Precisamos falar sobre violência sexual infantil

Artigo da psicóloga e psicanalista Edna P Torrecilha.

Precisamos falar da violência sexual infantil. Quer dizer… Precisamos, não, devemos falar e nos conscientizar do sofrimento que existe quando um fenômeno inesperado como a violência sexual acontece. Provavelmente, você já escutou “na minha família isso nunca vai ocorrer”. Normalmente, não é bem assim, a prevalência no escopo da violência ocorre no meio intrafamiliar. Não é raro, sabermos de alguém que já passou por essa situação ou conhece alguém, uma vizinha, um amigo na escola ou na empresa, vivenciaram e muitos sofrem calados, sem pedir ajuda, acabam adoecendo. É o que encontro nos bastidores do prédio do Instituto de psiquiatria do Hospital das Clínicas e no consultório.

Como toda violência, existe de um lado alguém que agride e do outro alguém que é agredido. De fato, o abuso sexual é um ato de violência praticado por alguém desprovido de empatia, só experimenta o seu mundo mental, e é sem consideração pelo outro que ele satisfaz a sua pulsão sexual. O abuso sexual ocorre quando alguém se utiliza de uma criança ou um incapaz (indivíduo sexualmente imaturo) para sentir prazer, é caracterizado como toda ação que envolve a questão do prazer sexual. Transformada em objeto de prazer, a criança silencia, seu corpo sente coisas que não reconhece, como: o gozo, a repulsão, a angustia, o retraimento do contato afetivo, de modo que o psiquismo sofre um trauma, ela sente-se fragmentada e mesmo identificada com o agressor. Enfatizando-se, sobretudo, a criança que não é capaz ou não tem idade para compreender e consentir o ato sexual, enuncia-se uma criança provida de sentimento de culpa, problemas com a sexualidade, dificuldade em construir relações duradouras e falta de confiança em si e nas pessoas, aparecem doenças psicossomáticas. Como podemos ajudar?

  • Não tenham medo ou vergonha de falar sobre sexo; isso não tira a inocência de uma criança, proteja-os com conhecimentos de seu próprio corpo e habilidades suficientes para se afirmar, devem ensiná-los que ninguém tem jurisdição de tocá-los, mesmo estando em uma situação privilegiada, como: professor, familiar, amigo da família;
  • Acolher a curiosidade da criança, ao responder as dúvidas utilizar palavras simples; conversar e encorajar a denuncia de qualquer ato violento;
  • Se possuir algum tabu, refletir o que é imposto pela família, cultura; obter informações, se necessário, pedir ajuda de um profissional qualificado.
  • Manter bom relacionamento com o ex-cônjuge, oferecer uma família funcional (mãe que cuida e pai que protege) faz com que o eu da criança se torne viável, na medida que a criança é integrada pelo cuidado materno ocorre uma continuidade do ego, a mãe proporciona uma adaptação que gradativamente diminui conforme a capacidade do bebe em lidar com as frustrações e de se relacionar. O comprometimento do bebê, ante a falha no ambiente está na escolha de objeto que se torna narcísica, cuja eleição de objeto toma como modelo o próprio eu, tão atualmente presente na perversão.

A sexualidade infantil é tudo que concerne às atividades da primeira infância em busca de gozos localizados que este ou aquele órgão possa proporcionar, os comportamentos da criança podem ser considerados e qualificados a criança como “perversa polimorfa”, a criança se diferencia do adulto, desejando um objeto parcialmente e atuando de maneira auto – erótica, faltando ainda à organização e a subordinação à função reprodutora. O adulto, ao contrário da criança, se cristaliza com um eixo que o organize, neste caso o recalque aparece marcando então o cenário da neurose, enquanto que no perverso não há recalque, ou seja, ele coloca em prática aquilo que o neurótico não se permite fazer, o sintoma aparece de forma inconsciente.

Como psicóloga, psicanalista e jurídica, tendo acompanhado o percurso dos traumas e as repercussões deste funcionamento psíquico na vida dos sujeitos, a escuta analítica é peculiar e imprescindível para ajudá-los a superar as situações traumáticas, identificar patologias e traumas decorrentes do abuso sexual, os sintomas físicos aparecerem de forma corriqueiras no dia a dia como; crise de pânico; insônia; falta de ar e palpitação, falta de desempenho escolar. O paciente chega no consultório, normalmente sem acreditar, contrariado, depois de tantas idas e vindas em hospitais, templos sagrados e sobre efeito de substâncias psicoativas. Apesar de muitos passarem com psicólogos hoje em dia ainda é privilégio de uma minoria. Basicamente, uma marca do preconceito, não falar sobre o abuso sexual. Vislumbrar esse assunto no campo da saúde mental, como, uma ação permanente enquanto uma atitude política e, essencialmente, preventiva. Um trabalho interdisciplinar, concomitante entre sistema judicial (advogados, juízes, médicos, psicólogos), sistema educacional (professores, pedagogos, psicólogos) e sistema midiático que busque soluções para as mazelas no âmbito social.

Edna P Torrecilha
Psicóloga clínica / psicanalista
Torrecilha’s Psychology Clinic
(11) 2898-6070 / 96060-1507

 

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