DJ prodígio, Rivkah vem conquistando o mundo da música

Nascida na Noruega, hoje ela tem 15 anos. Mas, aos 9, começou a sacar o pen drive em Brasília para tocar em festivais de música eletrônica estilo EDM. Então, empoleirada em uma cadeira, acabou animando 15 mil pessoas. E se tornou a DJ e produtora musical mais jovem do mundo. Aos 11, foi convidada para participar de um documentário francês (tem cidadania francesa por parte de pai) sobre crianças prodígio. Só fez evoluir, mas aí veio a pandemia e, com a paralização dos shows, enfrentou ansiedade e depressão, estudou filosofia e meditação, se reinventou e começou a palestrar sobre criatividade. Com o mundo mais ou menos de volta ao normal, no ano passado, tocou no Rock in Rio em Lisboa e lançou o primeiro livro, O Infinito Eu. E, agora, busca uma gravadora das grandes para atingir o mercado internacional comme il faut (apropriadamente, em francês). E, apesar de tudo ou por conta disto, ela se parece com a jovial e adorável atriz de Émily in Paris (Lily Jane Collins), sempre disposta a transformar o mundo para melhor. É vegana e ativista da causa animal (inclusive, é uma das razões por morar na Granja) e do meio ambiente, além de  uma das maiores palestrantes do Brasil (foi a 8ª palestra mais contratada de 2022 para congressos de tecnologia, metaverso, educação e geração Z). Seu nome é Rivkah.

Na Noruega, onde nasceu.

Onde tudo começou?
Eu nasci na Noruega. Meus pais estavam lá a trabalho. Era para ficarem dois anos e acabaram ficando oito. Meu pai é de família francesa, minha mãe brasileira. Eles não
são da área musical, mas eu sempre tive uma ligação muito forte. Sabe que eu quase
nasci em um festival de música eletrônica? Minha mãe estava de seis meses e eles foram ao festival na Alemanha. Ela sentiu algo estranho, quando voltou para a Noruega foram dois meses de internação no hospital de Ålesund, cidade onde nasci no oitavo mês de gestação, em 24 de setembro de 2007. Sou libriana, mas pouco ligada em astrologia. Vivi lá até os seis anos de idade.

”Quando eu era criança, eu sonhava em
ser DJ!”, escreveu Rivkah nas redes sociais.

Sempre teve vontade de ser DJ?
Desde pequena. Com 2 anos, tinha videogame de DJ (o DJ Hero do Xbox) e eu já brincava, imagina. Eu via vídeo no Youtube com uns 4 anos. Quando ganhei meu primeiro celular, com 5, lotava o aparelho de música eletrônica. Eu ainda estava morando na Noruega e já começamos a procurar cursos de DJ.

Qual sua primeira memória de infância?
[Ela para e pensa] É uma história ainda na creche. Eu tinha uns três anos, era Halloween e mostraram o vídeo de Thriller, do Michael Jackson. Todo mundo ficou com muito medo, mas gostei. Eu me apaixonei pelo moço de jaqueta vermelha. Tinha pôster em tamanho natural no quarto e tudo. Foi o primeiro artista que não era da música eletrônica que fiquei fã. Na época, ele já estava morto [Jackson morreu em 2009]. Ele me influencia até hoje. Assisti This is It, a última turnê dele, e analisava como ele era perfeccionista e se envolvia
em todas etapas da música, como era detalhista e tinha muita sensibilidade musical.

Quando voltaram para o Brasil?
Com seis anos, fomos para o Rio, pois minha mãe é carioca e, naquela época, já estava separada de meu pai. Era 2013 e a cidade estava aquele caos, com muitos protestos. Ficamos um período curto, de adaptação, no qual melhorei meu português. Fui criada solta na Noruega, onde morávamos numa cidadezinha pequena, era tudo muito seguro. Foi bem difícil.

Depois, vocês se mudaram para Brasília?
Sim, ficamos oito anos por lá. Chegamos em janeiro e estudei em uma escola onde cheguei a sofrer bullying. Sempre fui mais descolada e tinha cabelo colorido, piercing, português meio ruim, misturava sotaques. Quando chegou setembro, fui para uma escola francesa. Tinha alunos de 47 nacionalidades, até da Noruega, crianças que comiam com a mão. Essa diversidade foi muito importante para meu crescimento.

Rivkah e o Dj Sony, seu padrinho.

Foi nesta época que começou a tocar?
Sim, mas nenhum curso me aceitava, porque era muito nova. Eu via aulas no Youtube, fazia cursos online. Foi lá que conheci um profissional, o DJ Sony, que se tornou meu mentor. Ele foi excepcional na minha vida. Tudo começou no evento Na Praia, em Brasília. É um festival bem familiar, com vários palcos, e dura alguns meses aos finais de semana. Na primeira vez que ele me viu tocando, eu tinha nove anos. Ele disse “sobe aí”. Eu estava com pen drive e fui tocar. A primeira música foi Billy Jean, do Michael (Jackson), uma versão eletrônica. Eu estava nervosa. Tinha zero experiência. Ele me disse: “Você não toca nada. Você tem muito a aprender”.

No @tevejonapraia 2018

Assim, começou a praticar?
Sim, todo final de semana eu ia lá. Quando comecei a tocar, juntou muita gente curiosa. E ele ensinando, dando toques. Eu era tão baixinha que tinha de subir em cima de uma cadeira. Até que um dos donos do festival me viu e começou a me chamar. Eu tocava no coreto, às quintas, e comecei a ficar conhecida em Brasília. No dia do encerramento, toquei no palco principal para 15 mil pessoas.

Deve ter sido um marco na sua vida!
Sim, aí começou o contato com a mídia, ganhei um monte de seguidor no Instagram. Passei também a ser chamada para matérias, reportagens. Com 10 anos, lancei minha primeira música e me tornei a mais jovem produtora musical do mundo na época. Foi quando fui convidada para ir ao Fábio Porchat. Com uma atriz e um cantor jovem, contamos um pouco da nossa carreira.

E decolou também no exterior?
Sim, aos 11 fui eleita uma das 30 crianças prodígio do mundo pela TV5 francesa, quando participei do documentário Enfants Prodiges, que narrava a história destas crianças pelo mundo. Isto me alavancou mundialmente. Muitas pessoas de fora começaram a me conhecer. Nesta ida para este programa, toquei na Europa, em Amsterdã e lá tenho um público até hoje grande. A música eletrônica é muito forte lá fora.

Em 2019, participou do “La France a un incroyable talent”, um dos maiores reality-show de competição de calouros do mundo. A franquia pertence ao America’s Got Talent, sucesso de audiência nos Estados Unidos.
Com o DJ Alok

Sua mãe não se assustou com a dimensão?
Ela sempre me apoiou, apesar de não entender nada de música, mas buscou aprender para me ajudar.

E criança pode trabalhar? Não teve nenhum problema?
Nas primeiras apresentações, eu não ganhava nada. Ainda assim, em Brasília, o Ministério do Trabalho disse que era trabalho. Então, tive de tirar alvará que permite exercer atividade profissional de DJ, inclusive ganhar renda.

Aí chegou 2020 e, com ele, o Covid-19.
Fiz 13 anos na pandemia. Tudo parou, todos shows. Em Brasília, o lockdown foi radical. Era para ser inicialmente 5 dias sem aula, que viraram dois anos. Ainda bem que morava em casa. Foi muito difícil, eu desenvolvi ansiedade e depressão, sobretudo por não fazer o que eu mais gostava. Para superar, fiz cursos online, muitos cursos. Estudei muito. Eu comecei a aprender mais sobre filosofia – comecei pelo estoicismo, hoje mais existencialismo. Eu gosto muito de Kierkegaard (filósofo, teólogo, poeta e crítico social dinamarquês, amplamente considerado o primeiro filósofo existencialista) e Nietzsche (filósofo, filólogo, crítico cultural, poeta e compositor prussiano do século XIX, nascido na Alemanha), porque me identifico com suas reflexões. Comecei a me interessar por espiritualidade e meditação. Inicialmente, fazia meditação guiada por lives no Instagram, foi talvez o que mais me ajudou com ansiedade. Me ajudou a entender mais a conexão com os outros assuntos. Até hoje me ajuda muito.

Foi neste momento que começou a dar palestras?
Sim. Com a pandemia, as palestras explodiram. Comecei a ser chamada em eventos corporativos para finalizar conferências. Pediam para eu tocar, contar minha história e falar como é meu processo criativo. Vi que podia impactar as pessoas por meio da educação e da música, do entretenimento, que dão muito certo juntos. Hoje, tenho palestras para diferentes públicos.

Rivkah, Bianca Andrade (Boca Rosa) e Walter Longo fizeram um painel juntos com o tema “Não há idade para empreender”, durante a Feira do Empreendedor 2022, do Sebrae-SP.
Tocando no Festival Universo Spanta 2023, no Rio de Janeiro

Teve uma volta para o Rio, não teve?
Sim, moramos 8 meses no Rio quando eu tinha 14 anos. Bom, a verdade é que eu não tinha muita oportunidade na área da música eletrônica. Lá, reinam o funk e pagode. No Brasil, o melhor lugar para minha carreira é em São Paulo. Mas foi um período importante, porque lá comecei a fazer homeschooling (educação domiciliar ou ensino doméstico).

Por que decidiu estudar em casa?
Já tinha este desejo antes. Até porque no Rio a escola francesa era o dia inteiro, das 7h às 18h. E eu queria uma escola que se encaixasse mais com meu jeito de pensar e meus horários. E a gente morava na Barra, a escola fica no Cosme Velho, levava umas três horas para voltar.

E está gostando?
Muito. A gente rodou o mundo tentando achar homeschooling. A que faço incentiva a autonomia nos alunos, busca desenvolver aquilo que ele gosta. Cada pessoa tem um repertório único e, na escola normal, a ideia é que todo mundo chegue na mesma resposta. Este tipo de escola enfatiza este melhor de cada um. Tem muitos alunos atletas ou que seguem algum tipo de profissão. Não tem provas convencionais. O ensino é por projetos de pesquisa e, quando completa, compartilha com os outros alunos. E a melhor forma de aprender, para mim, é ensinando para os outros. Há momentos síncronos, então tem dias que posso participar e fazer todo o estudo de 4 horas com todo mundo. E é tudo em inglês. Mas tem muitos alunos que falam outras línguas. Não tem separação por turma ou por idade. Na hora de se encontrar e debater, é criativo porque tem diferentes pensamentos. Na prática, é muito do que eu acredito. Encontrei o lugar perfeito para mim.

Como chegaram à Granja Viana?
Chegamos no dia 25 de março de 2022. Escolhemos a Granja por conta da natureza e dos cachorros. Minha mãe é tutora de 19 resgatados em Brasília. Gosto de cachorro, mas não como ela [risos]. A minha favorita é a Querida, uma vira-lata gordinha, com orelhas grandes. É muito fofa. Minha mãe a resgatou no meio da rua, estava bem machucada. É a paixão da vida dela. Desde pequena, tinha a vontade de ser veterinária. Acabou com um monte de cachorros.

E por que escolheram aqui?
Desde que nasci, na Noruega, sempre morei em casa e tive muito contato com a natureza. Em Brasília e no Rio de Janeiro, também. Quando pensamos em mudar para São Paulo, começamos a procurar um lugar exatamente assim, com natureza e segurança. Achamos a Granja e passou a ser nosso lugar dos sonhos. É um lugar perfeito! Tem tudo pertinho, é seguro, temos contato com várias espécies de animais silvestres no nosso jardim. É muito tranquilo também para meus cães que são vítimas de maus tratos e precisam se sentir seguros. Eu amo a Granja! Só saio daqui se tiver que mudar de país!

Como é seu cotidiano?
Estou numa fase boa. A maior parte dos meus dias estudo piano, baixo, violino e produzo minhas músicas autorais. Tenho cinco ainda não lançadas. Eu faço as músicas produzindo do zero, pode chegar a 100 elementos.

Rivkah foi a artista mais jovem da história a tocar no Rock in Rio Lisboa.

Você é vegana, não é?
Sim, faz 4 anos. Virei depois de ver vídeos por acaso no Instagram do Peta, uma grande instituição vegana dos EUA. Nunca tinha parado para pensar como era uma fábrica de leite e de ovo. Saí do quarto chorando e disse “mãe, vamos nos tornar veganas”. O curioso é que, antes, eu tinha uma alimentação super ruim e não comia vegetais. Minha mãe assustou e achou que eu ia morrer de fome. A determinação foi tanta que passei a comer qualquer coisa que não fosse bicho. Eu me adaptei e é incrível como o paladar muda. Senti enorme melhora na saúde e na energia. Foi um impacto positivo. Além da causa animal em si, tem a questão ambiental, da sustentabilidade. Noventa por cento do desmatamento da Amazônia, hoje, é causado por produção de carne.

É difícil lidar com os comentários das redes sociais?
Eu nunca sofri de desencorajamento, só incentivo ao meu trabalho e coisas positivas. No geral, toda mensagem de incentivo me move bastante, vejo pessoas gostando e elogiando. Compartilhar meu trabalho é bom. Confirma que estou no caminho certo.

Agora, você está com 15 anos. Quais seus desafios?
O meio da música é difícil. Passei por situações de preconceito, pois o mercado é dominado por homens, apenas 20% das DJs são mulheres. E elas têm reconhecimento menor. A DJ Mag [revista britânica mensal dedicada à música eletrônica fundada em 1991] ranqueia, todo ano, por votação os maiores DJs e nunca teve uma mulher que chegou no top 5. Só homens. Pode ser que tenha menos mulheres, então é natural, mas também acaba sendo mais difícil para nós. Além disto, por ser jovem, sempre duvidaram que eu realmente tocava. Já chegaram a trocar cabos para saber se era eu mesma tocando, quase sabotagem. Em junho do ano passado, estive no Rock in Rio em Lisboa. Foi uma experiência maravilhosa.

E seus sonhos?
Eu estou com vontade de lançar por uma gravadora grande, mais por uma questão global. Tenho muitas músicas. Eu sou da geração Z. E hoje o público que mais consome música são os jovens. Os hits mais tocados no Tik Tok e nas redes sociais são criados por eles. Sendo jovem e uma consumidora, tenho uma visão clara de tendências, de conteúdo, do que dá e não dá certo. Até tenho vontade de fazer faculdade de música, mas não sei se vale a pena. Tenho bom conhecimento de teoria musical, produção eu já sei. Talvez para conhecer músicos novos, algo neste sentido. Valeria mais a pena algum curso específico.

Amigos e amores?
Tenho muitos amigos palestrantes, músicos, compositores, a maioria são profissionais que conheci em trabalho. Gostamos de filosofar e debater livros. Minha melhor amiga, da minha idade, mora no Rio e é de Brasília. Não tenho opinião formada sobre relacionamentos, sou muito nova. No futuro é que terei tempo e foco para pensar nisto. Tenho a cabeça conservadora para isto.

Como se vê daqui a 10 anos?
Tocando no mundo todo. Não só como DJ, mas sendo um exemplo para jovens. Os artistas têm uma responsabilidade muito grande e tenho este propósito de ser uma boa influência, passar mensagens importantes e quem sabe mudar a cabeça de algumas pessoas. Me vejo musicista, talvez morando fora e tendo um santuário para animais. É um sonho. Por semana, já gastamos 60 kg de ração.

Em 2022, você também lançou seu primeiro livro, O infinito eu. O subtítulo é 18 hábitos para explorar seu potencial. Qual o principal para você?
É difícil, acho que eles se completam muito. Mas elejo “aprenda a aprender”. O tempo todo. É preciso estar aberto a aprender com tudo. Um repertório amplo e curiosidade são fundamentais. O principal é se abrir para aprender da melhor forma o tempo todo. As crianças de hoje ficam muito nas redes sociais e brincam menos. Não é nada bom.

Autora do livro “O Infinito Eu, 18 hábitos para explorar seu potencial”

E, cá entre nós, o que significa Rivkah?
É meu nome em hebraico, significa Rebecca em português. Aí acabei usando o nome em situações de artística, eu até gosto mais.

Por Monica Martinez

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