Anita nasceu em São Paulo, em 2 de dezembro de 1889. Cresceu com uma atrofia no braço e na mão direita. Em razão disso, aos 3 anos de idade foi levada à Itália para tentar corrigir a malformação congênita por meio de uma cirurgia. Os resultados não foram animadores, e ela teve de conviver com sua deficiência e aprender a fazer tudo com sua mão esquerda.
Aprendeu a pintar bem jovem, com a mãe, mas foi mesmo aos 20 anos, quando se mudou para a Europa e foi estudar na Academia Imperial de Belas Artes de Berlim, que passou a ser influenciada por correntes artísticas e técnicas até então desconhecidas. A Alemanha vivia a efervescência do expressionismo, e foi esse o primeiro ambiente com o qual Anita teve contato. Voltou ao Brasil em 1914, mas acabou indo para os Estados Unidos em seguida, onde morou por dois anos e estudou na Art Students League.
Em 1917, de volta ao Brasil com muitas telas prontas, realizou mais uma exposição individual. As 53 telas expressionistas expostas causaram impacto para os padrões de arte da época. Às obras foram incorporados procedimentos básicos da arte moderna, como a relação dinâmica e tensa entre a figura e o fundo da tela, a pincelada livre que valoriza os detalhes e os tons fortes, uma técnica que foge da iluminação tradicional e uma liberdade de composição. A exposição causou furor entre conservadores, e Monteiro Lobato, crítico de arte na época, escreveu um texto para o jornal O Estado de São Paulo criticando a jovem artista. No texto, intitulado Paranoia ou Mistificação?, Lobato dizia que Anita se deixara influenciar por Picasso e sua turma. Após as manifestações do escritor, as telas que foram compradas na exposição foram devolvidas e vários outros jornais começaram a atacar Anita. No entanto, ela teve amigos que a defenderam, como Oswald de Andrade, Mario de Andrade, Menotti Del Picchia, entre outros. Este evento serviu de estopim para o Movimento Modernista no Brasil. Anita ficou tão abalada com as duras críticas que voltou a pintar somente um ano depois da polêmica. Em 1922, participou da Semana de Arte Moderna com 22 obras. No ano seguinte foi para Paris, onde ficou por cinco anos estudando e produzindo. Nesse período, realizou exposições em Berlim, Paris e Nova York. Em 1928, retornou para São Paulo e passou a lecionar desenho na Universidade Mackenzie, onde permaneceu até 1933. Em 1942 foi nomeada presidente do Sindicato dos Artistas Plásticos de São Paulo. Após a morte de sua mãe, na década de 1940, Anita foi para sua chácara em Diadema, onde morou até o fim da vida, em 6 de novembro de 1964, aos 75 anos de idade.
Hoje, os quadros de Anita têm destaque nos principais museus brasileiros.
A Estudante Russa foi pintada nos Estados Unidos, ainda na primeira escola que Anita frequentou. Esta tela participou das mais importantes exposições da artista, entre elas a Mostra de 1917 e a Semana de 22. Mario de Andrade, que a comprou em 1935, considerava esta a melhor pintura dela. “A nobre artista soube fazer não um retrato indiferente de mulher desconhecida, mas uma comovida expressão de raça, a violenta cantiga dessa pátria – tumulto, orgulho e dor, erro e crença, beleza e crime que é a Rússia; é, sem dúvida, uma grande criadora”, escreveu Andrade. Muitos acreditam que a obra, na verdade, seja um autorretrato, pois evidencia a mão direita escondida, como ela sempre fazia.
Esta tela é considerada uma obra de transição entre os trabalhos com influência do alemão Lovis Corinth e produções posteriores que Anita pintou na Independent School de Boss, pois não apresenta as distorções que caracterizariam seus últimos retratos feitos nos EUA. É também uma das raras obras de Anita com assinatura na parte superior da tela. Acredita-se que a pintora tenha feito esta obra em cima de outra por causa de vestígios de pinceladas visíveis ao fundo. Esta é uma prática muito comum entre artistas.
Neste retrato, Anita abusa de cores vivas, entre tons azuis, amarelos e verdes que se entrelaçam, em pinceladas livres e rápidas, criando formas e dando uma luminosidade intensa ao retrato. Esta intensidade é contrastante com a aplicação leve de tintas na tela, uma técnica que usou em muitos quadros nessa época, mas que, posteriormente, foi substituída por uma aplicação generosa, quase exagerada, de tintas.
Cem anos se passaram desde que a exposição de arte moderna de Anita Malfatti alterou os rumos da história da arte no Brasil, por ser a primeira mostra moderna realizada no país, cuja cena artística era exclusivamente acadêmica. O legado de Malfatti como artista, pioneira e inspiradora da Semana de Arte Moderna de 1922, cuja atualidade se prolongou tanto no radicalismo quanto na ousadia. Anita foi uma artista ímpar, sintonizada com seu tempo e com diferentes aspectos de um modernismo que ajudou a construir.
Vamos Observar
A Estudante Russa, 1915
76 x 61 cm
Óleo sobre tela
Acervo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo
Por Milenna Saraiva, artista plástica e galerista, formada pelo Santa Monica College, em Los Angeles