Numa tarde quente de verão, Jerry estava reunido com sua esposa e sogros na cidadezinha de Coleman no Texas, EUA. Seu sogro, na tentativa de agradá-los, sugeriu um passeio à Abilene, cidade distante a cerca de 90 km. Após sua esposa demonstrar interesse pela ideia do pai, ele se viu obrigado a aceitar o passeio, desde que sua sogra também tivesse interesse. A sogra, para não contrariar aos demais, disse que tinha sim interesse em ir. Jerry pensou: “O quê? Ir a Abilene? 90 km? Com este calor e esta tempestade de poeira? Num Buick sem ar condicionado?”. Mas sua esposa encantou-se. “Grande ideia”, disse ela, “eu gostaria de ir”. E assim, entraram no carro e foram para Abilene. As previsões se confirmaram. O calor era brutal. Ficaram cobertos por uma fina camada de poeira que foi cimentada com a transpiração antes que conseguissem chegar. A comida da lanchonete proporcionou material de primeira para comerciais de antiácidos. Quatro horas e 180 km mais tarde, regressaram a casa, cozidos e exaustos. Sentaram em frente ao ar condicionado por um longo tempo em silêncio. Então, Jerry disse: “Grande passeio, não?”. Ninguém disse nada. Finalmente, a sogra disse, com certa irritação: “Bem, para falar a verdade, eu realmente não gostei e preferia ter ficado aqui. Eu apenas fui junto porque vocês três ficaram tão entusiasmados com a ideia… Eu não teria ido se todos vocês não tivessem me pressionado”. “O que é que a senhora quer dizer com todos vocês? Não me envolva nisso. Eu estava gostando muito do que estávamos fazendo. Eu não queria ir. Eu só fui para satisfazer vocês. Vocês foram os culpados”, disse Jerry, deixando a esposa chocada. “Eu não sou culpada coisa nenhuma. Você, papai e a mamãe é que queriam ir e eu só fui para não ser desmancha-prazeres. Eu teria que estar louca para querer sair num calor como aquele”. O sogro entrou na conversa: “Céus! Eu nunca quis ir para Abilene. Apenas imaginei que vocês poderiam estar entediados. Eu teria preferido continuar e comer aqui em casa mesmo”. Depois da explosão de recriminações, ficaram em silêncio. Lá estavam quatro pessoas que, por própria vontade, tinham acabado de realizar uma viagem, através de um deserto esquecido por Deus, sob uma temperatura infernal, através de uma tempestade de poeira, para comer uma comida péssima, numa lanchonete de segunda categoria em Abilene, quando nenhum deles realmente queria ter ido. De fato, haviam feito o oposto do que queriam fazer. Ou seja, um fracasso anunciado. Uma situação a qual todos acreditavam que não seria agradável, mas tiveram medo de contestar o que pensavam ser a vontade do grupo. Quem trabalha numa grande corporação, certamente já viveu essa experiência. Trata-se de um fenômeno que ocorre nas famílias, nas empresas, nas redes sociais, com a população em geral e nos governos. Quem fez esse enunciado foi Jerry B. Harvey, especialista em gestão e especialista em dinâmica de grupos e gestão organizacional. Ele detectou em uma situação corriqueira que acontece o tempo todo e pode levar empresas, famílias, e até uma nação, a resultados catastróficos, apenas pelo comodismo ou medo de discordar da maioria, de uma proposta na qual não concorda. Discordar do chefe, parentes, amigos, da mídia, da maioria e do imaginário coletivo, e defender e explanar suas vontades e ideias, é extremamente saudável, democrático e nos dias de hoje, um ato de coragem. Como diria Nelson Rodrigues, a unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar.
Por Marcos Sá, consultor de mídia impressa, com especialização em jornais, na Universidade de Stanford, Califórnia, EUA. Atualmente é diretor de Novos Negócios do Grupo RAC de Campinas