiária, ainda cursando a Universidade de São Paulo, desenvolveu sua paixão pelo contato com seus ouvintes, propondo pautas interativas e discussões polêmicas. Madeleine seguiu neste meio ao coordenar a Rádio do Supremo Tribunal Federal, mas não imaginava que essa experiência lhe renderia a premiação de única brasileira vencedora da categoria mundial do International Children’s Day of Broadcasting Award (ICDB), concedido pelo Unicef, em Nova York, para a melhor produção de mídia para crianças, em competição com mais de 100 países. Neste período em que atuou no STF também pôde experimentar o outro lado do jornalismo político no contato direto com o ministro Gilmar Mendes e outros governantes do alto escalão.
Um dos momentos mais marcantes de sua trajetória aconteceu ao chegar a Angola, selecionada pelo Unicef Angola como Consultora Internacional em Comunicação, e descobrir que estava grávida. Diante do perigo real do trabalho, teve a opção de voltar, porém seguiu firme na sua missão, retornando ao Brasil, mais especificamente para a Granja Viana, a apenas um mês de ganhar seu filho, Lourenço.
Neste ano Madeleine estreou uma nova fase, ao ser contratada por ninguém menos que Diogo Mainardi e Mario Sabino, jornalistas renomados, ambos ex-Veja, e criadores do site O Antagonista. Ela comanda o programa TV O Antagonista, um braço do portal que vai ao ar pelo YouTube e Facebook, com foco no jornalismo político e investigativo.
Madeleine fez um filho, escreveu um livro e plantou uma árvore. É mãe solteira, perdeu seu pai aos 20 anos e sua mãe abandonou a família quando ela tinha apenas 8. No entanto, como poderão ler na entrevista a seguir, ainda existem incontáveis facetas que definem essa supermulher.
Revista Circuito – Você iniciou sua carreira de jornalista na Rádio Trianon. Como foi essa etapa?
Madeleine Lackso – Na verdade, na Rádio Trianon eu trabalhava muito, mas dinheiro, mesmo, eu ganhava dando aulas de inglês desde os 15 anos. Comecei a trabalhar na Rádio Trianon aos 17 anos, logo no primeiro ano da faculdade. Sempre gostei de política e curtia rádio porque é um meio que permite muita interatividade com o ouvinte. Para mim, mesmo sem saber, essa fase foi muito útil. Quando eu estava na faculdade, na USP, o rádio era o primo pobre. E eu fazia política e todos desdenhavam. E desdenhavam muito o fato de eu gostar de falar com os ouvintes, de fazer “fala, povo”, porque eu gostava desse contato.
E por que seus colegas desdenhavam?
Existia uma história de que o jornalista, mesmo, era aquele profissional encastelado, que um escreve para o outro e que trocam premiações entre si. Mas a internet acabou com esse mundo em que eles viviam, que na verdade só existia para eles mesmos. Era um círculo social deles, mas que não servia para as outras pessoas e, no fim, me serviu muito. Então, eu gostava da troca do rádio, e fiquei na Trianon por dois anos, sempre trabalhando com política.
Você trabalhou um bom período na Rádio Jovem Pan, saiu e voltou recentemente, quando, de repente, despediu-se ao vivo, no programa que apresentava, o Radioatividade. Como foi?
Sim, depois da Trianon fui para a Jovem Pan e fiquei por volta de dez anos, trabalhando e iniciando o radiojornalismo. O diretor da Trianon, Fernando Vieira de Mello, com quem eu trabalhei, criou o radiojornalismo da Jovem Pan. E o senhor Fernando falava para mim: “Filha, é muito importante que o seu ouvinte, quando fala com você, tenha a coragem de te dizer a verdade”. Sempre tive isso na cabeça. E a Jovem Pan me deu muitas oportunidades de crescimento e de criar novos formatos de programas. Fui repórter, editora, apresentadora, aprendi muito. Depois desse período, fiquei oito anos fora e retornei recentemente, mas não deu certo, não quero falar o motivo e, então, pedi demissão.
Como foi atuar no Supremo Tribunal Federal, exercendo o outro lado do jornalismo político?
Fui chamada pelo secretário de Comunicação, Renato Parente, porque eles tinham conseguido uma frequência de FM e queriam montar uma rádio que focasse na área de Direito. E, como eu cursei grande parte da faculdade de Direito na USP, eles me contrataram. Montei uma programação nessa área e também ajudava na parte de assessoria, então eu fazia parte da Secretaria de Comunicação Social do STF, na gestão do ministro Gilmar Mendes. Foram dois anos em que convivi diretamente com todos os ministros do Supremo. Essa experiência de atuar desse lado do jornalismo, para mim, foi fundamental para aprimorar o outro lado. Eu tinha a ilusão de que as coisas eram de uma maneira e, quando cheguei, vi que não eram.
Qual foi a descoberta?
As pessoas que estão no poder manipulam os jornalistas, e os jornalistas se deixam manipular, muitos escrevem bobagens. Quanto mais esperto o jornalista se julga, mais fácil é de ele ser manipulado. Apenas o profissional que realmente trabalha duro, desconfia de tudo e vai atrás da informação é o que consegue obtê-la. Quem é muito soberbo acaba sendo enganado.
A qualidade do jornalismo político se concentra em poucos profissionais?
Acredito que existam muitos profissionais que saem para cobrir uma pauta apenas com o intuito de confirmar uma tese. Ele tem uma ideia preconcebida, então não vai de mente aberta. Existe falta de capacidade de apurar dados e também de entender documentos. Eu vejo muitos jornalistas que debatem, mas se você der um processo nas mãos deles, não entendem o que estão lendo.
Ele vai buscar a ajuda de algum especialista?
Mas então ele não tem condições de cobrir essa pauta. Com os salários que pagam, também, ele não tem como se especializar. É um círculo vicioso, que foi se criando e que faz com que a informação não chegue da forma que o público espera. Acho que essa estrutura da mídia tradicional está ruindo de podre, porque quem é o patrão? O patrão é o público. Se você não está entregando a ele o que espera, para que vai perder o tempo dele? Ele vai buscar informação de qualidade em outro lugar.
Como sair desse círculo vicioso e elevar a qualidade do jornalismo investigativo?
Fiz essa transição para trabalhar em um lugar mais enxuto, no qual todos colocam as mãos na massa. Aonde, por exemplo, o diretor, não precisa ter 30 assistentes. Se os profissionais são mais humildes e não soberbos, o custo fica enxuto e todos ganharão melhor, e então você consegue oferecer um produto final melhor, senão não vai ter jeito.
Essa transição à qual você se refere é sobre o seu trabalho atual em O Antagonista?
Sim. Estou trabalhando neste programa ao lado de profissionais que admiro muito. Gosto do jeito que o Mario Sabino e o Diogo Mainardi trabalham, porque, primeiro, eles são pessoas honestas. A palavra deles vale mais que um contrato, são homens de palavra. Profissionais que trabalham e que não precisam de mil assistentes para fazer tudo para eles. Exercem o jornalismo investigativo como tem de ser, correndo atrás das informações. Trabalham com paixão, levam muito a sério.
Como foi que você entrou para a equipe de O Antagonista? Vimos um vídeo que mostra uma versão da sua entrevista com o Mario Sabino na sala, presencial, e o Diogo Mainardi no computador, acompanhando remotamente.
Tinha pedido demissão da Jovem Pan em dezembro do ano passado. Neste interim o Cláudio Dantas, que é o Antagonista de Brasília, me ligou para falar de uma reportagem e eu contei da minha saída da rádio. Ele disse que o Mario estava planejando um canal de vídeos para O Antagonista, como um jornal diário, e precisavam de um apresentador que também fizesse as notícias, a edição e que cuidasse da produção. Enfim, que entendesse de todo o processo, o que é muito difícil. Me fizeram uma proposta e eu topei, começando em janeiro deste ano.
Em O Antagonista vocês priorizam os fatos políticos, isto é, não é um programa de opiniões partidárias.
Sim, a importância está no noticiário. Claro que tenho minhas opiniões e quem me segue sabe quais são, porém, elas não estão acima dos fatos que noticiamos. Desta forma, damos lugar a pessoas que têm outras opiniões. Não queremos catequizar ninguém. Precisamos levar em conta o que é o fato. Como, por exemplo, o fato do bombom das Lojas Americanas, quando o filho da gente pega um bombom, a gente fala: “Meu filho, você vai ter de devolver”. Tem muito político nos partidos cuja mãe não fez devolver o bombom das Lojas Americanas, ele pegou e levou algo que não é dele para casa. E isso no partido A, partido B, partido C e partido D. Então, qual é a minha função? Averiguar e falar.
Como é a sua relação com os políticos?
Às vezes, é muito engraçado. Existem políticos que entrevisto e que me falam: “Eu sou seu fã, te adoro”. Pergunto se ele concorda com as coisas que eu digo. É claro que eles não concordam. Quando vou denunciar um político eu ligo e falo: “Fulano, eu estou aqui com o processo tal, e eu vou dizer hoje isso, isso e isso de você”. E ele não vai ficar bravo porque sabe que é o meu trabalho. Ele tem o direito de resposta, mas não me venha com lenga-lenga de querer fazer gravata.
Sofreu alguma coação ou processo de algum político?
De gente de alto nível nunca, porque eu não xingo e nunca fiz acusação infundada. De gente de baixo nível, que quer me perseguir, tenho um, em vinte anos de carreira, mas porque eu não quis me dobrar. Foi um caso, ainda na Jovem Pan, e a Jovem Pan ficou do meu lado.
Acredita no poder transformador da mídia, como o caso de O Antagonista?
Eu sou uma pessoa de fé, de verdade. Acredito que o ser humano podem se transformar, pode se consertar. Na prática, O Antagonista criou uma campanha contra o fim do foro privilegiado, que é algo absurdo que serve para proteger pessoas que estão cometendo atos de banditismo. Alguns senadores criaram um projeto pelo fim do foro e, claro, independentemente do aspecto ideológico, O Antagonista deu apoio a esta iniciativa. Cobramos para que todos os senadores assinassem a proposta. De fonte minha, teve esposa de senador que me ligou falando que os filhos nas escolas foram cobrados pelos amigos, que diziam: “Seu pai ainda não assinou”. E a esposa falando: “Fulano saiu de casa com um fogo para assinar esse projeto, os meninos chegaram aqui e conversaram com ele, e ele falou que não quer nem saber, que vai assinar de qualquer jeito, que não quer saber de partido”. As ações estão mexendo com a moral. Hoje você muda uma votação no plenário, com a pressão do povo nas ruas e na internet. Há cinco anos isso não existia, é uma grande evolução.
A internet abriu caminho para discussões políticas calorosas e para ajudar as pessoas a se mobilizar contra a corrupção. O Antagonista se encaixa nessa nova realidade de comunicação, por meio dos canais em que é veiculado o programa: YouTube e Facebook. Como você vê essa relação?
Eu adoro esse contato, que é mais jovem. Gosto desse jeito da molecada, acho que eles têm uma visão com frescor. A gente nasceu e essa turma que estava no poder ainda são os mesmos que estão aí. O Brasil só vai andar quando essa gente toda largar o osso e sair. Eles não deram certo. Assim, eles ficam se digladiando, mas olha para onde eles levaram o país. Cada hora é um. Precisamos dar lugar a uma nova geração. Mas nosso público é muito variado, abrange todas as classes. Uma vez fui fazer a cobertura de uma passeata e um monte de senhorinhas veio tirar foto comigo.
O prefeito de São Paulo, João Doria, é um exemplo de político que se utiliza de mídia social para mostrar seu trabalho e interagir com o público. O que você acha?
Acho que ele está usando a ferramenta de forma positiva, pois é gestor que une a política que faz com o marketing, que ele domina muito bem. A gente está acompanhando, é uma gestão muito nova. Eu não posso responder por todo mundo, mas, particularmente, sou da opinião de que gosto de comer um pacote de sal com a pessoa para ter uma opinião sobre ela. Mas ele, efetivamente, está dando soluções práticas para questões que pareciam insolúveis, vem de uma base de comparação muito baixa na solução de problemas. Está atendendo as demandas reais da população mais pobre da cidade, que são saúde, creche e questões do transporte público de periferia. Tínhamos uma gestão anterior que atendia mais a opinião pública e demandas de uma elite muito barulhenta da cidade. Então ele fez uma mudança nesse começo que eu considero positiva, mas acho que é cedo para avaliar, sou um pouco desconfiada da euforia política. Estamos vivendo um momento em que tem muita gente encostada que só de você ver uma pessoa que acorda cedo e vai trabalhar, fala: “Gente, esse aí acorda cedo!”
Qual a visibilidade de O Antagonista?
Hoje, a página do Facebook tem 700 mil pessoas, e ultrapassamos as 100 mil visualizações no YouTube. Mas esse alcance varia e atinge picos maiores conforme o entrevistado. Quando entrevistei o Danilo Gentili, alcançamos muito mais pessoas. Também foi assim quando entrevistamos o Doria.
Como é o roteiro do programa?
Realizamos, todos os dias, dois jornais, um às 11 da manhã, com duração de meia hora, e outro às cinco da tarde, com duração de uma hora. Estamos investindo na qualidade dos entrevistados. Também colocaremos no ar alguns compactos para esclarecer questões políticas, como explicar o que é voto distrital, o que é voto proporcional. Uma forma de orientar as pessoas para não caírem nas armadilhas de políticos que distorcem informações, porque eles jogam informações no meio do discurso e, de repente, a pessoa fica a favor, achando que é outra coisa.
Fazem uma reunião de pauta diária?
De manhã eu faço sozinha. Acordo às seis da manhã, falo com o Diogo Mainardi lá em Veneza ou onde ele estiver. Levanto todas as informações com ele, vejo o que pode mandar e o que não pode. Se o Diogo está muito encrencado, por exemplo, se ele está cobrindo uma operação da polícia federal, já vai pesquisando e colocando as coisas no site, e eu garimpo as informações dele para fazer o programa. Também falo com o Mario aqui, que também já está acordado. Deixo tudo preparado antes mesmo de sair de casa, então me arrumo e vou para o estúdio. Quando chego, alinhamos os acertos finais para começar a apresentação.
Você transformou a experiência ao comandar a radio do STF em uma oportunidade que te destacou como a única brasileira vencedora da categoria mundial do ICDB, International Children’s Day of Broadcasting Award, concedido pelo Unicef em Nova Iorque. Como foi isso Madeleine?
Ganhei o prêmio porque era sobre Direitos Humanos e Infância. Ganhamos por fazer a cobertura com maior diversidade de abordagens no tema. Todos os ministros do STF participaram e agradeço muito ao Ministro Gilmar Mendes e ao Secretário de Comunicação, Renato Parente, por permitiram que tocássemos esse projeto na rádio e, que a Andrea Mesquita, da Imprensa, participasse. O Ministro Eros Grau já tinha um programa voltado à infância e fizemos outros, todos elaborados por crianças de escolas públicas ou que estivessem cumprindo medidas socioeducativas. Participaram também vários artistas, até o Mano Brown. As crianças elaboraram os temas e os debates, montando de tudo, desde programas de entrevistas, musicais, raps, leituras de poesias até radionovelas engraçadíssimas. Concorremos com 100 países e vencemos.Foi emocionante. Recebemos o prêmio no MoMa, em Nova
Também publicou um livro?
Em 2009, publiquei, em conjunto com a cardiologista e diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do Incor, Jaqueline Scholz Issa, o livro Sem Filtro – Ascensão e Queda do Cigarro no Brasil, pela Editora de Cultura. A publicação é citada como fonte de informação sobre políticas públicas na área de tabaco pela revista científica internacional Addiction. É um livro sobre a história comportamental do cigarro no Brasil, como começaram as proibições e como ele deixou de ser fashion, para ser proibido. E, nesse livro, o Serra antecipou que ia fazer a lei de proibição de se fumar em lugares públicos em São Paulo. Ele me falou isso seis meses antes de editar o livro. E, quando publiquei, todo mundo achou que era mentira.
Em setembro de 2010, você foi selecionada pela Unicef para atuar como consultora internacional para desenvolvimento. Como foi essa seleção e esse trabalho?
Avisaram-me que tinha surgido uma vaga no Unicef Angola, e então passei pelo processo seletivo para fazer mobilização social, comunicação e advocacy para a campanha da pólio em Angola, como consultora internacional. Só que, quando cheguei a Angola, descobri que estava grávida. Eu achava que não podia engravidar, pois tinha um diagnóstico médico que afirmava que eu não tinha como engravidar. Então achei que estava com malária.
E como lidou com essa realidade sozinha, chegando a Angola para iniciar um trabalho?
Um dos requisitos da vaga era que eu não podia estar grávida, até porque era uma vaga de risco. Eu andava em um carro que tinha manta antimina e, em alguns lugares, havia toque de recolher. Então me perguntaram se eu queria voltar, e eu resolvi ficar. Fiquei até a trigésima sexta semana de gravidez.
Você trabalhou em Angola até faltar apenas um mês para o nascimento do seu filho?
Sim, eu ficava a maior parte do tempo em Luanda, no escritório da ONU, porque a gente fazia o planejamento e a avaliação das ações da campanha de vacinação da pólio. Mas também saía a campo nas campanhas de vacinação, visitava as províncias, produzia os materiais de comunicação. Fiz viagens por dentro de Angola para documentação de povoados que estavam com a doença, vacinava junto com o Exército. Em Angola, faltava luz quase todos os dias, e eu tinha de subir as escadas para chegar ao meu apartamento, pois o elevador não funcionava. E quando cheguei aos sete meses de gravidez não aguentava mais subir tantos degraus e, então, mudei para uma casinha térrea, no meio de uma favela.
E como era essa comunidade?
Era pós-guerra, muita gente armada. É uma vida sacrificada. Mas era um trabalho que, no fim, me distraía a cabeça e que me ajudou a passar por toda a situação pessoal que estava vivendo.
Como foi o acompanhamento do seu pré-natal?
Eu trabalhava junto com a OMS, então foram os médicos da OMS que acompanharam a minha gravidez, inclusive um médico cubano.
Você não era casada?
Estava noiva, mas não deu certo e resolvi seguir meu caminho, quando fui para Angola.
Assumiu a criança sozinha, como mãe solteira?
Sim, fui mãe solteira aos 32 anos, mas prefiro não falar sobre o pai do meu filho.
E como retomou sua vida ao voltar para o Brasil?
Voltei direto para a Granja Viana para morar com a minha tia Verônica, que está aqui há muitos anos. Na verdade, tenho duas tias que moram aqui, Rosa e Verônica. Foi minha prima, Teresa Cristina, que me convenceu a vir. Ela me ligou em Angola e disse que, se eu não viesse morar aqui na Granja, ela iria pegar um avião e me buscar pessoalmente lá. Como eu conheço bem minha prima e sei que ela seria capaz de colocar em prática o plano, respondi que sim, que iria ficar um pouco com ela e minha tia.
E seus pais?
Minha mãe nos abandonou quando eu tinha 8 anos, meu irmão 5 e minha irmã 3. Meus pais estavam separados, e minha mãe decidiu ir morar com uma pessoa sem a gente, não queria mais exercer o papel de mãe. Sofremos muito na época e, obviamente, tentei saber o que houve depois de ficar adulta, mas essas situações não são de entender, são de aceitar que existem. Há pessoas que não querem ser mães, que não querem ser pais. A isso não se obriga. Quem tem em si o sentimento de maternidade e paternidade talvez nunca entenda. Quando meu pai faleceu, eu tinha 20 anos. Era repórter, estava no meio de um projeto de verão da Jovem Pan no Guarujá. Não era meu plantão, escalaram-me de última hora. Ele brigou comigo, não queria que eu fosse, pois estávamos fazendo churrasco na casa da minha tia na Granja. Arrependo-me até hoje de ter ido. Ele sofreu um infarto aos 47 anos.
Como foi a maternidade?
Foi um aprendizado, uma lição de maternidade. Enquanto eu estava grávida, em Angola, passei a observar muitas mães cuidando de seus filhos para aprender um pouco. Achei que já estava craque no assunto. Mas quando ganhei o bebê vi que aqui era tudo diferente. Cheguei à maternidade, vi a enfermeira dando banho no bebê e falei: “Não sei nada, o que eu vou fazer? Vou ficar sozinha com essa criança”. Sabe o que eu fiz? Fui ao berçário e falei: “Moça, acabei de me dar conta de que eu não sei cuidar dele. Será que não dá para você me dar um curso rápido?” Aí ela falou: “A senhora não fez o curso?”. Fiquei quatro dias na maternidade.
Suas tias e prima foram um apoio familiar?
Sim, muito. E foi muito legal, pois quando cheguei ao Brasil, fui com minha prima, Teresa Cristina, pegar o resultado do exame de gravidez dela. E ela descobriu que também estava grávida. Foi uma festa. Os nossos filhos têm, praticamente, a mesma idade e são muito ligados. Fiquei um ano e meio na casa da minha tia porque ela dizia que eu só sairia de lá depois que comprasse a minha casa. Então surgiu uma oportunidade e resolvi comprar uma casa na Granja, que foi o lugar que escolhi para criar meu filho, Lourenço. São seis anos de Granja Viana. Aqui ele tem um tipo de liberdade, de contato com a natureza, de tranquilidade que não teria em outros lugares em que morei.
Sua história de vida, a garra e a capacidade de enfrentar desafios e adversidades inspiram as mulheres a seguir seus sonhos e mostrar que são capazes. Não há limites de gênero. Como você vê, o papel da mulher nos dias atuais, tanto em termos de vida pessoal como profissional?
Das experiências que tive fora do Brasil, sem contar os países árabes que visitei, onde em alguns, inclusive por lei, as mulheres têm menos direitos, acho, por exemplo, que o Brasil é mais machista até que Angola, porque o Brasil é muito hipócrita, o brasileiro finge que está tudo em ordem.
Fingem estar dando crédito às mulheres apenas como fachada?
Isso. E fingem que estão tratando aquilo com seriedade. Não é só na questão da mulher, é que eu acho que no Brasil se valorizam pouco as pessoas que são sérias. Na minha experiência com o jornalismo existe o seguinte: quando as pessoas são sérias, tratam essa questão com seriedade; as pessoas que não são sérias, não tratam. Eu já sofri assédio. E as pessoas que não são sérias, inclusive que fazem campanhas muito rumorosas contra o assédio, não levaram a sério, nem sequer ouviram minha reclamação, não ajudaram. Tudo mentira, só para se promover, não ajudam quem está sendo assediada. Existem empresas que não têm a menor vergonha na cara em deixar assédio correr solto, porque a seriedade não é um valor aqui no Brasil. Quando a pessoa é séria, não admite assédio, não admite roubo, não admite caixa dois, não vai admitir nada disso. Ela não vai admitir que um queira ser mais esperto que o outro, que um queira passar por cima do direito do outro, é tudo no mesmo pacote. Então eu acredito que essa questão da mulher não pode ser tratada como algo menor, porque ela vai calar naquilo que o Brasil mais precisa, que é de seriedade, de dignidade. E a gente precisa abrir o olho para isso
Educar as crianças e os adolescentes sobre o respeito ao próximo em meio a este turbilhão que é a internet. Como você vê isso?
É a ética que está na base da educação de cada família, dos pais da criança. Se uma menina manda uma foto nude para um amigo, os pais precisam conversar com ela para entender o motivo que a levou a compartilhar algo íntimo com outra pessoa. Mas se o meu filho pegar essa foto e mandar para o resto do grupo, ele está com um problema. A gente tem que olhar para dentro da nossa casa, porque se não, isso vira uma loucura. Outro dia o doutor David Uip, Médico Infectologista, Secretário Estadual da Saúde de São Paulo, estava me falando que um dos fatores de transmissão do HIV hoje, se dá porque essas crianças ou adolescentes mandam nudes para pessoas erradas e depois ficam reféns. São chantageadas e forçadas a atos sexuais que não querem fazer, com pessoas que estão infectadas. Isso está acontecendo em escolas públicas e particulares. É uma violência enorme, mas por quê? Cadê o diálogo? Porque que preferiu se submeter a esse horror em vez de falar com a mãe ou com o pai “eu fiz uma bobagem horrorosa, me ajuda, por favor.” Estamos vivendo um tempo diferente, se não tivermos amor e compreensão com os nossos, dentro de casa, o que eles vão encontrar no mundo não vai ser amor e compreensão. O coração e a mente precisam estar mais abertos para acolher nossos filhos. Estamos vivendo num mundo cruel, da super comunicação, da super agressividade. Precisamos estar atentos e precisamos ser muito doces com esses adolescentes, para que eles consigam encontrar um caminho menos duro nesse mundo.
Você é uma pessoa religiosa?
Eu sou batista, vou à igreja todos os domingos. Desde pequena eu frequentava, com meu pai, a Igreja Católica. Mas quando meu filho nasceu, fiquei em crise, porque era um problema batizar um filho de mãe solteira. Eu comecei a achar aquilo um horror e tive uma crise de fé. Batizei meu filho depois, com um padre amigo, mas, ainda assim, tive de fazer a documentação de um jeito que eu não queria. Fiz uma busca espiritual grande, procurei várias outras religiões, até que uma amiga me levou para ver uma palestra do Deltan Dallagnol, o procurador da Lava Jato, que também é batista.
Até na sua busca espiritual existe uma ponta da linha que te liga à política?
Pois é (risos). Gostava dos pastores, conhecia muita gente, inclusive que eu já tinha entrevistado. Pessoas esclarecidas e inteligentes. Comecei a frequentar. O evangelho é o mesmo, são os mesmos princípios cristãos. Eu era Cristã Franciscana, e eles também seguem a teologia da missão integral, que é muito parecida com a Teologia da Libertação que eu seguia, então, para mim, foi um achado. Não existe ostentação, e sim muito trabalho social, que eu gosto muito.