Esse foi o terceiro ano que tiramos férias em setembro para fazer uma cicloviagem em duas amigas. A Célia mora na Europa, eu a encontro lá para fazermos os roteiros mais diversos, só nós ,as bikes e nossas malinhas na garupa.
Dessa vez, em 2024 decidimos fazer um roteiro bem completo por Portugal, incluindo o Caminho de Santiago ida e volta saindo do Porto.
Foram 17 dias, 15 deles pedalando o total de1100km .O dia da chegada foi para organizar nossas coisas e retirar as bikes, que dessa vez alugamos na Europcar.
No dia seguinte relaxamos fazendo um Cruzeiro pelo Rio Douro, enquanto eu me adaptava ao fuso horário e me recuperava da longa viagem aérea. Depois disso foi uma programação intensa saindo do Porto pelo Caminho Central Português, cruzando varias vilas medievais maravilhosas. Dormimos em Barcelos, Valença do Minho, onde fica a fronteira de Portugal com a Espanha, e em Pontevedra até chegar em Santiago, somando 261km em 4 dias, o que para nós é uma média tranquila de fazer.
O Caminho é bem emocionante de se fazer, cruzando peregrinos de várias localidades o dia inteiro. Nós os cumprimentávamos , nos divertíamos vendo grupos enormes caminhando, grupos menores e vários peregrinos solitários pensando na vida, cada um com suas questões. Ao mesmo tempo tínhamos pena de ver vários sofrendo com os pés, alguns sentados na beira da estrada tirando calçados e meias para dar uma aliviada.
A chegada à Catedral de Santiago foi o ponto marcante da viagem! Eu já estive lá antes, mas de carro. É incomparável à sensação de estar ali após cumprir uma meta que levou 4 dias de muito esforço debaixo de sol, subida de serra, estrada de pedregulho e tantos outros obstáculos! Fiquei ali parada admirando a belíssima construção , a chegada dos inúmeros peregrinos, a energia boa no ar, a recompensa pelo esforço coletivo estava ali à nossa frente. Entramos, acendemos uma vela em homenagem à nossa família e amigos e seguimos em silêncio e observação de tamanha beleza . De lá retiramos nossos certificados de peregrinas, almoçamos, passeamos e fomos descansar, afinal no dia seguinte já começaria o retorno ao Porto pelo Caminho do Litoral!
Encurtamos um dia de viagem no regresso ao Porto , passamos a pedalar um pouco mais de 80km por dia em 3 dias, pois no início algumas cidades são as mesmas da ida. Dormimos em Caminha, que ainda é litorânea, e depois fizemos um roteiro próprio por todas as cidades que queríamos passar, na maioria as que não conhecíamos, outras quisemos retornar pois valiam a pena. Era engraçado esse retorno, encontrávamos os peregrinos na “contramão” indo para Santiago, enqelo, entramos para Braga, onde dormimos, passeamos em Guimaraes e de lá retornamos ao Porto.
Do Porto voltamos a percorrer o litoral, almoçamos em Espinho e dormimos em Aveiro, a Veneza Portuguesa com seus canais e gondolas.
Acordamos com chuva em Aveiro, o destino era Figueira da Foz com uma parada na Praia de Mira, após 30km de pedal. Encaramos o desafio, pedalando o primeiro trecho encharcadas. Paramos em uma padaria para nos abrigar do temporal, onde chegou um senhor com uma van. Olhamos uma para a outra, tipo “é esse mesmo”! Depois de um pouco de insistência e até uma certa imploração, o velhinho topou nos levar os 46 km que faltavam ate Figueira, onde choveu o resto do dia. Sorte que tínhamos programado uma tarde regenerativa na sauna, piscina e jacuzzi do hotel, afinal nem só de sofrimento é feita uma viagem né….
A manha seguinte em Figueira não foi nada diferente: chuva logo cedo! Nos preparamos psicologicamente e fomos assim mesmo até Coimbra, seria o dia de menor quilometragem, fizemos os 50 Km direto sem parada, vários trechos da estrada cheios de escorpiões, nunca vimos tantos juntos, esse dia foi uma aventura.
Em Coimbra deu uma estiada suficiente para almoçarmos e fazermos um pouco de turismo, mas a previsão seguia ruim até o dia seguinte, então mais do que prevenidas, compramos as passagens de trem até uma cidade próxima a Fátima, nosso próximo destino, nesse dia pedalamos somente 27 km.
De Fátima seguimos para Nazaré, onde almoçamos, e dormimos em Óbidos. E nesse ziguezague entre o litoral e o interior, fomos descendo até o destino final, que era Lisboa.
De Óbidos para Ericeira, que surpreendeu com sua beleza e desenvolvimento, é uma reserva mundial de surf, a única da Europa!
De Ericeira pegamos a ciclovia do litoral até Cascais, onde almoçamos na bela marina. De lá seguimos à beira mar até Lisboa, onde passeamos e entregamos as bikes.
Para as mulheres que tem vontade de fazer uma viagem como essa, saibam que todas nós somos capazes! Todos os países europeus pelos quais já pedalei foram muito receptivos com as bikes, os motoristas bastante cuidadosos , os hotéis sempre fazem de tudo para atender as nossas necessidades de espaço, carregamento das baterias e área segura para guardar. A sensação de fazer uma viagem dessa é sem igual, uma mistura de liberdade, prazer em descobrir o novo, superar desafios pessoais e finalmente o de cumprir a meta!
O que recomendo é ter algumas características necessárias para encarar o desafio: um bom preparo físico, não precisa ser uma mega atleta. Ser totalmente desapegada, pois irá sobreviver 15 dias com uma malinha que caiba na garupa, a não ser que contrate serviço de delivery das malas de um hotel para o outro, o que não foi o nosso caso. Ter um espírito desbravador para encarar os desafios previstos e os imprevistos, como subir uma serra a 36 graus, pedalar debaixo de chuva, almoçar no que tiver pelo caminho, de acordo com o tempo programado de pedal. Ser disciplinada com horários, pois uma bobeada e não chega ao destino final do dia, ou chega no escuro, o que não é o ideal. Além da disciplina com alimentação e álcool , pois comprometem bastante o rendimento.
Levamos câmaras reservas, kit de remendo de câmara e uma bomba para encher pneus. Em todos os locais que pedalei passamos por lojas de bike incríveis , onde fizemos manutenção dos freios , deram problema só dessa vez, e compramos algumas peças de roupa de ciclismo de alta qualidade por valores bem abaixo dos praticado aqui no Brasil. As bikes de locação costumam ser boas e resistentes, não são um item para se preocupar demais, basta levar um kit básico.
Para as que decidirem encarar, uma BOA VIAGEM!
Karina Reina Vianna é dentista, professora de implante,prótese e reabilitação oral e diretora da Associação Brasileira de Analgesia e Sedação. Nas horas vagas, pedala.