Granjeiros viajam por uma Índia “intacta”

A família granjeira Porto passou um mês de férias pelo sul da Índia. Confira como foi esta viagem incrível em um texto super bem retratado, cultural e sensivelmente, por Luís Guilherme Porto, com fotos de Renata Rivera Porto.

Estamos em Tamil Nadu, no sul da Índia, um dos Estados mais orgulhosos da sua cultura local, por ter se mantido intacta no decorrer dos últimos milênios.

Ao contrário do Norte, que foi invadido e ocupado durante séculos, principalmente por diferentes impérios muçulmanos, o sSul da Índia, em razão de sua localização geográfica, protegido por dois oceanos, e da resistência de seus governantes, permaneceu praticamente ileso de influências externas até a chegada dos britânicos.

Enquanto os moradores do Norte têm origem Indo-Ariana, os habitantes do Sul são dravidianos, cuja linhagem remonta aos habitantes aborígenes da planície gangetica. Reparem como eles são mais escuros!!

Além disso, falam Tamil, ao invés de Hindi, esse último originário do sânscrito. Ao contrário de quase todas as línguas do mundo, que foram se perdendo ao longo do tempo, o Tamil é falado ininterruptamente há mais de 2000 anos. Seria como, se na Itália, ainda falassem latim!

Passamos os dois primeiros dias em Chennai (antiga Madras), capital do Estado de Tamil Nadu.

Depois, fomos a Mahabalipuram, onde fomos surpreendidos e engolidos por uma multidão de peregrinos indo se purificar em uma praia próxima a um templo.

Mas não se enganem: a Índia é MUITO difícil, mas vale a pena por proporcionar espetáculos como o que assistimos à beira-mar. E a Índia é ainda mais Índia, aqui no sul.

Os templos por aqui não são locais de oração. São organismos vivos idealizados para servir a necessidade humana de transpor suas barreiras físicas, intelectuais e emocionais. Locais de aprendizado, socialização e principalmente energização. Por essa razão, há muita ciência envolvida na construção e funcionamento dos templos indianos

Visitamos “templos” do século VII que não estão mais ativos e que somente possuem valor histórico, arquitetônico etc, mas não espiritual. Nem por isso deixam de ser verdadeiros tesouros da humanidade.

Bienvenue a India!!

Em Pondicherry, cidade indiana que foi um assentamento francês até 1954, ficamos hospedados no French Quarter, um bairro de mansões coloniais, boutiques, patisseries, bistrôs, igrejas e árvores frondosas. Um bairro de estilo europeu, mas com uma alma indiana, o que torna o lugar absolutamente único.

E um ashram de um guru de nome Aurobindo que também foi um ativista pela independência indiana e que veio morar em Pondicherry para escapar da prisão pelo Império Britânico já que aqui a lei francesa é que era aplicada.

Sim, almoçamos em um bistrô maravilhoso que fica em uma antiga mansão colonial. A culinária é uma fusão de França e Índia. Incrível!

Ainda em Pondicherry, fomos visitar Auroville, “cidade” fundada em 1968, pela francesa Mirra Alfassa, conhecida como “Mother”, discípula do guru Aurobindo. O objetivo de Auroville é acolher pessoas de todas as nacionalidades, religiões, raças etc,que queiram viver sob os princípios da Ioga: uma comunidade baseada na paz, harmonia e sustentabilidade.

Essa esfera é a Matrimandir, que fica no coração de Auroville, centro de meditação concebido pela Mother, feito sob medida para que as pessoas possam se diluir e se fundir com a consciência universal.

Mas o verdadeiro tesouro de uma viagem à Índia não são seus pontos turísticos, mas o que ocorre no caminho entre um atrativo e outro.

Em Pondicherry, a guarda da cidade usa até hoje o quepe vermelho da gendarmerie francesa.
A FOTO da viagem!! Eles pediram para tirar uma selfie com a Sofia. Ela aproveitou e tirou uma também!

O país mais maluco e fotogênico do mundo!!

Chegamos em Thanjavur, capital do Império Chola entre os séculos IX e XII, uma das dinastias mais importantes da história da humanidade.

Visitamos o templo Brihadeeswarar, construído por Raja Raja Chola, fundador da dinastia Chola.

O filho dele, chamado Rajendra Chola, expandiu o Império Chola para o Sri Lanka, Malásia, Singapura, Indonésia, Camboja, etc. Na Índia, ele conquistou diversos territórios do Norte até chegar ao Rio Ganges. De lá, trouxe uma amostra do Ganges e a utilizou para fundar a cidade de Gangaikondacholapuram, onde construiu um templo similar ao de seu pai.

No caminho de Pondicherry para Thanjavur, cruzamos com diversos Ambassador, conhecido como “King of the Indian Roads”, construído entre 1956 e 2014 pela Hindustan Motors.

Repita comigo: Ranganathaswamy temple at Tiruchirappali.

Os Chettiars são uma comunidade de comerciantes. Ficaram riquíssimos emprestando dinheiro, inclusive para os reis indianos e para a East Indian Company britânica.

Visitamos Chettinad, o lugar onde os Chettiars se estabeleceram e no qual construíram enormes mansões.

Há muitos anos, a cidade e as mansões estão abandonadas, pois eles se mudaram para o Sudeste Asiático e outras cidades da Índia. Mistura de opulência e abandono dão um caráter especial ao lugar.

O jeito carinhoso e meigo que essa menina pediu para tirar essa foto da Sofia me emocionou demais. A mesma humanidade expressa no sorriso de ambas. Obrigado Índia!!

Nada de cruz, coroa de espinhos. A própria ideia de pecado é completamente estranha ao Hinduísmo.

No Estado de Tamil Nadu, na frente de praticamente todas as casas, você encontrará um KOLAM. São desenhos feitos pelas mulheres na frente das casas como um sinal de que todas as pessoas são ali bem-vindas. Em tese, esses desenhos são apagados e refeitos todas as manhãs antes do sol nascer.

Partimos para Madurai, “soul capital of Tamil Nadu”. Visitamos o Meenakshi Temple, o mais importante do hinduísmo, cujas origens primeiras remontam há mais de 2500 anos.

Aliás, Madurai está na lista das cidades que é habitada continuamente há mais tempo na história da humanidade.

Saímos de Tamil Nadu, o mais RAIZ dos estados indianos. Seus templos milenares não foram destruídos por forças estrangeiras já que praticamente nunca foi invadido.

A maioria estrondosa dos turistas visita o Norte da Índia, onde estão os maiores atrativos turísticos: o Taj Mahal, os fortes de Délhi e Agra (todas essas construções são muçulmanas, veja bem!) e os palácios dos Marajas no Rajastão. Mas para conhecer a espiritualidade indiana o lugar é Tamil Nadu.

Por lá, muito difícil você ver alguém em trajes ocidentais. Todo mundo se veste com roupas locais, uma mais diferente e colorida que a outra.

Por outro lado, o caos impera: trânsito, barulho, lixo, cheiro de urina, vacas pela rua, etc. Calçadas? Não existem! Todo mundo anda pela rua.

Chegamos em Kerala, o mais desenvolvido da Índia, conhecido pelas especiarias, natureza exuberante e espírito laid back.

Passamos o dia curtindo um hotel delicioso que fica às margens do lago Venbamadam, nas backwaters de Kerala.

Nalukettus é o nome das casas típicas de Kerala, de formato retangular e feitas de madeira (teka). Diversas dessas casas, que estavam em ruínas, foram restauradas e reconstruídas no hotel. Nosso quarto ficava em uma delas.

Vários edifícios históricos (alguns com mais de 200 anos) compõem o hotel, que só é acessível por barco

Essa é a recepção do hotel:

No final do dia, fizemos um sunset cruise para assistir o pôr do sol no meio do lago Venbanad.

This is KERALA!

Ainda hoje (e muito mais no passado), o leite fornecido pela vaca constitui a principal fonte de alimento de uma família. Passando pelos vilarejos de Tamil Nadu, vimos como a vaca é uma presença constante nas casas. Tá aí a razão de a vaca ser sagrada para o indiano. Comê-la se equipararia a comer a própria mãe. Ademais, para a filosofia hindu não é bom digerir seres com alto grau de consciência e emoção. Ao digeri-los, incorporamos seus pensamentos, emoções e karma. Por isso, se é para comer carne animal, melhor que seja de peixe, de galinha e, em último caso, de vaca.

Falando em comida, depois de uma semana de precaução, mergulhamos de cabeça na comida indiana, que passou a ser um dos destaques da viagem. Tão colorida quanto as roupas das pessoas e com um sabor que não existe em nenhum outro lugar do mundo, em razão da mistura das especiarias.

E que tal descer do barco para comprar, no mercado de peixes de um vilarejo Giant, Tiger Prawns e caranguejo para depôs comê-los fresquinhos no jantar?

Quando eu digo que fui passar férias na Índia, a primeira pergunta que me fazem é: como você fez para lidar com a pobreza de lá? Para essas pessoas, respondo: “não tive que lidar com ela, são os pobres da Índia que tem de fazê-lo”.

Estamos, agora, na fantástica cidade portuária de Cochin, desde sempre a porta de entrada da Índia para os mais diversos povos: europeus, árabes, chineses, etc.

Foi nessa região que as caravelas portuguesas desembarcaram pela primeira vez na Índia. Vasco da Gama viveu e morreu em Cochin. Antes de seus restos mortais terem sido transferidos para o Mosteiro dos Jerônimos em Lisboa, foi enterrado na Igreja de São Francisco, a primeira a ser construída em território indiano

Também se estabeleceu em Cochin, uma comunidade de judeus sefarditas (da Península Ibérica) fugidos da perseguição dos Reis de Castela e Aragão no século XVI.

Já visitamos vários bairros judeus ao redor do mundo (inclusive os de Praga e Cracovia, mundialmente famosos), mas o de Cochin é, por incrível que pareça, o mais preservado por não ter sofrido os danos da Segunda Guerra Mundial.

A sinagoga do início do século XVI é simplesmente maravilhosa e está preservadíssima (uma exceção). Hoje, há somente dois judeus morando em Cochin. Faz 50 anos que o último casamento foi celebrado nessa sinagoga.

Incredible Índia!

Chegamos a terceira parte da nossa viagem, a última e mais curta da nossa aventura na Índia.

Na primeira, visitamos Tamil Nadu, uma bomba atômica de “Indianismo”, sítio de templos milenares, o Estado mais “Hindu” do país. Na segunda, visitamos Kerala, uma “Ilhabela” Indiana, Estado com melhor índice de educação. Lá, curtimos principalmente a natureza indiana. Também as cidades são bem transadas (hotéis, restaurante, cafés, livrarias, até galerias de arte). Bem longe da India roots da primeira semana.

Agora, estamos no Estado de Maharashtra, nossa porta de saída da Índia via Mumbai.

Aproveitamos para visitar as cavernas de Ajanta, patrimônio histórico da humanidade da Unesco. São cavernas budistas que foram “carved” a mão por monges durante mais de 200 anos (de 200bc a 600ac), quando o budismo foi a religião prevalente na Índia.

Assim como o Cristianismo nasceu  de uma reforma do Judaísmo, o Budismo surgiu como uma reação ao Brahmanismo e ao sistema de castas da religião hindu. No budismo, todos são iguais, não há hierarquia.

Todavia, apesar de ter sua origem na Índia, o budismo praticamente desapareceu do território indiano a partir do século VI. Poucas pessoas se declaram budistas no país

Mas aqui o interessante: muitos “dálits”, os chamados intocáveis, como os da foto, são budistas, como reação ao sistema de castas.

Mas oficialmente, todos se declaram hinduístas, pois como “dalits” lhe são garantidas cotas nas escolas, empregos públicos, etc.

Como sempre, além de super instrutivo, um passeio pelas atrações indianas, é sempre um show à parte, uma oportunidade para ótimas fotos. Mais uma vez, foi difícil caminhar com a Sofia sem pararem para pedir fotos.

De mim, só o colega ao lado quis tirar uma foto.

The ultimate adventure: andar de ônibus na Índia!!

Estamos em pleno século XXI, mas o carro de boi ainda é uma das figuras onipresentes da Índia!

Final stop: the legendary city of Mumbai. Do nosso quarto, temos uma vista gloriosa do Indian Gate.

Por Luís Guilherme Porto, que viajou ao lado da esposa Renata Rivera Porto (autora das fotos e vídeos) e da filha Sofia

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