Quando pensamos em vinhedos, geralmente imaginamos colinas banhadas pelo sol em regiões clássicas como Bordeaux ou Toscana. No entanto, há projetos audaciosos ao redor do globo que desafiam condições extremas – seja o frio quase polar, a secura desértica ou altitudes vertiginosas – e, surpreendentemente, conseguem criar vinhos marcantes e cada vez mais apreciados por enófilos em busca de experiências únicas.
Um caso emblemático é o Lerkekasa Vingård, na Noruega, próximo ao paralelo 59°N, considerado o vinhedo mais ao norte da Europa. As videiras enfrentam invernos rigorosos, verões curtos e alta umidade. Os produtores apostam em castas resistentes, como a Solaris e a Rondo, que suportam baixas temperaturas e conseguem amadurecer em janelas curtas de calor. O resultado são vinhos brancos e tintos de acidez vibrante e frescor notável, que despertam a curiosidade de sommeliers e consumidores em busca de rótulos “fora da caixa”.
Seguindo para a América do Sul, a província de Salta, na Argentina, abriga alguns dos vinhedos mais altos do mundo, a mais de 2.000 metros de altitude no Valles Calchaquíes. No icônico projeto da Bodega Colomé, por exemplo, a vinha chega a superar 3.000 metros acima do nível do mar. Essa combinação de noites frias, ar rarefeito e incidência solar intensa concentra sabores e aromas, resultando em tintos de grande estrutura – como o Malbec – e brancos aromáticos e cativantes, como o Torrontés.

A cerca de mil quilômetros ao sul, no Vale do Elqui, no Chile, o desafio é outro: um clima quase desértico, com chuvas escassas e altíssima exposição solar. Vinícolas como a Viña Falernia desenvolvem técnicas de irrigação cuidadosamente controladas para garantir o suprimento de água, ao mesmo tempo em que a forte radiação dá origem a uvas de grande concentração, resultando em vinhos de perfil potente, com boa acidez natural.
Por fim, o Brasil também se destaca nesse panorama de climas extremos com o Vale do São Francisco, no sertão nordestino. A pouca precipitação e as altas temperaturas são compensadas pela irrigação controlada e pelo uso de clones de uvas mais resistentes ao calor. Vinícolas como a Garziera e a Miolo vêm despontando na produção de vinhos de uvas viníferas na região, apresentando resultados promissores, mesmo em condições tão desafiadoras.
No entanto, cabe questionar se essas condições extremas irão persistir. O historiador Geoffrey Blainey, em Uma Breve História do Mundo, recorda que entre 1000 e 1250 houve um período de calor que permitiu vinhedos na Inglaterra e cultivo de grãos na Groenlândia. Quando as temperaturas caíram no século XIII, essas plantações desapareceram e, em 1410, os últimos colonos da Groenlândia abandonaram a região. A história do clima mostra o quanto ele pode ser desafiador para a humanidade, mas também revela como, em cada mudança, surgem novas oportunidades de adaptação e inovação no apaixonante universo do vinho.
PAULA PORCI
Consultora, palestrante e colunista de bebidas
Juíza de vinhos Sommelière de vinhos ABS-SP e AIS-FR
Fundadora da Confraria das Granjeiras