Não é possível contar a história da televisão e da cultura brasileira sem mencionar o nome e a talentosa autenticidade de Rolando Boldrin. Alguém cuja carreira começou há quase seis décadas, com a dupla caipira Boy e Formiga. Loirinho, mais novo que o irmão, Rolando era o Boy. O tempo passou, Boy deixou um pouco de lado a viola, andou por palcos e estúdios de TV, gravou LPs, CDs e DVDs, até marcar território na boa música de raiz.
Entra em nossas casas, aos domingos, com um programa cuja base são ritmos e temas regionais brasileiros. Junta músicos, cantores e compositores, muitos desconhecidos da grande mídia. Conta causos, interpreta poemas e emociona. Com passagens pelo teatro e por telenovelas, ele volta a atuar no cinema, no novo filme de Selton Mello, com estreia prevista para 3 de agosto.
Nesta entrevista, o campeiro tão íntimo da terra (como descreveu o escritor Érico Veríssimo) lembra momentos importantes da carreira, fala do seu papel no novo filme nacional e comenta sua relação com a Granja Viana. Não pensa em se aposentar e traça planos para o futuro. Com vocês, esse sinônimo de brasilidade e um apaixonado pela região. Esse poeta que conhece, como poucos, a alma do nosso país.
Vamos começar por seu mais novo trabalho. Como surgiu o convite para atuar no novo filme do Selton Mello?
O longa-metragem O Filme da Minha Vida é baseado no livro Um Pai de Cinema, do autor chileno Antonio Skármeta. Na obra original não existe o Giuseppe, mas para eu participar, o Selton Mello criou o personagem. Há muito tempo, ele insistia para que eu fizesse uma participação em um filme dele. Não tinha como recusar este convite.
E o que conta o filme?
A história é muito amorosa e humana. Conta a vida de um francês que mora em uma pequena cidade brasileira, despede-se da esposa para visitar a família na França e não volta. Tempos depois, a família descobre que ele estava morando em uma cidade próxima para, de alguma forma, não perder o contato com a esposa.
Como foi a experiência de ser dirigido pelo Selton?
O Selton é maravilhoso. É um grande ator e um jovem muito talentoso. Sempre acompanhei o trabalho dele e o admirava muito. Estou louco para ver o resultado deste trabalho.
Você já atuou em outros longas-metragens?
No ano de 1977, fui protagonista do filme Doramundo, do diretor João Batista de Andrade. Conquistamos o prêmio de Melhor Filme no Festival de Gramado, em 1978, e ainda me rendeu o prêmio de Melhor Ator. Vinte anos depois, em 1998, fiz o filme O Troco, uma adaptação do livro de Bernardo Élis, também dirigido por João. Com este trabalho ganhei o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante no Festival de Brasília.
Para você, qual trabalho teve maior relevância em sua carreira?
Embora seja ator e esteja no meio artístico há 58 anos, meu trabalho mais relevante é o programa de auditório que faço há 37 anos na televisão. Do início, em 1981 até 1983, na TV Globo, apresentei o Som Brasil. Na TV Bandeirantes, comandei o palco do Empório Brasileiro, em 1984. No SBT, apresentei o Empório Brasil, em 1989. Na CNT, a Estação Brasil, em 1997. Atualmente, na TV Cultura, apresento o Sr. Brasil, no ar desde 2005.
E a sua atuação em novelas?
Olha, para falar a verdade, eu não gosto de novela. Eu fazia porque tinha contrato. Mas hoje, se tivesse de fazer, não faria.
Atualmente, o que mais gosta de fazer: cantar, atuar ou apresentar?
Tudo junto. Sou um ator que canta. Tudo o que faço está inserido em meu trabalho de ator.
Quando descobriu seu dom para as artes?
Comecei a cantar desde criança. Com 6 ou 7 anos, em 1948, já cantava com meu irmão em uma rádio na cidade de São Joaquim da Barra. Formávamos a dupla Boy e Formiga. O Boy era eu. Ganhei o apelido do meu pai. Desde criança, meu cabelo era tão loiro que parecia branco. E o seu Amadeo, apaixonado pelo faroeste americano, dizia que eu lembrava o ator William Boyd. Mas meu irmão parou de cantar e eu continuei. Eu tinha uma vontade natural de cantar, conhecer músicas e conhecer a cultura popular.
Atualmente, apresenta muitos artistas para o grande público…
Muitos artistas não têm muito espaço, e eu apenas os convido para os meus programas. E convido, também, muitos cantores que representam a música brasileira. Exemplos são o falecido Dominguinhos, Elomar Figueira Mello, Luiz Gonzaga, Luiz Vieira e até o Almir Sater. No programa misturo tudo do Brasil.
Se um prédio com todos os discos que você já ouviu na vida pegasse fogo e você pudesse salvar um único disco, qual seria? E por quê?
Em uma brincadeira, eu salvaria o disco com a música Vide Vida Marvada, que é o tema do meu programa. Eu a compus em 15 minutos, quando fechei um contrato com a Rede Globo. Queria que a música de abertura do programa fosse minha, e não iria deixar para outra pessoa fazê-lo.
Em 1984, você participou do comício das Diretas Já. Em 1989, criou a campanha “Credite no Brasil”. Já vestiu a camisa com os dizeres “Eu quero votar pra presidente”. Ou seja, está engajado nessas questões. Como vê a atual situação política do país?
É uma incógnita. Você não sabe os caminhos que o atual cenário político vai seguir. Mas já passei pela fase brava da ditadura, de 1967 até o início dos anos 1970. Nesta época, eu trabalhava no teatro, no grupo Oficina e no Arena. Foi um período em que o regime praticava muita violência contra artistas. Então, sofri na carne este tipo de opressão. Não desejo o que sofremos nessa época ao meu pior inimigo.
Então, vamos lançar o Rolando Boldrin para presidente. O que acha que poderia mudar para melhorar o país?
Não quero ser presidente, não! Muito obrigado. Eu sou um artista. Mas para melhorar o atual cenário de nosso país seria necessário acabar com a corrupção.
Durante sua carreira, você realizou seu trabalho em vários tipos de mídia. Já que passou por essas mudanças, como encara a Internet?
Antes mesmo de cantar no rádio, me apresentei em feiras, circos, bares e praças. Em 1957, na época de ouro do rádio, me inspirei no humor, como na escolinha radiofônica de Nhô Totico, exibido pela PRK-30, com os causos caipiras de Cornélio Pires, Zé Fidelis, Alvarenga e Ranchinho, e Jararaca e Ratinho. Enaltecia o bom gosto dos cantadores e compositores das modas de viola e toadas do universo caipira. Na televisão, foram mais de 30 novelas, nas quais atuei com atores e atrizes como Lima Duarte, Luiz Gustavo, Lucia Lamberti, Laura Cardoso e dirigidas por diretores como Antônio Abujamra. Agora, sobre a internet, estou passando por ela. Tenho o projeto de um canal, mas ainda está em planejamento, não há nada concreto.
E a forma de o público consumir música? Como vê isso?
Hoje, o CD perdeu o sentido. Mas, ainda assim, gravei um novo para comemorar os 80 anos de vida e 58 de carreira. Chama-se Lambendo a Colher, lançado pelo selo Sesc. É um trabalho muito bonito, que pretendo, também, transformar em vinil, um formato que gosto muito e vejo que as pessoas também gostam. É algo bom que tem de ser resgatado. O primeiro disco que saiu com meu nome foi uma loucura, motivo de orgulho, e quando tocou no rádio, nem se fala.
Qual a fórmula do sucesso?
Não há uma fórmula para o sucesso. Trabalho muito com a emoção. Tudo que tem emoção e verdade está predestinado a fazer sucesso, porque é um sentimento procurado pelos seres humanos. Seja para rir ou para chorar. Se você vai a uma festa e sai de lá muito contente de tanto rir, vai comentar com os amigos. Ou se vai assistir a uma peça e sai chorando do teatro de tão triste que foi o enredo, também vai comentar. Um trabalho que não gera emoções está fadado ao fracasso.
Como é a sua relação com o seu público em seu programa?
Assim como meu trabalho, meu público é muito misturado, vai de moda de viola a partido alto, passando por bossa nova. A mesma coisa é o público que frequenta o meu programa Sr. Brasil. Tem desde crianças de 10 anos até idosos com 90. Meu público é composto de pessoas que gostam de ver amor, positivismo e verdade nas coisas. Não há um roteiro, é tudo de improviso. Começo e termino todo programa emocionado.
Depois de quase 60 anos de carreira e mais de 80 de vida, você pretende se aposentar?
Ah, não. Quero trabalhar até o último dia de minha vida. Enquanto tiver memória boa, força na voz e estiver produzindo arte quero trabalhar. Eu não quero me aposentar.
Já que a aposentadoria está fora de cogitação, quais planos tem para sua carreira?
Em junho, lançarei um livro biográfico e farei um show com base na ideia do livro. Também pretendo continuar com os shows do disco novo e apresentando o meu programa na Cultura. Tenho sempre um projeto novo.
E o que faz nas horas vagas?
Eu gosto muito de trabalhar. Então, nas horas vagas, procuro ouvir músicas de artistas brasileiros para levar ao meu programa. Detesto ficar parado sem ter o que fazer. Isto me incomoda muito.
Você é casado com a granjeira Patricia Maia Boldrin.
A Patrícia reside na Granja Viana há mais de 40 anos. Em homenagem a sua mãe, Teresa Maia, Cotia nomeou um dos parques da cidade. É bastante conhecida na região. Ela é a produtora do meu programa e a responsável por aquele lindo cenário, composto de mimos que ganhei do meu público.
Qual a sua relação com a Granja Viana?
Vou dizer uma coisa que vocês da revista devem ouvir todos os dias: vim para a Granja Viana por causa do sossego. Há 60 anos, morava no bairro de Pinheiros, em São Paulo, e tinha um sítio em Porto Feliz, a 100 quilômetros da capital, para descansar nos fins de semana. Como sou interiorano, a gente quer sossego e descanso, ainda mais quando se tem um trabalho estafante. Vendi o sítio, mas queria uma casa no campo. Na época, eu fazia o Programa Som Brasil, na Rede Globo, e como também fazia muitos shows, precisava de um refúgio para descansar. Conheci a Granja por intermédio do ator Otello Zeloni, que fazia o programa humorístico Família Trapo. Ele tinha uma casa aqui perto e cheguei a visitá-lo. Era um lugar gostoso e tranquilo. Então, comprei uma casinha aqui há 25 anos. A princípio, era um local para passar os fins de semana, mas passei a ficar mais tempo. A casa era pré-fabricada, de muito bom gosto, com 5 mil metros de terreno, piscina, sauna, parecia até mesmo um sítio. Comecei a gostar do silêncio do lugar e da facilidade de andar pelas ruas, que hoje não se encontra mais, e acabei ficando. Hoje, para mim, eu moro no interior.
50 anos de carreira artística
Desde menino, quando era um dos integrantes da dupla musical formada com o irmão Leili, em 1948, na cidade de São Joaquim da Barra, interior de São Paulo, Rolando Boldrin nunca se separou do seu violão, participando de muitos shows e grandes festivais. Já lançou mais de 29 discos, compôs uma centena de músicas e é um promotor da música brasileira. Além disso, é ator. Atuou em longas-metragens, em mais de 30 novelas e teve incontáveis participações em peças teatrais. Chegou a ganhar prêmios como Melhor Ator. Multiartista, é também apresentador. No decorrer de sua carreira já apresentou os programas Som Brasil (Globo), Empório Brasileiro (Bandeirantes), Empório Brasil (SBT) e Estação Brasil (CNT). Atualmente, na TV Cultura, está à frente do Sr. Brasil, no ar desde 2005. Em seu palco já teve a presença de importantes ícones da música brasileira, como Dominguinhos, Elomar Figueira Mello, Luiz Gonzaga, Luiz Vieira e Almir Sater.
O filme da minha vida
Recentemente, Rolando Boldrin recebeu um convite muito especial: participar do novo longa-metragem O Filme da Minha Vida. A obra é baseada no livro Um Pai de Cinema, do autor chileno Antonio Skármeta, adaptada e dirigida por Selton Mello para o cinema. O roteiro conta a história de Tony Terranova interpretado pelo ator Johnny Massaro, jovem com a necessidade de lidar com a ausência do pai, que voltou para a França alegando sentir falta dos amigos e do país de origem. Apaixonado por livros e pelos filmes que vê no cinema da cidade grande, Tony faz do amor, da poesia e do cinema suas grandes razões de viver. Até que a verdade sobre seu pai começa a vir à tona e o obriga a tomar as rédeas de sua vida. Rolando Boldrin interpreta Giuseppe, o maquinista de uma pequena cidade localizada no sul do Brasil. O longa-metragem nacional estreia em 3 de agosto de 2017.