As vendas e os lançamentos de lotes para a construção de moradias no interior do País devem crescer algo em torno de 3% a 5% em 2024 na comparação com 2023, de acordo com estimativa do presidente da Associação das Empresas de Loteamento e Desenvolvimento Urbano (Aelo), Caio Portugal. Nos últimos meses, os estoques diminuíram, o que abre espaço para novos projetos. Por outro lado, o juro ainda alto é um fato que atrapalha os negócios. “A gente vinha numa trajetória de queda de juros, que agora parece que vai ficar numa certa estabilidade. Obviamente, isso traz um pouco mais de conservadorismo para o empresário”.
Segundo Portugal, outro fator que tem freado os negócios dos loteadores é o crescimento expressivo do Minha Casa, Minha Vida, que oferece casas e apartamentos prontos, com preços competitivos e financiamento subsidiado, o que não acontece no setor de loteamentos. “O lote não consegue competir com isso. A gente vê situações em que o lote tem um valor de prestação que é o equivalente de alguém morando no Minha Casa, Minha Vida”.
Quais as perspectivas para lançamentos e vendas de lotes em 2024 na comparação com 2023?
Estamos passando por um momento de estabilidade, mas com tendência de crescimento. A nossa expectativa é de uma ampliação dos lançamentos entre 3% a 5% neste ano. E, em termos de comercialização, acredito que vai seguir mais ou menos nesta mesma ordem. Não é uma alteração muito significativa, mas indica uma tendência positiva. Até aqui, o volume de lançamentos tem sido inferior ao volume de comercialização, o que significa que os estoques estão caindo. Isso favorece o lançamento de mais projetos. Além disso, a taxa de juros menor neste ano em relação aos anteriores contribui para a formação de uma poupança familiar, que é fundamental para quem vai comprar um lote. A tomada de decisão das famílias na compra de um terreno é muito parecida com a de um imóvel construído, passando pelas questões de perspectiva futura e de capacidade de pagamento.
O juro alto atrapalha?
Atrapalha. O mercado de loteamentos tem ciclo muito mais longo que o de uma incorporação. Na média, em torno de 47 meses para a aprovação de um empreendimento. Então o que acontece? O empresário ultrapassa a fase do licenciamento ambiental, do licenciamento urbanístico, do registro do loteamento, e está apto a lançar. É nesse momento que ele vê a temperatura do mercado e faz, vamos dizer, a sintonia fina do produto para decidir pela abertura do plantão de vendas.
Ou seja, o empresário se preparou por meses e agora se depara com um juro maior que o esperado?
Existe uma sensibilidade em relação à taxa de juros e um pouco de insegurança. E vale lembrar que é o loteador quem financia o consumidor final. Não tem uma linha de crédito imobiliário dos bancos para esse mercado. O lote urbanizado não é um produto final. Ele é a matéria-prima para a futura edificação. Cerca de 65% do nosso mercado é de lotes que vão servir para a construção da primeira residência, a maioria no setor econômico. É um loteamento aberto ou fechado, com tamanho médio na faixa de 180 m² a 200 m², com preço de venda perto de R$ 100 mil a R$ 120 mil no Estado de São Paulo. O cliente vai dar uma entrada de 10% e tomar financiamento de 150 meses, na média, mas que pode chegar a 240 meses em algumas praças.
Um problema histórico do setor é essa falta de linha de financiamento dos bancos. Como está a situação?
Por mais paradoxal que possa parecer, a legislação que criou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e destinou os recursos para habitação deixou de fora a aquisição de terrenos. O legislador entendeu que, se esse recurso com custo de captação mais barato fosse destinado para financiar a produção de terra urbanizada, eventualmente isso poderia desvirtuar sua função original e criar alguma especulação imobiliária. É um contrassenso porque não existe habitação sem lote. Mesmo numa cidade já consolidada, você derruba casas e constrói prédio, mas tudo aquilo em algum momento foi um loteamento. Pois bem. Na revisão no Minha Casa, Minha Vida, a Aelo fez um trabalho muito intenso com o legislador para possibilitar que o lote urbanizado pudesse ser elegível ao FGTS. Não quer dizer que vão fazer um Minha Casa Minha Vida de lote. Estamos falando de uma unidade habitacional sobre esse lote. Então, o que conseguimos recentemente foi a possibilidade de a Caixa Econômica Federal utilizar linha de financiamento com recursos do FGTS para o consumidor fazer a aquisição do terreno mais a construção da residência.
Essa linha está funcionando hoje? Qual o recurso?
Era para estar entrando em operação em maio, mas atrasou um pouco. O orçamento não é dos mais expressivos. De todo modo, a expectativa é de que isso auxilie também a destravar os negócios.
Na parte de custos, como está o setor?
No período pandêmico, todos os setores ligados à habitação e à construção civil sofreram um descompasso entre oferta e demanda de materiais, e os custos explodiram. Após a pandemia, o que aconteceu? Os custos dos materiais pararam de crescer. Mas ainda não voltaram, vamos dizer, à situação pré-pandemia. Então os custos de urbanização ainda são muito altos.
O custo de produção refletiu no preço de venda?
Não acompanharam na mesma proporção. Eles tiveram uma primeira recuperação por uma questão de aumento da liquidez no período pandêmico, quando teve muita procura por moradia no interior. Por outro lado, a gente passou a concorrer de uma forma desigual com o Minha Casa, Minha Vida. O programa recebe subsídios, e o imóvel pronto é uma solução total no campo da habitação. O lote não consegue competir com isso. A gente vê situações em que o lote tem um valor de prestação que é o equivalente de alguém morando no Minha Casa, Minha Vida. Então, é óbvio que o consumidor que consegue acessar o crédito imobiliário nas condições do Minha Casa, Minha Vida, com juros mais baixos, vai optar por comprar uma unidade edificada ou em edificação, em detrimento do lote. Isso fez com que a nossa velocidade de vendas dos lotes no mercado econômico diminuísse consideravelmente. Sem uma competição mais equilibrada, o loteador costuma dizer, brincando, que o setor fica com o cliente “subprime”, que é o cliente que não consegue acessar o crédito da Caixa mesmo com subsídio.
Por Circe Bonatelli/ Caderno de Loteamentos Imobiliários nº 3 do jornal O Estado de S. Paulo