A cidade de Nova Iorque faz parte do estado de mesmo nome, cuja capital é a cidade de Albany. Nos Estados Unidos é normal que a capital não seja a maior cidade do estado. Nova Iorque fica à beira do mar e possui 8.398,748 habitantes (Censo de 2018), possui 5 regiões principais: Manhattan, a famosa ilha onde estão os prédios, as casas de shows, restaurantes e cenários de cartões postais; Queens; Brooklyn, a área do pessoal mais moderno; Bronx e a Staten Island.
A cidade fica na região nordeste dos Estados Unidos, é a cidade mais densamente povoada do país. Vamos lembrar que os Estados Unidos é um país continental, vai de costa a costa. Ser a cidade mais populosa deste país enorme significa concentrar muita gente por metro quadrado. Pelo censo de 2011, a cidade abriga 66.940 habitantes por quilômetro quadrado. Tentem imaginar todas essas pessoas morando em apartamentos que não são muito grandes. Geralmente, é uma sala integrada a um quarto integrado com um banheiro.
A cidade é muito rica, a sua renda é na casa dos trilhões de dólares. Há muita desigualdade social, mas não há favelas. A classe média é a maioria. Os mais ricos moram em apartamentos e casas maiores e os mais pobres moram em conjunto de prédios chamados “Projects”. Geralmente, são prédios construídos com um tijolinho marrom, onde há praça e serviços públicos perto e abrigam uma família em apartamentos com infraestrutura simples, mas digna, com alugueis de até USD 1.000,00, geralmente. O aluguel desse mesmo apartamento em um condomínio de classe média custará por volta de USD 4000,00 ou mais.
A cidade é o centro financeiro dos EUA. Aqui também é um centro mundial de cultura, finanças, economia, política. Morando aqui percebemos que muitas das decisões que são tomadas no mundo foram pensadas ou pelo menos rascunhadas na cidade. Por ser a metrópole que mais tem estrangeiros no planeta você poderá escutar residentes conversando em 800 línguas, sem contar os milhões de turistas que visitam a cidade todo ano. Por isso, tudo que acontece aqui é capaz de ser traduzido por moradores ou visitantes de Nova Iorque em todas as línguas do mundo. Da mesma forma que estou aqui fazendo este relato, há filipinos, chineses, russos, espanhóis, finlandeses, franceses e mais tantos outros nacionais contando as notícias e descobrimentos da cidade em tempo real para os seus familiares e amigos. Tudo que acontece em Nova Iorque chega a qualquer país do mundo na velocidade de uma ligação ou de uma mensagem. É a velocidade de um “ZAP”.
Aqui é muito comum o pessoal sofrer de FOMO, sigla para a expressão em inglês Fear of Missing Out. Traduzindo: medo de perder alguma coisa. Todos os dias da semana, a cidade tem shows de músicos importantes, teatros, palestras de todos os tipos e com muita gente interessante, também o melhor corpo de baile, óperas, chefs importantes. Tem de tudo, a toda hora. E é tanta coisa boa que você acaba escolhendo uma com o coração arrependido de não poder ir à outra. Por isso, ninguém fica tranquilo em casa. A rua está sempre chamando. Se você ficar em casa, você vai ser o único a perder algo incrível.
Acho que consegui mostrar como esta cidade é movimentada e todo mundo adora estar na rua, mas as coisas começaram a mudar.
Em janeiro deste ano, começamos a ouvir falar do Coronavirus, mas ainda era algo distante. Em fevereiro, as coisas foram mudando. As pessoas foram ficando mais atentas, mas continuavam saindo. No começo de março começaram as mudanças mais drásticas, pedindo às empresas que reduzissem a presença de seus funcionários, mas a doença continuava se espalhando. Depois do dia 15 de março, as faculdades e escolas fecharam. Todas as aulas passaram a ser à distância e o início de novos cursos foi adiado. Museus e casas de shows fecharam, fazendo a ressalva que não haviam baixado as portas nem no 11 de setembro, mas iriam fechar por conta do Coronavirus. Óperas, shows e apresentações musicais foram cancelados. As empresas começaram a mandar mais funcionários trabalharem pela internet, no que chamamos de home-office (teletrabalho). O pessoal ficava em casa, mas ainda saía para fazer exercício nos parques.
Aqui eles levam muito a sério a prática de esportes e a manutenção de um corpo saudável. Há as famosas comidas americanas, absurdamente calóricas, mas quando resolvem se cuidar obedecem sempre a uma rotina séria de dietas e de exercícios. Por conta do Coronavírus, as academias de rua e dos prédios fecharam logo no começo de março. Então, as pessoas foram para os parques e para as calçadas se exercitarem e muita gente se reunia nesses lugares para conversar ou mesmo ficar quietinho, só curtindo uma temperatura mais amena e o começo da primavera.
Mas, aí, na terceira semana de março, as coisas foram ficando cada vez mais sérias e todo mundo passou a evitar sair de casa.
Moramos em frente ao East River, um rio que era como o Tietê, todo poluído, mas que foi limpo no correr do século XX e hoje é navegável. Há parques em sua orla e também a “FDR Drive”, que é como um Minhocão que percorre o leste da ilha de Manhattan de ponta a ponta.
Sempre vemos o trânsito parado o dia todo na FDR, durante a semana. Agora não há mais. Em compensação, aumentou muito o número de pessoas correndo e indo aos parques.
Aqui não há proibição de sair à rua, mas você pode chamar a polícia se vir um grupo parado, conversando. A sociedade aqui é muito fiscalizadora. Se você começar a agir de uma forma que seja prejudicial à quarentena brigam com você onde você estiver e chamam a polícia.
Agora, a família e os amigos se veem por encontros virtuais, através de aplicativos. Todo mundo começou a pedir tudo entregue em casa – mercado, comida, farmácia, plantas.
As entregas iam bem até a segunda semana de março. Agora, é raro conseguir espaço para entregarem as compras e muitos restaurantes já não tem mais o delivery. Os mercados não têm mais entregas ou, se têm, cobram taxas absurdas, na casa dos USD 30,00 ou mais, além dos 20% de gorjeta que os entregadores esperam sempre.
Então, agora é muito comum ver pessoas indo a supermercados de bairro. Aqueles que costumavam ser mais vazios porque não faziam entregas, como as grandes redes fazem, começaram a receber mais e mais clientes. Contudo, eles controlam o número de pessoas que podem entrar na loja. Dependendo do tamanho, podem admitir somente cinco consumidores por vez. Os outros terão que ficar na fila, no lado de fora, a 1 metro de cada pessoa na sua frente. Agora é normal ver filas dobrando o quarteirão.
Todos se cumprimentam de longe.
É normal ver pessoas usando máscaras na rua. A prioridade é se proteger. A distância social de 6 pés é marcada nas filas de supermercado, nas travessias de ruas, nas farmácias e cada vez mais têm gente ficando muito em casa.
Em meados de março houve o fechamento de um perímetro no Condado de Westchester, circundando uma região com muitos casos e tentando conter a doença por lá. Essa cidade é vizinha de Nova Iorque. Não funcionou, a doença já estava se espalhando por toda a região.
Os primeiros casos na cidade de Nova Iorque foram registrados em 04 de março, uma senhora nos seus 80 anos e um homem nos seus 40. Eles não haviam viajado nos últimos tempos e não sabiam como contraíram a doença. Hoje, 14 de abril, praticamente um mês e 10 dias depois são 106.813 casos confirmados com 6.182 mortes. É muita gente!
Esse aumento absurdo da doença fez com que o Governador de Nova Iorque pedisse ajuda federal. Foram montados dois hospitais de campanha, um no Central Park e outro no Javits Center, um centro de convenções. E chegou à cidade o navio USNS Comfort, um navio hospital da marinha americana que só vai a lugares de extremo risco e de calamidade pública ou desastres ambientais. Como exemplo de zonas de guerra, estiveram na Guerra do Golfo, na Guerra do Iraque, no ataque de 11 de setembro, aqui na cidade e nos desastres ambientais visitaram o Haiti, na época do terremoto; o sul dos EUA na época do Sandy e de outros furacões.
Então, ver o navio passando aos pés da Estátua da Liberdade e atracando no píer 17 foi um choque aos Nova Iorquinos. Todos se lembraram do doído ataque às Torres Gêmeas. Foi como ouvir a cidade gritar pela manutenção da vida e pelo cuidado de cada um com a quarentena.
Desde a decretação da quarentena, fiquei 20 dias sem sair de casa. Quando as coisas acabaram, decidi com o meu esposo que eu ia sair e ir ao mercado. Eu queria respirar um pouco de ar e ver a floração das tulipas. Todo ano, a Holanda homenageia o passado holandês da cidade e planta canteiros inteiros de tulipas no Central Park e na Park Avenue durante o inverno, debaixo da neve. Todas flores nascem e desabrocham na primavera. Eu queria ver aquele espetáculo, que só acontece uma vez por ano.
Bem, ao sair de casa, tomamos todas as precauções. Amarrei os cabelos, cobri os braços, coloquei luvas e coloquei a máscara. Um pouco sem-jeito e com vergonha, saí pelo corredor afora. Achei que iriam me olhar estranho na rua. Engano enorme. Todo mundo estava de máscara, as pessoas se afastavam das outras nas calçadas, evitando cruzar caminhos. Nos mercados, havia essas filas que comentei, onde todo mundo aguardava a sua vez mantendo distância da pessoa da frente. As avenidas estavam vazias. Pessoas estavam praticando corrida no lugar onde carros passavam.
Foi um choque. A cidade adormeceu. Estão realmente com medo.
Eu fiquei abismada pela falta de barulho de carros e ambulâncias, tão característico de Nova Iorque. Fui dar a minha volta. Vi a Park Avenue com os seus canteiros cheios de tulipas vermelhas, amarelas, roxas. Tão lindo! Além disso, há os jacintos amarelos, que mais parecem orquídeas de chão. Eles enfeitavam todas as calçadas.
Pois é, a cidade parou em quarentena, mas ninguém avisou a Primavera.
Os dias estão cada vez mais lindos e mais quentes. É uma pena não poder acompanhar a floração em vários pontos da cidade, sair para caminhar ou tomar sol. Mas é melhor ficar em casa e evitar o metrô ou mesmo deslocamentos para áreas onde haja pessoas.
Muitos que tinham propriedades fora da cidade fugiram para esses lugares mais afastados. Isso ajudou a espalhar a doença. O prefeito e o governador fizeram diversos apelos para a população ficar em Nova Iorque e não levar a doença por aí. Até mesmo Youtubers ou Instagramers – os influenciadores digitais – passaram a ter suas atividades monitoradas por seus fãs. Quem ameaçava sair ou saía da cidade, levou e leva bronca na internet e nos jornais, para todo mundo ver.
Eu participei de várias conferências com professores de faculdades e outros advogados através da internet. Agora, os seminários e debates estão todos sendo realizados virtualmente. Isso é algo importante de frisar porque as faculdades e os escritórios levam muito a sério essas interações com a comunidade. Todo grande professor ou profissional tem que participar de eventos públicos para explicar as suas teses. Agora, fazem isso de casa. Você acaba conhecendo a sala daquela pessoa.
Há também a tristeza de muita gente ficando desempregada. Muitos negócios não aguentaram manter os seus funcionários, baixaram as portas e demitiram. É triste, mas já há empresas buscando pessoas para trabalhar virtualmente e outras se organizando para atender os clientes pela internet. O mercado de emprego de Nova Iorque nunca foi fácil. Apesar de a economia estar aquecida, você sempre teve que batalhar muito para conseguir um emprego por aqui. Então, as pessoas ficam preocupadas, mas sabem que essa é uma realidade da cidade. Geralmente há demissão quando há qualquer mudança de cenário na economia da cidade.
O governo ofereceu a ajuda de USD 1.000,00 dólares para as famílias. Com isso você consegue pagar um mês de mercado, geralmente. Proibiu o despejo e a cobrança forçada de aluguéis. As empresas de luz, internet e de telefone também estão com forma especial de cobrança.
Há falta de álcool em gel e de outros produtos de limpeza. Agora os funcionários dos comércios estão regulando quantos itens você leva e alguns escondem itens atrás do caixa, você só consegue certos materiais de limpeza fazendo reserva com os comerciantes.
O complexo do Hudson Yards – que possui um shopping, teatros, prédios residenciais e comerciais – é uma grande moda na cidade, mas agora transformou o restaurante da praça de alimentação em cozinha para fazer os alimentos a serem servidos para as equipes de saúde no navio USNS Comfort e do hospital de campanha no Javits Center.
A minha vida mudou muito também. Cada saída de casa parece uma operação de guerra. Tem que se proteger toda, colocar luva e máscara, prender os cabelos. E, quando volta da rua, tem que lavar imediatamente toda a roupa que usou, desinfetar maçanetas e locais da casa onde encostou. Não podemos mais nos reunir ou cumprimentar amigos. Há o trabalho em casa, que nos mantém ativos e ocupados. Mas ver a escalada da doença e as medidas extremas tomadas na cidade, até mesmo a construção de valas comuns, é algo que entristece e assusta, muito.
Nós temos a preocupação de nos mantermos bem, saudáveis e vivos. Zelamos por uma rotina de trabalho exercícios. Há a preocupação enorme com a família no Brasil e dói demais ver a irresponsabilidade de políticos e de gestores públicos brasileiros com esta doença que se alastra como pólvora e ninguém sabe direito como curar. Cada vida importa e eles deveriam parar de negociar essa importância, parar de pensar só em si e assumir a responsabilidade do desafio que é cuidar do povo, de todos nós nesta pandemia.
Dizem que na Revolução Francesa os nobres estavam tão desconectados do povo que apenas se referiam às pessoas como uma massa, sem personalidade ou importância. Isso foi um dos estopins para a Revolução que retirou tantos da vida política. Espero que os Brasileiros se lembrem das irresponsabilidades que vemos hoje em certos políticos com a vida alheia. Espero que todos se cuidem e quando chegarem as eleições, não deem mais os seus votos para quem não zela por sua vida. Quem não pensa no bem-estar da população, não merece continuar vivendo em disputas eleitorais.
Este ano tem eleições presidenciais aqui nos EUA em 03 de novembro do 2020.
Elas são um tópico secundário em relação ao Coronavírus. O presidente Trump desacreditava da doença no começo, mas em 13 de março já mudou radicalmente o seu ponto de vista e montou um comitê de ação com empresários e governadores para liderar o combate ao vírus. Hoje há tendas de campanha para teste da doença em supermercados, farmácias e em hospitais. Não é fácil conseguir ser testado, os seus sintomas têm que ser reais ou você tem que ter entrado em contato com alguém contaminado. Mas há a agilidade. Você tem vários locais para se socorrer.
As eleições continuam sendo um tópico. Na semana passada decidiram que o Democrata Joe Biden irá disputar com o Republicano Donald Trump. Mas as Convenções dos partidos, que iam confirmar as candidaturas, foram adiadas por conta do Coronavírus e serão realizadas em agosto. Então, neste ano, haverá apenas três meses de disputa presidencial. O desempenho dos políticos na luta contra o Coronavírus já está sendo essencial para a sua sobrevivência eleitoral. Aqueles que se mostram desqualificados na luta contra o vírus são descartados pela população e pelos delegados de partido.
Há muita gente que não concorda com o Trump aqui em Nova Iorque, mas a sua aprovação subiu um pouco aqui e no resto do país como reflexo de como ele está lidando com a crise, hoje está em 44%. Ele mobilizou muitos empresários para fornecerem produtos para o combate à doença. Enviou o navio, equipamentos de hospital, agilizou a distribuição de recursos para ajudar os mais necessitados. Além disso, o Andrew Cuomo, o Governador de Nova Iorque, construiu hospitais de campanha e tomou para si responsabilidade por evitar o crescimento da doença. Afirma que se alguém falhar em isso tudo será ele. E, por assumir assim o seu dever está sendo cada vez mais admirado pela população e obtendo cada vez mais sua confiança.
São tempos difíceis e incertos. Mas entendo que cada um tem que assumir a sua responsabilidade. Os cidadãos têm que cuidar de suas famílias e evitar a circulação. Os políticos têm que saber que isso não é uma doença qualquer e merece, sim, uma atenção e medidas urgentes de infraestrutura e de recursos para socorrer os necessitados.
Os moradores da cidade vão às janelas todos os dias às 7 da noite e batem palmas, panelas, cantam, em agradecimento aos profissionais que estão na rua e nos hospitais. Também fizeram uma música linda sobre este momento em Nova Iorque:
As falas são do Governador de Nova Iorque discursando. Destaco umas partes, que traduzo aqui:
Diminua a paranoia,
Diminua o medo,
Diminua a ansiedade.
Nós vamos vencer porque já lidamos com muitas coisas.
Você tem que ser inteligente para fazer acontecer em Nova Iorque.
Nós somos fortes. Você tem que ser forte. Este lugar te faz ser duro.
E no fim do dia, meus amigos, mesmo que seja um dia longo, e este é um dia longo, nós vamos vencer. Porque o amor sempre vence.
(Tradução livre de trechos do discurso)
Termino este texto inspirada por estas palavras do Governador de Nova Iorque e, fazendo um paralelo com a brasileira que sou, lembro como o nosso povo brasileiro é batalhador, carinhoso e trabalhador. Merece todo o cuidado, admiração e respeito. Rezo para que todos tenham sabedoria nesta hora e que tenhamos proteção para os nossos caminhos e os de quem amamos.
Mariana Nogueira Machado Simões
Advogada, especialista em Gestão e Tecnologia Ambiental, com atuação em desenvolvimento urbano, brasileira, amante da natureza, admiradora dos povos e das culturas do mundo.