Literatura: Granjeiro Hermes Leal, escritor e cineasta, lança seu segundo romance

Hermes Leal mudou-se para a Granja Viana em julho deste ano, para uma bela “casa de vidro”, como é conhecida pelos moradores da região, com a pretensão de se dedicar mais à escrita de seus livros e roteiros para cinema e tv.

Diretor de conteúdo do canal Cinemabrasiltv, da SKY, e editor chefe e criador da Revista de Cinema, única publicação impressa no país dedicada ao audiovisual brasileiro, há 15 anos no mercado, está prestes a lançar seu segundo romance chamado “Antes que o Sonho Acabe”, pela Geração Editorial.

O lançamento será no dia 12 de novembro, a partir das 18h, na Livraria Cultural do Conjunto Nacional da Avenida Paulista. Estarão presentes convidados da área do cinema, TV e de literatura.

Hermes Leal, natural de Araguaína (TO), é autor do romance “Eu Sou Foda!” (1998), 2ª edição em 2006 como “Faca na Garganta”; das biografias “O Enigma do Coronel Fawcett” (4ª edição) e “O Homem da Montanha” (2008); e do livro de aventura “O Quilombo Perdido” (1995). É mestre em Cinema pela ECA/USP, com especialização em roteiro, e doutorando em Semiótica, na FFLCH/USP.

É diretor de vários documentários, entre eles o longa-metragem “Soldados a Caminho do Puteiro – Memórias de uma Guerra Quase Imaginária”, e o curta “Dona Militana – A Romanceira dos Oiteiros”, exibidos e premiados em festivais. É autor de série de seis documentários baseados no programa Café Filosófico da TV Cultura.

Baseado em fatos reais, o livro Antes que o Sonho Acabe é uma aula singela sobre o triste episódio de caça aos comunistas na selva amazônica, mas, sobretudo, a história de um adolescente sonhador, que vira herói sem querer.

Os acontecimentos se desenrolam nos anos 60 e 70 do século recém-findo. O personagem Daniel relata a sua visão sobre aspectos da guerrilha  e da ditadura militar brasileira (1964-1971), período em que passou a infância e a adolescência em lugares remotos do norte do Brasil, às margens do Rio Tocantins, não muito distante do Rio Araguaia.

Para lá se embrenharam parte dos guerrilheiros brasileiros que sonhavam com uma sociedade igualitária, influenciados pelos ideais socialistas e comunistas soprados pela ex-União Soviética e Cuba.

Eram estudantes de São Paulo e Rio de Janeiro, em sua maioria. Chamados de terroristas, eles se instalaram inicialmente às margens do Tocantins e depois migraram para áreas de combate na selva, próximo às cidades de Marabá (PA) e Xambioá (TO).

Se o povo das grandes cidades apenas ouvia falar “dos tais comunistas que comiam criancinhas”, o personagem Daniel viveu bem pertinho deles e percebeu que a história está mal contada. Os absurdos que presenciou logo o levaram a ajudar um casal de guerrilheiros (Diana e Osvaldo) a fugir pela floresta amazônica, escapando, os três, sob o fogo cruzado do exército.

O envolvimento deu-se por acaso, mas, de qualquer modo, Daniel acabou tomando partido, colocando a própria vida em risco. E percebeu que a ditadura espalhava boatos mentirosos acerca dos “terroristas”, para que eles fossem caçados como bichos pelos mateiros e pistoleiros da região, os quais recebiam pelo “serviço”.

A ordem era prender, torturar, arrancar o máximo de informações e matar logo em seguida.

Antes de se envolver com a guerrilha acidentalmente, o maior sonho de Daniel, um rapaz até então ingênuo, sem nenhuma formação política, era, simplesmente, fugir daquele fim de mundo e procurar uma vida melhor.

Ele tentou fazer isso várias vezes, mas as circunstâncias começaram a enredá-lo como uma caça presa na armadilha. Embora criado de maneira selvagem, nadando em rios caudalosos ao lado de filhotes de sucuris, o seu maior desejo era, mesmo, ir morar no Rio de Janeiro ou em outra cidade de que tanto o rádio falava.

A televisão ainda estava chegando aos lares brasileiros das grandes cidades e o mundo vivia as ameaças da Guerra Fria, de um possível confronto entre russos e norte-americanos.

O país estava sob o Ato Institucional nº 5, instrumento que a ditadura usava para censurar músicas, filmes, livros e até mesmo o ato de pensar. Também transcorria a Guerra do Vietnã. Os Beatles e o rock conquistavam o mundo.

O pai de Daniel, um ferreiro matuto que batia no filho para “educá-lo”, construía obsessivamente um abrigo antiaéreo para proteger a família, composta por outras três filhas (a mulher havia morrido com malária).

Russos e americanos prometiam destruir o mundo caso entrassem em guerra. A Terceira Guerra Mundial poderia eclodir a qualquer momento.

É neste clima que Daniel, apaixonado por uma garota da região (Heloísa), ficou dividido após conhecer a guerrilheira Diana, que ajudara a fugir pela selva. Daniel jamais seria o mesmo, saindo ou não daquele sertão profundo. A história foi ao encontro dele e o abraçou bem forte.

Personagens são imortais? Não, só os bons sobrevivem por muito tempo e ressuscitam renovados a cada leitura. É o caso do adolescente Daniel, criado pelo escritor, documentarista e diretor de TV Hermes Leal.

De coração puro, apanhando do pai e da vida, o rapazinho vai descobrindo o mundo por linhas tortas. Se na história bíblica a humanidade perde a inocência comendo do fruto proibido, Daniel compreende o mundo dos adultos dividindo a primeira maçã da sua vida com uma…(não vou revelar). Ele tentou ver uma mulher pelada num puteiro, mas acabou vendo a primeira nudez em circunstância que jamais imaginaria. E não era nenhuma prostituta, muito longe disso, era uma… (outro segredo que o leitor irá descobrir).

Neste romance baseado em fatos reais, embora não autobiográfico, Leal dá um pulinho até o final da década de 1960 para ver o que se passava em pleno sertão amazônico, numa cidadezinha “desconectada do mundo”, às margens do rio Tocantins. E nos apresenta Daniel, um garoto quase-índio, que, pouco a pouco, acaba inoculado pelo veneno da “civilização”, tendo a sua trajetória virada de ponta-cabeça.

Era o tempo da Guerra Fria entre Estados Unidos e Rússia, da Guerra do Vietnã, do rock requebrante, da chegada do homem à Lua, dos primeiros televisores nos lares brasileiros, do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), dos Beatles, da férrea censura militar e das guerrilhas. Sim, das guerrilhas, que entram na vida de Daniel visceralmente, colocando por terra o seu sonho de simplesmente casar-se com o primeiro amor e depois mudar-se para uma cidade grande, cujas notícias recebia  pelo rádio e através de revistas envelhecidas.

O leitor conviverá com personagens expressivos, como o barbeiro Alfredo, que mantinha uma banda de jazz em pleno sertão, com o pai de Daniel, um homem sem nome, ferreiro grosseirão e opressor, que, obstinadamente, construía um abrigo para proteger a família dos eventuais efeitos de uma bomba atômica, como se fosse uma arca de Noé, e outras figuras marcantes, como o jovem Victor, carioca enviado ao lugarejo para se tratar de uma doença grave com águas sulfurosas, sem contar o soldado do exército Geraldo, que ganha por cabeça, literalmente, caçando guerrilheiros na selva, entre outros.

Tudo é muito forte e pungente em Antes que o sonho acabe. Leal utiliza uma linguagem informal, de cabelos ainda molhados e soltos, de quem acaba de sair do banho. As suas frases vestem sandálias, fogem da gramática bem-comportada e ganham velocidade, encadeadas em determinados trechos como se fossem simples palavras, para dizer depressa, informar sem respirar, para não perder o fio da meada. E o coração do leitor sai fortalecido, cheio de adrenalina. Uma aula de vida, uma aula de história sem qualquer didatismo. É o leitor sentindo na pele o que Daniel sentiu.

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