Atriz e apresentadora Sônia Lima revela trajetória marcante da fama às superações pessoais

É impossível falar do Show de Calouros sem deixar de lembrar de Sônia Lima. E vice-versa. Hoje, a eterna jurada do programa de Silvio Santos está no ar no Programa do Ratinho. Com uma carreira iniciada como manequim, ela galgou a carreira de atriz e participou de séries, minisséries e novelas. Como cantora, gravou dois álbuns. Nesta entrevista exclusiva, gravada na sala de sua casa na Granja Viana, temos o privilégio de conhecer um pouco mais sobre a trajetória fascinante desta figura icônica da televisão brasileira. Do seu humilde começo na periferia de Osasco até os palcos e telas de todo o país, Sônia compartilha conosco suas experiências, desafios e momentos marcantes ao longo de uma carreira de mais de 45 anos. Fala abertamente sobre depressão, autoestima e o encontro de um novo amor – Sônia levou mais de dois anos, após a morte do marido, Wagner Montes, para começar a olhar novamente para si. Relembra as memórias que viveu na vida granjeira, compartilhando a importância desse lugar na sua vida e na vida da sua família. Expressa seu desejo de fechar um ciclo, mantendo vivo o legado de momentos felizes e desafiando-se a construir novos capítulos da sua história. Este é um mergulho profundo na vida de uma mulher extraordinária, repleta de conquistas, aprendizados e, acima de tudo, uma incrível capacidade de reinventar-se e seguir em frente, inspirando a todos nós com sua resiliência e paixão pela arte e pela vida. Com vocês, a Sônia Lima lá, laiá, laiá, laiá.

Quem é a Sônia Lima?
É uma menina simples da periferia da cidade de Osasco. Meu pai era militar. Minha mãe, costureira. Sou a mais velha de quatro irmãos. Minha vida era cuidar da casa dos meus pais e ajudar a criar os meus irmãos. Quando dava para escapar, ia a um bailinho no Floresta Clube (Associação Atlética Floresta, que fica na região central de Osasco). E lá fui descoberta.

Por um olheiro?
Os olheiros, na verdade, eram a mãe e a esposa do Secretário de Cultura de Osasco. (risos) Estavam lá e me chamaram. A princípio, recusei. Eu tinha muita vergonha. Mas eles foram até minha casa falar com minha mãe e ela me obrigou a participar do Miss Osasco.

Como foi a transição para o universo da televisão?
Entrei para essa vida de artista, aos 18 anos, através do Miss Osasco, em 1978. Dali, fui para o Miss São Paulo, que era um produto televisionado e saía para o Miss Brasil. E se não vencesse, mas pegasse uma boa colocação, ia para o concurso internacional. Foi o que aconteceu comigo. Fiquei em segundo lugar, fui para a Venezuela e trouxe o título para o Brasil. Ganhei um contrato para gravar no Japão e surgiram outros convites. Estava na Espanha fotografando para uma revista e o Fernando d’Ávila, diretor televisivo do Miss São Paulo, deixou recado com minha mãe. Quando voltei ao Brasil, fui procurá-lo e ele me colocou para apresentar meu primeiro programa, junto com Thomas Roth, na extinta TV Tupi. Depois, fui para a novela Como Salvar Seu Casamento. (para e pensa) Dos 18 aos 20 anos, eu vivi tudo o que não tinha vivido. Tive que aprender etiqueta. Todos os dias, à noite, tinha aula com Dona Mirinha, quando acabava a programação. Muita informação foi descarregada em cima de mim. Hoje, estou com 6.4 e falo que sou igual o iPhone 10. com a memória que não tem mais atualização. (risos) Precisa apagar alguma coisa para entrar arquivo novo. Mas naquela época, eu tinha muita memória e foi tudo absorvido muito rápido. Não tinha curso e nunca tinha segurando em um microfone (risos). Pouquíssimas pessoas tinham acesso a estudar para fazer televisão ou ser atriz. As pessoas estavam no mercado ou porque tinham talento ou aprenderam com o próprio tempo. Eram poucos cursos e muitos caros. Aprendi na raça. Tive colegas gentis que sempre foram muito atenciosos comigo e me ensinaram muita coisa.

E o humor, chegou quando?
Fernando (d’Ávila) me chamou para fazer um programa na TVS do Rio de Janeiro e, nele, conheci a nata do humor brasileiro. Golias, Nair Belo, Maria Teresa, Consuelo Leandro, Renato Corte Real, Canarinho, Rony Cócegas, Rony Rios, Castrinho… Aquelas pessoas foram maravilhosas, me acolheram e ensinaram praticamente quase tudo que sabiam. (sorri) Sabe, sempre fui muito abençoada e privilegiada. Eu aprendi a fazer televisão e falo que sou de humor, porque esse povo me ensinou o que eu sei. O programa chamava Motel da Barra, depois passou a ser Alegria 81 82 83 até vir A Praça É Nossa. Nesse processo, estreou o Veja O Gordo, do Jô Soares, e fui fazer uma coisa completamente diferente que nem sabia que tinha capacidade. Cantava, fazia musicais e paródias no programa. Aí eu tive contato com mais uma camada de comediantes, aos quais eu não tinha acesso até então. Paralelo a isso, o Silvio (Santos) me chamou para trabalhar com ele como telemoça.

E aí você se torna uma figura icônica e, logo, jurada no “Show de Calouros” do SBT, certo?
Fiquei um ano sendo assistente de palco. Depois, já estava dentro do Show de Calouros e já tinha conquistado minha cadeira como jurada. Foi muito gostoso participar e trabalhar com Silvio Santos. Naquela época, ele era bem mais acessível, conversávamos muito e ele nos dirigia. Mal sabia eu que estava fazendo parte da história da televisão brasileira. Nesse ínterim, veio a concessão do canal para o Silvio e nós tivemos que fazer de tudo um pouco e criar uma programação. Sou grata ao Show de Calouros e, até hoje, as pessoas me veem e cantam a Sônia Lima lá, laiá, laiá, laiá (risos).

Como foi sua transição para a carreira de atriz?
Fui convidada a fazer a peça Viva Nova República, do Carlos Alberto Imperal, e foi uma benção. Era uma época em que o pessoal do teatro não recebia bem quem saía da televisão. Tive que vencer. Cada um vai matando um leão por dia para chegar onde quer. E foi assim lutando, brigando e desbravando para poder conquistar meu espaço. (para e pensa) Como era de humor e vinha da linha de show, a teledramaturgia não me via muito bem. Tive que lidar com muitas questões e brigar com a imagem da jurada o tempo todo e, antes disso, com a de mulher bonita. Hoje, as pessoas chamam isso de empoderamento, mas, na época, defendia a mim mesma. Queria provar que não era só um pedaço de carne, mas que tinha talento. Ficava muito mais feliz quando as pessoas elogiavam a minha cena do que dizer que eu era linda. Nunca gostei muito de expor meu corpo. Fernando (d’Ávila) me disse uma vez: “quando você ver roupa na sua arara, é porque você está chegando lá”. E eu pensei: eu vou ver roupa rapidinho. Era muito abelhuda, me metia muito, inventava falas e participações onde não existiam. E assim foi tudo acontecendo naturalmente. Em 1982, o Carlos Imperial fez minha inscrição na Universidade de Coimbra e ganhei uma bolsa de estudos. Larguei a peça e fui para Portugal estudar teatro.

Destaca alguma história?
Eu me lembro que o SBT estava com uma programação nova e tinha o Coquetel, do Miele. Silvio (Santos) queria que eu apresentasse o programa de shortinho e topinho. Mas eu não queria. Não me via mais fazendo aquilo. Podia apresentar o programa, sim, mas com outra roupa. Era uma briga. Silvio me ligava, eu dizia não. Ele ficou sem falar comigo. (respira fundo) Na época, o Avancini (Nunciato Walter Avancini, escritor, autor e diretor de telenovelas e minisséries, falecido em 2001) estava chegando com um seriado novo, O Grande Pai, e era tudo o que eu queria fazer. Como não tinha aceitado estar em Coquetel, Silvio disse que não estava liberada para fazer aquele produto. Pensava comigo: será que eu falei o não na hora certa? Afinal, ele é o dono do canal e manda em tudo. Avancini me chamou para participar e convenceu o Silvio a me levar para lá. “Deixei pelo Avancini, não por você”, Silvio fez questão de me dizer. Fiz o seriado, foi uma benção e aprendi um monte de coisa. Dali começaram a me chamar para algumas coisinhas e eu fui fazendo, mas nunca tive muito espaço dentro da teledramaturgia do SBT. Quando acabou o Show De Calouros, resolvi investir na carreira de atriz e fui para a Record. Depois, cheguei na Globo.

Qual personagem foi o mais significativo para você e por quê?
Ah, eu adorava fazer Isabel (em Dona Anja, exibida pelo SBT entre 1996 e 1997). Eu já tinha feito bastante coisa em teledramaturgia, mas foi quando fui trabalhar com o Roberto Talma… (para e pensa) Trabalhei com os melhores diretores fora da Rede Globo. Foi muito louco, né? Deus permitiu que eles saíssem de lá e passassem pela minha vida. Mas enfim, nessa época, não me deixavam fazer novela no SBT. E eu queria muito. Descobri que o produto era terceirizado e quem estava fazendo era JPO Produções. Pensei comigo: “pô, eu vou me apresentar para esse Talma e vou ver se eu consigo fazer a novela”. Fui com a cara e com a coragem. Mas antes, liguei para o Luciano Calegari (vice-presidente do SBT, na época), perguntei se meu contrato permitia fazer novela e se ele tinha um contato lá. Ele me indicou a Georgia, hoje uma de minhas melhores amigas. Falei que gostaria muito de conhecer o Talma e me colocar à disposição dele para a novela. Ela marcou um horário e fui morrendo de medo, porque nunca tinha estado na frente de um diretor global. Eu sou evangélica e passei na igreja antes, para me ajudar em oração. Lembro que a pastora disse: “fica tranquila que já está tudo pronto”. E aí fui. A produtora ainda estava sendo montada e Talma me atendeu naquele vazio do salão, em uma mesinha. Ele deu uma risadinha e falou: “tá aqui, eu já tinha separado uma personagem para você”. Disse que iria conversar com o Luciano, mas eu tinha dito para ele que o Luciano tinha me mandado procurá-lo. Só que o Luciano não mandou procurá-lo, tinha sido a Georgia e eu menti mentido. (risos) Mas minha personagem estava ali e era Isabel. Por isso, tem um sabor especial. Fui indicada à melhor atriz revelação coadjuvante. Na sequência, fiz a Basília de Direito De Nascer. Era uma carroceira, ajudante da Mamãe Dolores e eu convenci na personagem. Depois, fiz minisséries bíblicas. Fico muito feliz com a minha trajetória, mas essa história com o Talma foi muito especial porque foi algo que eu corri atrás mesmo, com a cara e a coragem.

Tem algum papel que gostaria de fazer?
Gosto de exercer essa coisa de ser atriz, porque não tem que ser bonita ou magra o tempo todo. Então, na carreira, pude brincar muito com isso. Hoje, o que gostaria de fazer é mais humor, que é a minha praia. Sempre levei um pouco disso até com as personagens mais sérias. Com as vilãs, consegui criar empatia com o público. Por maior ou menor que as personagens fossem, sempre procurei dar meu melhor. Mas eu tenho o sonho de poder ainda contracenar com meu filho.

Ele é ator?
Sim. Diego (Montez) vai fazer o musical Alguma Coisa Podre, que estreia no Rio de Janeiro, no início deste mês. Nos últimos tempos, ele se dedicou mais para o cinema. Ele fez Perdida e O Sequestro do Voo 375, além de duas ou três séries que ainda não foram para o ar. Ele também é muito focado em um projeto social. O Cena 1 seleciona talentos do Brasil e traz para São Paulo, onde oferece aulas de teatro, dança e de interpretação. E depois, os insere no mercado de trabalho. É um projeto muito bonito. Estamos tentando formatar para virar uma ONG.

Você também canta, né Sônia?
Eu gravei dois discos, mas não me intitulo uma cantora. Sou uma atriz que canta. Benito de Paula foi quem me levou para a gravadora. Foi através desses shows que fiz meu pé de meia. Show de Calouros serviu como uma vitrine e, quando gravei os álbuns, o Silvio (Santos) me deu a divulgação. Mas eu não estou preparada o tempo todo para cantar, não.

E as capas da Playboy?
Fiz duas capas da Playboys, porque eu precisava de dinheiro. A primeira foi para ajudar meu pai. A segunda porque Wagner e eu quebramos. Mas foi vergonhoso me ver na capa. Eu não trabalho muito bem com o nu, com essa coisa de expor o meu corpo. Mas foi difícil fazer. Fiquei doente. Tive uma crise de ansiedade, urticária e o rosto ficou deformado, na primeira vez, só de pensar de ficar pelada em estúdio. Fiz porque precisei, mas tenho vergonha até hoje. Não me arrependo e isso me ajudou. E nunca ninguém me faltou com respeito por causa disso. Não sou considerada a pessoa que mais vendeu a Revista, mas ela esgotou em 3 dias. Meu pai nem soube da primeira. Ele não tinha o hábito de ir na banca de jornal. Ele tinha o jornalzinho dele, que eram um jornalzinho gratuito que distribuía em Osasco. E como vendeu em três dias, não tinha nem como ele ver. Eu fiquei sem revista. (risos) A segunda, vendeu em uma semana. Eu já era casada, meu pai soube e disse a ele: “agora é contigo, você que tem segurar isso aí”. Wagner foi muito macho e segurou. (risos)

Wagner era ciumento?
Muito. Nessa época, era bem complicado porque estávamos quebrados. Eu recebi a proposta e Wagner me perguntou “você quer fazer isso”? Respondi que eu não queria fazer, mas que, mais uma vez, eu precisava fazer. Lembro que o olho dele encheu de lágrimas e me disse: “deixa que eu faço”. Wagner fez um texto e cuidou da negociação. A primeira quem negociou foi o Silvio e a segunda, ele. Fiz porque precisava e não me arrependo de ter feito. Foram dois ensaios muito bonitos.

Após passar por diversas emissoras, como você se sente ao retornar ao SBT e participar do Programa do Ratinho como jurada do quadro Dez ou Mil?
Sempre falo para o (Sergio) Malandro que somos privilegiados, porque estamos aqui com essa idade, fazendo o que fazíamos naquela época, com um apresentador diferente. São três gerações. Tenho fã-clubes de meninas de 18 para 20 e poucos anos, por causa do Programa do Ratinho. É um privilégio para poucos. As pessoas aparecem e desaparecem. E já estou com 45 anos de profissão.

Tem algum arrependimento?
De nada. Até o que eu deixei de fazer me trouxe onde eu estou. Deus une pessoas e propósitos. Então, acho que tudo o que aconteceu na minha vida pode não ter sido da maneira correta, mas foi tentando acertar. E me trouxe aprendizado e sabedoria. Posso dizer que me sinto uma pessoa bem completa e, por isso, me permito hoje ficar parada e escolher o que eu quero fazer.

E sua rotina, como é?
A televisão ocupa pouco tempo. Eu faço o programa de segunda-feira, ao vivo, à noite. Não dou muitas entrevistas e não vou a programas de televisão. Fico mais aqui em casa, porque tenho muita coisa para fazer. Antigamente, tinha meu marido, mas hoje tenho que administrar sozinha o patrimônio. Tem as coisas do meu filho para ajudar a cuidar também. Eu trabalho todos os dias, pelo telefone ou computador, mas na área em que me formei, Administração de Empresas. Estou exercendo essa área que eu não gosto, mas porque preciso administrar o que eu tenho.

Família: filho Diego, falecido esposo Wagner Montes e enteado Wagner Júnior

Como você lida com a solidão e a saudade após a perda de seu companheiro?
Wagner e eu nos conhecemos nos corredores da TVS. Fomos casados por 33 anos e ainda sinto muita falta. Na verdade, minha psicóloga disse que eu não vivi o luto. (suspira) Meu pai teve um AVC e faleceu um ano depois. Pouco tempo, meu marido descobriu que estava com câncer. Nesse ínterim, tivemos que lidar com a minha mãe e, depois de 7 anos da partida do meu pai, ela faleceu. Um ano depois, foi o Wagner. Todos no dia 26 de janeiro. (suspira, mais uma vez) Mas desse processo todo, vou te falar que meu marido foi o pior. Eu me casei aos 27 anos e vivi mais com Wagner do que com a minha família. Ele era meu parceiro, companheiro… e é muito complicado. Tínhamos um casamento muito feliz e completo. Eu sabia que ele tinha uma doença que, a qualquer hora, podia leva-lo. Mesmo assim, eu fiquei bastante chocada. Eu briguei com Deus por cerca de 40 minutos, mesmo sabendo que Wagner estava muito debilitado. No fim, nunca estamos preparados e foi bastante dolorido.

Por que brigar com Deus?
Deus me preparou para a morte do meu pai e da minha mãe. Mas a do Wagner… Eu orava dia e noite. Ele tinha acabado de ser eleito deputado federal e, toda vez que voltava de alguma parada cardíaca, me perguntava: será que eu vou conseguir tomar posse? Era o sonho dele e eu tinha muita esperança dele sair dali. (para e pensa) Eu o vi ser ressuscitado cinco vezes e aquela seria mais uma. Apesar dos médicos já terem nos chamado, minha fé era grande e eu confiava tanto no Wagner. Ele sempre voltava e com aqueles olhinhos brilhando para mim. Na hora que ele foi de vez, eu não acreditei. Desci para cuidar das coisas, não tinha falado com ninguém, mas, quando estava na recepção do hospital, a Globo já estava dando a notícia: “acaba de falecer no Hospital Barra D’Or o apresentador e deputado Wagner Montes”. Quando eu olhei para a porta do hospital, já tinham duas equipes de reportagem e eu falei: meu Deus, o que está acontecendo? (seus olhos se enchem de lágrimas) Eu vou te falar: a gente vive, sobrevive. O que vivi com o Wagner foi muito especial. E essa casa aqui me traz muitas lembranças, cada cantinho.

Poderia compartilhar um pouco sobre sua jornada em busca do equilíbrio entre corpo, alma e espírito após esse período difícil?
Foram praticamente três lutos. Eu não sei o que é viver o luto. É ficar parado, sentindo aquilo? Eu me lembro que eu encontrava em uma depressão bem profunda. Quando voltei para a Granja Viana, estava muito triste e achava que minha vida tinha acabado ali. Pensava: estou com 60 anos, já vivi minha vida, tive um bom casamento e tenho filhos maravilhosos (Diego Lima Montes, biológico; Wagner Montes Junior, enteado). (para e pensa) Quando fui fazer meu primeiro mercado sozinha, sem maridos, filhos ou pais, eu precisei descobrir o que a Sônia gostava. É uma sensação de cachorro perdido na mudança. Ainda não estou completamente refeita e estou tentando me encontrar. Estou sorrindo sim, mas a Sônia não é mais a mesma. Tem uma marca e falta um pedaço. Na verdade, quatro, minha avozinha, meu pai, minha mãe e meu marido. E quando esses pedacinhos vão saindo, vamos ficando marcados. Estou em uma busca, mas ainda não me reencontrei. Eu fui procurar ajuda depois das três perdas. A terapia é feita para conduzir para um lugar e, em determinado momento, a terapeuta me disse que eu tinha a condução e sabia o que precisava. A Sônia que tinha uma família era uma, mas a Sônia viúva de hoje com um namorado é outra. Eu tenho experiência de vida, porém preciso procurar um foco. Vou fazer 65 anos. Poxa, investir na carreira ainda vale a pena? Não sei. Eu vou ser eternamente a Sônia Lima. Estou na memória emotiva do povo brasileiro, fiz parte de uma de uma geração. Então, hoje, eu procuro viver bem e dar conta do meu dia, como diz a palavra de Deus: para cada dia, basta o seu próprio mal. Então, procuro vencer o meu mal de cada dia, entendeu? E continuo vivendo.

Tem algum projeto futuro?
Sinto que preciso fazer alguma coisa mais envolvida como artista. Já recebi convite para ser candidata. Recebo aqui textos para voltar para o teatro e novela também. Eu só preciso realmente ver o que eu quero fazer. Acho que eu ainda não estou preparada para decidir “vou fazer isso”. Eu preciso realmente querer fazer. Sou muito focada e, hoje em dia, tenho muita responsabilidade e acaba que eu não tenho tempo. Mas acho que vou acabar enveredando por esse lado de podcasts. Gosto de ouvir e contar histórias. Só preciso me familiarizar mais com a ferramenta.

Como foi para você redescobrir sua autoestima e se permitir uma nova chance no amor?
Conheci o Flávio, aqui nesta casa, durante a pandemia. Amigos nos apresentaram e estamos juntos desde então. Mas sabe o que que eu descobri? Existem outras formas de amar e ele me ajudou a sair desse processo. Resgatou minha autoestima, me mostrou que eu ainda estava viva, tenho fôlego de vida e posso prosseguir. É que, na verdade, sempre vivi em função do meu marido e do meu filho. (para e pensa) Sou muito grata ao Flavio, porque ele tem me mostrado que a Sônia ainda está aqui. O que vivi com meu marido foi com meu marido. Wagner foi o grande amor da minha vida. E o que estou vivendo com o Flávio é outro momento e uma outra forma de amar. Eles são pessoas completamente diferentes, e não pode nem existir essa comparação. Mas o Flávio veio para conduzir minha vida de forma mais leve. Sei que, com ele, tenho um parceiro e uma pessoa em que posso contar. Não vamos colocar intensidade no amor, porque são formas diferentes.

Qual segredo da felicidade?
O momento em que se está completamente feliz, aproveita porque vai passar. E o que está completamente desesperado, não se preocupe, porque ele também vai passar. Acredito nisso. Penso que não existe uma pessoa feliz o tempo todo. Há momentos de felicidade e ela é uma construção diária. (para e pensa) Eu me lembro, quando meu marido morreu, estava com problema de saúde e fiquei envolvida com aquilo. Não queria falar com a imprensa, só fugir. Me tiraram daqui me mandaram para Orlando, onde eu tenho casa. Mas nem foi na minha casa que fiquei, mas da Bianca Rinaldi. Esperei uma semana pela chegada do meu filho para irmos a Disney, porque amamos. Quando entramos no parque mãe, ele disse: “mãe, um sorriso com seu filho”. Tiramos a foto e ele postou. As pessoas criticaram, falando: “olha lá o luto”. Eu sei que tinha pouco tempo que o Wagner tinha morrido e fui muito criticada por ter ido a um parque da Disney, quando estava no luto. Então, comecei a questionar: “gente, porque eu fui para aquele lugar lúdico, onde a gente não consegue pensar em nada”? Mas, sabe, tudo o que precisamos, quando passamos por situações de dor, é ser anestesiados por algumas horas. E assim, anestesiados, vamos sobrevivendo.

Lidar com as críticas é o mais complicado, não?
Sim. (suspira) Há dois anos, quando voltei a fazer televisão, eu já estava com um namorado e me permitindo viver uma relação pessoal. Podia estar ali sorrindo ou brincando, mas não quer dizer que estivesse feliz. Meu coração estava doente e abatido. A Sônia estava triste. As pessoas viram os momentos em que eu sorri e brinquei, mas em nenhuma eu derramei uma lágrima. As pessoas me criticaram, mas nunca ninguém trocou uma fralda do meu marido, entendeu? Eu passei por isso. Mas me deram essa sentença quando o meu marido morreu. Eu deixei de trabalhar para cuidar dele e isso ninguém viu? Só viram a hora que eu entrei no parque e, ao lado do meu filho, dei aquele sorriso. (para e pensa) As pessoas têm que entender que não é porque você está de luto que não pode sorrir ou fazer uma piada. Isso não muda nosso estado de espírito. Eu sinto falta do meu marido até hoje. Você olha na minha casa e cheio de fotos dele. Eu não tenho como seguir a minha vida sem falar nele, porque ele fez parte de mais da metade minha vida. Minha referência foi ao lado dele. Eu estou sorrindo sim, mas a Sônia não é mais a mesma.

E o Flávio como encara tudo isso?
Bem e ele respeita muito Wagner. Em todo lugar que eu chego, não adianta a referência é a Sonia com o Wagner, então, ele tem que viver com isso. Ele aceita isso muito bem. Como já disse, sou muito grata ao Flavio, porque ele tem me mostrado que a Sônia ainda está aqui. O Wagner me preenchia completamente, eu era uma pessoa muito feliz. Hoje, eu não sou uma pessoa completa e o Flavio veio para me ajudar.

Aos 64 anos, você continua linda. Como se cuida?
Agora, a água bateu na bunda. (risos) Sou obrigada a fazer fortalecimento dos joelhos. Fiz uma cirurgia de safena e tenho que fazer outras no ovário e na coluna. Estou até comemorando meu crachá de idoso para estacionar nas vagas. Posso não aparentar, mas o corpo tem 65 anos e sou obrigada a fazer alguns exercícios pelo bem dele. Eu tirei esse ano para cuidar um pouco da minha saúde, mas eu sempre me cuidei. Acho que o segredo, se é que tem algum, está na mente. Não estou preocupada se sou ou estou bonita, quero estar bem. Quando falo em perder peso, é porque estou me sentindo pesada e é pelo meu joelho. Não estou preocupada com a aparência. O segredo da beleza está na simplicidade. É não envelhecer a cabeça. Meu corpo pode estar sentindo, mas minha cabeça é jovem. Eu quero fazer coisas, mas me pergunto: será que cabe na minha idade?

E a alimentação?
Não sou uma pessoa de comer muito. Tomo sopa toda noite, não coloco carboidrato, só legumes e músculo. No almoço, como arroz de 7 cereais, com um ovo quebrado no meio e uma saladinha. De vez em quando, um bife ou um franguinho.

Como definiria a Sônia Lima hoje?
Não gosto de colocar rótulos não, porque sempre briguei muito contra eles. Mas eu vou me definir como uma pessoa de muita fé. E que sem a família, não é ninguém. Guerreira para caramba. Sem preguiça. Faço qualquer coisa, cozinho, lavo, passo e vou ao supermercado. Nunca deixei de ser gente como qualquer pessoa. E acho que o que define são minha garra, otimismo e alegria.

Por que a Granja Viana?
Começamos a construir aqui em 1988. Eu não sou uma pessoa urbana, Wagner era. Quando nos casamos, alugamos a casa da Ana Maria Braga, lá na Rua Direita, e gostamos muito. Eu já tinha esse terreno aqui e decidimos construir. Eu sou do mato, e não do mar. Morei no Rio de Janeiro por 20 anos com o Wagner, mas não era minha fonte de energia. Eu sou de origem indígena, minha vó era índia. Então, eu sou ligada a natureza e a esse cheiro de mato.

Quais lembranças a região te traz?
Eu tive essa de vir para Granja, porque gostava da proposta do Granjeiro. Nos encontrávamos ali naquele centrinho, Boldrin, Silvio, Eduardo e aquela viola. Às vezes, íamos de pijama e de chinelo. Ninguém estava preocupado em se arrumar, até porque o artista tinha que se arrumar sempre. E quando podíamos estar em casa, o bom era ficar à vontade.  Então, a Granja Viana era isso para mim. Tinha um só mercado e eu gostava disso. Hoje, está tudo mudado. Tem mais infraestrutura. (para e pensa) O que nós vivemos aqui é muito forte. Não só de referência da família Wagner, Sonia e Diego. Mas da família Lima, meus irmãos e primos. Todo mundo passou por essa casa e viveu grandes momentos aqui. As nossas memórias emotivas estão relacionadas a esse espaço. É um lugar muito especial. Essa casa foi construída com muito sacrifício. Tem a mão do meu pai. Eu viajava e ele cuidava das coisas. Tudo o que tínhamos, investíamos aqui. Não foi com tudo do bom e do melhor, mas era o melhor que nós tínhamos e foi realmente onde fomos muito felizes. Por isso, eu resolvi voltar para cá, quando o Wagner morreu em 2019. A única coisa que meu filho me pediu foi para não vender a casa da Granja Viana, onde ele foi criado. Ele, quando era pequeno, costumava falar que morria de vontade de sair daqui porque estava no meio do mato. E hoje em dia ele diz: que bom que eu estava lá. Toda semana, Diego vem para cá, é aqui que ele se recarrega.  (suspira) Mas, hoje, eu sinto que preciso sair daqui e fechar esse ciclo. Wagner está aqui dentro (mostra o coração) e ninguém vai tirar, mas acho que estar nesta casa é complicado. Já me desfiz de bastante coisa, coloquei móveis novos no lugar, mas aqui foi o coração de tudo. Toda vez que eu penso em vender, eu pergunto: meu Deus, como é que vai ser isso? Quando olho esse sofá, lembro que sentávamos aí, na lareira, fazendo fondue, assistindo televisão daquela de tubo. As lembranças são muitas. Tenho qualidade de vida e segurança, mas sei que é uma página que preciso virar. Meu filho sabe que eu preciso.

Por Juliana Martins Machado

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