Olhe para cima: arquiteta granjeira registra os tetos do mundo, inclusive Cotia

Palacio Monserrate, Sintra

Como fazer jardins, paredes, tetos, bancos de praça, pedaços de pedra surpreendentemente ganharem vida? Nas fotos da arquiteta granjeira Juliana Wunderlich, o milagre acontece. Ela tira o elemento humano das imagens e consegue enxergar (e nos leva junto) linhas que se destacam e desenham ideias e estruturas que não víamos, embora estivessem ali o tempo todo, mas contaminadas por nosso “turismo” em que selfies de nós mesmos de certa forma apagam a paisagem.

Um passeio pelo Instagram de Juliana mostra o que ela tira da cartola com essa mágica, muitas vezes usando a câmera do próprio celular. E de alguns anos para cá sua atenção foca, literalmente, os tetos por onde passa. Igrejas, salões, palácios, pátios, todos vistos de baixo para cima, um mosaico de como o engenho humano pensou ao longo de sua história as maneiras de estar dentro de um lugar sem sentir-se oprimido, e as mensagens que os arquitetos se empenharam em transmitir aos milhares de seres humanos que, eles sabiam, passariam por ali ao longo dos anos.

Lorenzkirsche, Nuremberg

Nas fotos que ilustram essa entrevista, uma amostra dos seus ensaios mais recentes, e algumas dicas sobre tetos que valem a pensa ser vistos em Cotia.

Por que você iniciou uma pesquisa iconográfica sobre tetos?
Os tetos me fascinam desde quando eu estava na faculdade. Sempre andei olhando pra cima, porque comecei a perceber um ponto de vista pouco explorado e notado pelas pessoas em geral. Há muita beleza nos tetos, que passa despercebida pelo público, por isso comecei a registrá-los, meio sem pretensão nenhuma, depois comecei a pensar em fazer um acervo mesmo.

Palácio de Cristal, de Madri

O que eles te dizem?
Não é só contemplação. Muitos tetos tem uma interessante função estrutural, são responsáveis pela sustentação da cobertura dos edifícios. Os góticos, por exemplo, têm um enorme cuidado e trabalho de desenho e ornamentação, mas também suportam as cargas dos seus telhados. Sempre fui fascinada por esse tipo de construção. Elas são extremamente monumentais e foram erguidas e projetadas em um período em que a maneira e os recursos para construir eram bem mais limitados do que o que temos hoje. As igrejas góticas europeias têm algumas diferenças entre si de acordo com a região em que estão e que encontraram maneiras diferentes de fazer, e uma dessas diferenças diz respeito ao desenho das estruturas, as abóbadas, que compõem seus tetos.

Iglesia del Sagrario, Granada

Tem mais alguém nas universidades estudando essa iconografia?
Não vi nada assim até agora. O mentor da minha pesquisa, o fotógrafo Thales Trigo, também não conhece nenhum estudo, acadêmico ou não, dentro da fotografia, sobre a documentação de tetos.

Quais são os ambientes ou tipos de construção com tetos mais interessantes e por quê?
Não sei dizer ao certo quais são, mas aqueles que me chamaram mais a atenção, em geral, foram templos religiosos, palácios e locais culturais (museus, teatros, etc.). Os templos religiosos que registrei foram, majoritariamente, construídos pela Igreja Católica, uma instituição que, como sabemos, tinha muitas posses. Além disso, por muito tempo, foi uma entidade que detinha em suas mãos o conhecimento de como fazer. Penso que esses são alguns dos grandes motivos que fizeram com que valorizassem e investissem em projetos com alto valor artístico ao longo de todo o edifício, inclusive seus tetos. As demais edificações que tive o privilégio de visitar e registrar, em sua maioria, pertenciam ou recebiam, principalmente, pessoas de classes mais abastadas. Com isso, foram construções que também tinham grandes recursos envolvidos e, por serem voltadas para um público com maior acesso à arte e à cultura elitista da época, foram feitas levando em consideração o valor artístico do espaço.

Galeria Guemes, Buenos Aires

Qual a época, o local ou a escola de arquitetura que produziu os tetos mais interessantes?
Ao meu ver, todos os períodos e estilos arquitetônicos, da era clássica aos dias de hoje, têm uma preocupação com os tetos das suas construções. Desde os gregos e romanos, há um cuidado com a elaboração dessa parte dos edifícios. A Alhambra de Granada, na Espanha, é um complexo fortificado de palácios e jardins que começou a ser construído pelos árabes por volta do século XIII, e é Patrimônio da Humanidade desde 1984. Ali a gente vê também a enorme dedicação dos construtores com essas partes dos edifícios. São tetos entalhados de uma beleza indescritível. As edificações em estilo gótico também têm um cuidado enorme com a ornamentação e o desenho dos tetos, assim como as renascentistas, barrocas e etc. Até os projetos modernistas também valorizam essa parte dos edifícios. Um exemplo bastante poderoso disso é a Catedral de Brasília, projetada pelo Oscar Niemeyer, com sua cobertura em curvas e seus belíssimos vitrais.

Catedral de Ulm, Ulm

Você pretende expor?
Sim, eu gostaria de expor.

Como os tetos se entendem com a simetria? Ela é indispensável?
A simetria dos tetos na questão estrutural acontece para que haja uma distribuição semelhante das cargas que vêm da sustentação da cobertura dos edifícios. Não sei dizer se ela é indispensável quando eles exercem essa função. Já no seu aspecto visual, depende do ponto de vista pelo qual você olha. Existem porções simétricas e outras que não o são. Por exemplo: as igrejas são compostas por naves laterais e a nave central, constituídas pelas partes longitudinais que vão desde a entrada da edificação até o altar. Se você olhar para o teto de uma nave lateral, pode ser que encontre elementos distintos do seu lado esquerdo e direito. A assimetria também tem sua beleza. Tudo é questão de ponto de vista. (a fotografia abaixo ilustra um pouco o que estou dizendo).

Catedral de Sevilha, Sevilha

Quais os lugares mais marcantes que ela já registrou e quais ainda pretende registrar?
Os locais mais marcantes foram as catedrais góticas alemãs, a Basílica de Mafra, em Portugal, e Palácio de Monserrate, em Sintra, Portugal. Gostaria muito de registrar mais catedrais góticas, de diversos países europeus, palácios e a Capela Sistina, apesar de saber que, infelizmente, não vou poder fotografá-la. Gosto de ser surpreendida também. Foi assim com uma parte da minha coleção.

Basilica de Mafra, Mafra

Que lugar te pegou de surpresa?
Ao entrar em alguns lugares, você tem uma ideia do que encontrará. Ao visitar uma igreja gótica, por exemplo, é esperado que haja um belo trabalho de sustentação das coberturas, inclusive nos desenhos de suas abóbadas. Mas quando conheci a Catedral de Sevilha fiquei muito surpresa com a riqueza de detalhes nos tetos e também pela diversidade de desenhos e motivos em diferentes áreas do templo. Muitos registros foram feitos assim de surpresa. Um outro exemplo disso é o teto da Galería Güemes, em Buenos Aires, na Argentina. Uma de suas entradas está voltada para a calle Florida – famosa via peatonal no centro da cidade. Esse acesso é bem pouco convidativo e sem graça, mas ao adentrar o edifício, a gente é presenteado com um trabalho belíssimo, um espaço extremamente bem cuidado e rico em detalhes.

E em Cotia, algum teto te chamou a atenção?
Sim, com certeza. Há um teto muito interessante na Basílica Nossa Senhora do Rosário de Fátima, dos Arautos do Evangelho, na rua dos Agrimensores. É num estilo predominantemente neogótico, construído a partir de 2004. Pintado de azul, com pontos brancos e as estruturas de suas abóbadas em cores amareladas, com os vitrais logo abaixo. É impressionante a associação imediata que se faz com um céu estrelado, vale a pena conhecer. Ali do lado tem outro templo, budista, interessante também pelo arquitetura típica, o Odsal Ling. Aliás, em Cotia há muita arquitetura para ser contemplada. Gosto da relação com o espaço proporcionada pelo templo Zu Lai, ali o que impressiona é justamente a ausência de um teto construído naquele pátio central, e o céu ganha um protagonismo, enquadrado como o teto de tudo.

Por Fábio Sanchez
Fotos: Juliana Wunderlich

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