Através de todas as épocas já vividas pela humanidade, entre as mais variadas culturas, um assunto sempre gerou curiosidades míticas e científicas. Algo que é como um pensamento que vem e vai, sem que a gente se de conta, sendo o responsável por nos levar a lugares distantes, viver momentos mágicos ou, então, de medo e terror intenso, quando simplesmente fechamos os olhos por algumas horas. Os sonhos são fenômenos bem interessantes e seu entendimento pode ser relacionado à ciência, fantasia e até previsões do futuro.
Apesar de ser um fenômeno com relativa atenção de estudiosos na atualidade, os sonhos estiveram presentes desde os tempos mais antigos. Há quem diga que até mesmo antes dos seres humanos, quando outros seres vivos pré-históricos já experimentavam essa experiência. Ao longo das eras, muitas culturas buscaram entender esses elementos e os significados que eles traziam.
Na religião cristã, há uma passagem na bíblia em que José faz interpretações de sonhos para um faraó, apontando que as vacas gordas ou magras vistas por ele podem predizer tempos de fartura ou dias difíceis a caminho. Na cultura oriental, situações comuns vividas em sonhos também já foram interpretadas e organizadas em um dicionário pelos Chineses. Mas foi com os estudos de Freud que a ciência se concentrou nesses fenômenos nos tempos mais modernos.
No programa “Circuito Almanaque” de quinta feira (10/12), exibido via Facebook e Youtube, o especialista em sonhos Sidarta Ribeiro, que também é Biólogo, Neurocientista e vice-presidente do Instituto do Cérebro da Universidade do Rio Grande do Norte, fala sobre sonhos, ciência e psicanálise no Brasil contemporâneo. Para o estudioso, esse assunto que é antigo e se discorre para muitas áreas do conhecimento precisa ser ordenado e observado de várias perspectivas para chegar a um entendimento claro: “se nós juntássemos todos os fatos conhecidos e condensados que a gente tem do início da vida na Terra, da evolução das diferentes espécies, da pré-história humana, da história humana… se a gente juntasse e colocasse essas coisas em ordem, seria possível sair do primeiro ser vivo e chegar à mente humana contemporânea sem nenhum tipo de salto no escuro.”
Ao longo de muitos anos de estudos e pesquisas, Sidarta reuniu uma grande quantidade de dados e conhecimentos não apenas científicos, mas alegóricos e culturais que se relacionavam às interpretações dos sonhos. Com esse compilado de arquivos, ele percebeu que já havia conhecimento suficiente para entendê-los com mais clareza, mas o que faltava era mapear esses dados. “A minha sensação é que a nós podíamos fazer esse trajeto, que já havia conhecimento suficiente para isso, mas que o que estava faltando não era o pulo do gato, o que estava faltando era colocar as ideias em ordem”, lembra.
Os sonhos como oráculos
Após mapear tudo o que conseguiu reunir de mitos e verdades sobre os sonhos, o neurocientista constatou que há uma relação entre nossas memórias, criatividade criativa e um potencial no circuito cerebral que possibilita que sonhos possam criar uma probabilidade de como será o futuro. Um extenso trabalho que ele registrou em seu livro “O oráculo da noite – a história e a ciência do sonho”.
“Uma coisa que ele se propõe a fazer é construir uma narrativa científica plausível, uma conjectura científica plausível para o fato de que todas as culturas da antiguidade, todas as culturas na Idade Média e todas as culturas atualmente existentes, todas talvez seja um exagero, mas muitas, que são caçadoras e coletoras, nômades e seminômades, defendem a ideia de que os sonhos podem ser premonições e ter uma função oracular”, comenta.
Mesmo para um estudioso dedicado a pesquisas e constatações científicas, Sidarta defende que não podemos considerar mitologias de diferentes culturas ao longo da história como besteira ou superstição. Afinal, foram responsáveis por registros que construíram o conhecimento que temos hoje. “Então, o livro propõe uma explicação biológica do porquê os nossos ancestrais, povos ameríndios e aborígenes australianos acreditam que os sonhos são oráculos. E a maneira que isso é construída de dizer ‘os sonhos são oráculos sim, são oráculos neurobiológicos, não são oráculos determinísticos e podem prever o que realmente vai acontecer porque o que vai acontecer ainda não aconteceu’, e para prever o que vai acontecer, gente precisaria de uma nova física que ninguém conhece ainda”, explica.
Entende-se, então, que dessa forma, os sonhos podem fazer previsões como neurobiológicos com base em experiências registradas nas memórias. Isso quer dizer que, com a passagem de atividade elétrica pelo circuito cerebral que é ligado as nossas lembranças, há um estímulo por áreas do córtex que podem ativar a região do VTA, a Área Tegmental Ventral ou também conhecida popularmente por “sistema de recompensa” do cérebro. Nessa área, os agrupamentos de neurônios são relacionados em nossa cognição, motivação, prazer e paixão. Também é aqui que informações relacionadas a lembranças boas ou ruins são armazenadas e usadas na produção dos sonhos mais encantadores, pesadelos mais intensos ou até, como pode ser o futuro mais provável. “Podem prever de maneira probabilística o que vai acontecer, ou seja, com base em ontem, com base em memórias do passado, como deve ser o futuro. E isso se liga na perspectiva Junguiana, na perspectiva analítica, perspectiva Freudiana e psicanálise, perspectivas Xamânicas, ai a gente vai para a antropologia, então se liga a vários saberes científicos ou não, e aí eu estou trazendo um aporte neurobiológico”, defende.
Recomendações do especialista para interpretar sonhos
O especialista não recomenda o uso de dicionários dos sonhos porque, de acordo com ele, esses fenômenos são relacionados à nossas experiências e memórias, então “seu entendimento será sempre muito pessoal”. Ele exemplifica que se uma pessoa disser que sonhou com tubarão, não há como saber se isso é bom ou ruim, você tem que entender o que o “tubarão” significa para o subconsciente da pessoa que tenha sonhado. “Quem pode interpretar o sonho é quem sonhou”, ressalta.
Contudo, essas experiências podem ser compreendidas e exploradas quando compartilhamos com outras pessoas e vemos por outras perspectivas que exercitem a memória e a criatividade. “Quando a gente conta o sonho para outra pessoa, faz terapia, compartilha com pessoas queridas, tudo isso ajuda a gente a ganhar perspectiva interpretativa”, completa.
Sonhos, tecnologia e a saúde na atualidade
Quem nunca teve problemas de insônia, virando de um lado para o outro sem conseguir dormir? O que na maioria das vezes está relacionado às preocupações que literalmente “tiram o nosso sono” ou dificuldade de desconectar a mente do agito do dia, estão cada vez mais comuns na atualidade e nas pessoas mais jovens. Já entendemos que os sonhos são produzidos a partir de experiências e memórias, mas e se as atividades excessivas nas telas de smartphones, computadores e televisão prejudicam o sono, atenção, criatividade e por sua vez, os sonhos?
De acordo com Sidarta Ribeiro, hábitos de uso constante de aparelhos tecnológicos podem ser determinantes na desregulação do sono, assim como outras atividades quando praticadas em excesso. “Se a pessoa, por exemplo, faz exercício, é bom e saudável? É saudável. Mas se a pessoa passar tempo demais, fazendo esforço demais numa academia de musculação, ela vai se lesionar. Se alimentar é bom? É bom, mas se alimentar em excesso não. As telas são positivas? Elas são muito positivas, mas na quantidade que as pessoas estão usando e, com a pobreza de conteúdo que domina a navegação, elas estão colocando na verdade um grande dilema para a espécie”, afirma.
Com base em estudos observados pelo especialista, a geração atual está em risco pela dependência tecnológica e o uso dessas ferramentas de forma passiva: “claro, existem muitas exceções, mas em média é uma geração que lê muito menos, que assiste menos teatro, que vai menos ao cinema, que conversa menos, que brinca menos, que joga menos e que está muito mais tempo assistindo coisas passivamente na tela ou jogando jogos de computador, que existe uma interação, mas ainda assim, muito empobrecimento do conteúdo.”
Sidarta defende que com os avanços tecnológicos, possuímos mais conhecimento em mãos do que nunca, mas adolescentes e crianças estão tendo cada vez mais dificuldade para achar prazer com a leitura e atividades que exercitem sua criatividade porque as mídias digitais acostumam a mente a receber imagem pronta, o que para ele, acaba com a imaginação. “Então não é só que invade o tempo do sono e do sonho porque toma o tempo da noite, o que é grave, eu falo muito disso no meu livro, mas também toma o espaço da imaginação. E a gente está caindo nessa, no mesmo momento que estamos nos tornando mais dependentes das máquinas. Então, é um momento extremamente perigoso para a espécie humana. As máquinas estão tomando o espaço”, alerta.
A tecnologia dos sonhos
A cada dia, vemos a o avanço tecnológico transformando tudo a nossa volta. Em sua maior parte, para facilitar nossas tarefas e ajudando a enfrentar desafios. Por outro lado, as máquinas muitas vezes geram controvérsia, quando executam o trabalho que dezenas de pessoas levariam dias, em apenas algumas horas. Se por um lado, avanços como a Automação Industrial e a Inteligência Artificial aumentam o desempenho e execução de atividades, muitas dúvidas são geradas de como a relação entre homem e máquinas poderão ser no futuro.
Sidarta Ribeiro questiona o uso da tecnologia para os dias que virão com base no que já observamos atualmente: “Por que por um lado, a quantidade de coisas novas que os seres humanos estão inventando está se multiplicando tanto e rapidamente, a quantidade de informação nova gerada está crescendo tanto, há um crescimento exponencial da cultura humana, então muito rapidamente a gente inventou máquinas que podem substituir o trabalho das pessoas. Os metalúrgicos perderam seus empregos há quarenta ou trinta anos, os agricultores perderam seus empregos há trinta anos e agora são advogados, médicos, professores, jornalistas, cientistas, e se a gente não tomar cuidado, rapidamente as máquinas vão tomar conta de tudo”.
Além disso, o estudioso aponta que essas transformações estão mais perto do que muitas vezes se pensa, mas que vê o futuro de maneira otimista: “por outro lado, é um momento incrível que possamos usar todos esses saberes ao nosso favor. A gente está muito perto de dar certo enquanto espécie, enquanto a gente está muito perto de dar errado. E é logo, é a geração dessas pessoas que estão vivas neste momento que vaiter que lidar com isso. Não vai ser uma coisa para daqui a muitas gerações, porque as transformações são muito rápidas”.
Upload da mente humana para computador
Mas se a tecnologia está avançando tanto, será que em breve poderemos “salvar” de alguma forma nossos sonhos em mídias físicas para assistir depois? Ou de maneira mais geral, fazer um Upload da mente humana para o computador? Parece até filme de ficção, né? Mas Sidarta acredita que essa realidade virtual relacionando o funcionamento da mente com as máquinas está mais próxima do que a gente pensa. “A gente está com a vida governada por máquinas. Os algoritmos são robôs em software. A gente virou Ciborgue e não percebeu. Muitas das nossas capacidades cognitivas já estão totalmente dependentes das interfaces com as máquinas”, alerta.
Para entender melhor sobre os mistérios dos sonhos e a trajetória vivida por Sidarta Ribeiro em sua missão de desvendar esse assunto, assista a entrevista completa no vídeo abaixo
Por Eric Ribeiro