Arte de Gustav Klimt

Milenna Saraiva escreve sobre o artista, cujas obras incluem pinturas, murais, esboços e objetos que exploravam como tema principal o corpo feminino e o erotismo. "Por muitas vezes foi identificado apenas como “o artista do quadro O Beijo”, mas sua obra foi além do que todos poderiam imaginar", ressalta nossa colunista.

Ele nasceu na pequena cidade de Baungarten, ao sul de Viena, na Áustria Imperial. Filho do gravador Ernest Klimt e de Anna Finster, foi o segundo dos sete filhos do casal.  Com 14 anos, ingressou na Escola de Artes Decorativas de Viena junto ao seu irmão Ernest. Passaram a auxiliar seu professor na pintura de murais e, em pouco tempo, começaram a receber encomendas para fazê-lo pela cidade. Uma delas foi pintar três grandes painéis para o teto do auditório da Universidade de Viena, representando as figuras da Filosofia, Medicina e Jurisprudência. No painel sobre a saúde, o artista retratou a figura de Hygeia, a filha mitológica do Deus da Medicina, que era identificada com uma cobra.  O artista ousou em sua versão, fazendo corpos nus e pelos pubianos, algo nunca feito antes. A obra gerou muita polêmica e revolta. Depois de um dramático impasse entre Klimt e o Ministério da Educação, no qual o artista teria apontado uma arma para os homens que tentavam removê-las, o Ministério recuou e as pinturas permaneceram onde estavam.

Viena era então uma cidade muito conservadora. Nessa época, ainda dominava o historicismo neobarroco, marcado por quadros pomposos e detalhistas. Junto a um grupo de jovens pintores progressistas e desiludido com as restrições da Künstlerhaus – a sociedade à qual todos os artistas vienenses se sentiam obrigados a pertencer – Klimt resolveu fundar a Secessão de Viena, tornando-se seu presidente. Provocativo, o novo estilo da Secessão, que se tornou o que conhecemos por Art Nouveau, valorizava o decorativo e o ornamental, determinando formas tridimensionais delicadas, sinuosas, onduladas e sempre assimétricas, uma quebra total de estilo e conceito. Foi uma reação individualista de conteúdo romântico frente às tendências ecléticas e ao classicismo acadêmico.

Com seu estilo rebelde de ser e de se vestir, na maioria das vezes envolto em uma túnica escura, Gustav Klimt tornou-se uma figura exótica na cena artística. É fato que muitos artistas estudaram o corpo feminino, mas os nus de Klimt se mostraram muito íntimos, provocativos e, portanto, ultrajantes para sua época. Somente em meados de 1917 recebeu o devido reconhecimento, ao ser eleito membro honorário da Academia. Gustav Klimt faleceu em Viena, Áustria, de apoplexia, no dia 6 de fevereiro de 1918.

VAMOS OBSERVAR
O Beijo
1907-1908
Óleo e folhas de ouro sobre tela
180 × 180 cm
Österreichische Galerie Belvedere, Viena

Executada entre 1907 e 1908, em folhas de ouro e óleo sobre tela, medindo 180 x 180 centímetros, é uma das obras mais famosas de Klimt e uma das mais conhecidas de todos os tempos. Seu tamanho, praticamente real, transporta os espectadores para dentro da pintura, trazendo uma imediata identificação com a mesma.

A obra pertence ao período da fase dourada do pintor. Gustav sempre foi fascinado por ouro e metais por causa de seu pai, que era gravador. Por isso, trazê-los para as suas telas foi natural.  Além desta inovação, o artista também juntou retratos feitos a óleo de forma clássica e o que no futuro chamaríamos de geometria abstrata.

A força masculina dominante na pintura é representada pela poderosa capa de blocos pretos e cinzas, suavizada pela ondulação orgânica feminina, que lembra a árvore da vida. A feminidade é representada por círculos, motivos florais brilhantes e linhas onduladas, que fluem para cima.  A chuva dourada abençoa a união do casal e as folhas triangulares lembram imagens de água. O casal transmite a sensação de desejo erótico, de clímax e de intenso prazer. É impossível olhar para essa obra, que reproduz os mosaicos bizantinos de Ravenna (Itália), sem se fixar e deixar a mente viajar para um subconsciente enigmático. Outra inspiração evidente é a arte japonesa, sempre presente nos trabalhos do artista.

Existem outras interpretações d’O Beijo. Alguns críticos dizem que Klimt pintou uma cena de um mito grego, a triste despedida entre Dafne e Apolo, que ocorre pouco antes de ela se tornar uma árvore de louro. Além da originalidade e beleza da obra, talvez seja o desejo secreto, pertencente ao imaginário coletivo, que contribuiu para que as pinturas de Klimt sejam amplamente reproduzidas em camisetas, bolsas, canecas e em uma infinidade de itens.

Pouco é realmente sabido sobre o artista. Diziam que ele nunca se casou ou se envolveu de verdade com alguém, mas teve muitos casos e 14 filhos com mulheres diferentes. Talvez por isso o pintor era tão fascinado com o tema amor e erotismo. Apesar de muita especulação sobre sua vida, disse uma vez: “Quem quiser saber alguma coisa sobre mim deve olhar atentamente para as minhas obras e procurar reconhecer o que sou e o que quero”.


Por Milenna saraiva é artista visual, formada pelo Santa Monica College, em Los
Angeles, EUA. É galerista da Casa Galeria, espaço de arte contemporânea.

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