Olhando para trás percebo que sempre vi o mundo com olhos de artista. Foi deste modo que Patricia Furlong abriu seu baú de memórias e começou a nos contar sua relação com a
arte.
“Era uma criança que adorava ficar calada, olhando ao redor: as paisagens na janela durante as longas viagens de São Paulo para Porto Alegre, o bater das ondas nas pedras da Guarita em Torres, o desenho da água da chuva nas vidraças da janela. Estava sempre com um lápis e papel na mão, me esforçando em traduzir tanta beleza”, lembra.
Ao escolher a faculdade, não teve dúvidas. Prestou USP e Faap e acabou optando pela última – “na época, era a mais bem estruturada em termos de ateliê”, explica. Quando se
formou, em 1980, foi trabalhar com o Ziraldo e o Zélio Alves Pinto, em uma escola chamada Ebart. Era o início dos anos 1980, a época do “retorno à pintura” e Patricia, assim como a maioria dos artistas da sua geração, abraçou em cheio esse movimento.
No fim da década, como mãe de dois filhos, ela dirigia muito e passou a notar que São Paulo, assim como outras cidades brasileiras, grandes ou pequenas, estava inundada de comunicação visual. “Os letreiros, as faixas, as placas, os outdoors… um ‘ataque’ de mensagens, uma poluição acachapante”, diz. O tempo gasto no trânsito fez com que passasse a criar ali mesmo, atrás do volante. Ia limpando mentalmente a paisagem, ordenando e recriando as mensagens. Quando chegava no ateliê, já estava com muitos elementos prontos na cabeça. “Me apropriei de folhas de outdoor, placas de rua, fotografias do espaço urbano e criei obras que refletiam aquela pretensa reordenação da paisagem”, lembra.





Em 2005, o interesse da artista pela paisagem urbana cede espaço para a paisagem natural. Mudar a residência e seu ateliê para a Granja Viana afetou sua produção artística, da mesma maneira como tinha sido afetada pela megalópole paulistana. De um dia para o outro, se viu trabalhando rodeada por um grande jardim e pelo silêncio. Apenas latidos de cachorros à distância, pássaros e macaquinhos. Nada do alarido da cidade.

Essa natureza foi tomando conta de Patricia e a maneira de se entender com ela foi simplesmente retratá-la plein-air (do francês, ao ar livre). “Ia de cavalete, tela, pincéis e tinta para o jardim e procurava fazer o melhor que podia com o que tinha à frente”, lembra.
Aos poucos, essa relação literal foi dando lugar à criação de paisagens a partir de uma investigação mais pictórica, com diferentes técnicas como aquarela, pintura a óleo e acrílica e uma grande variedade de dimensões e suportes.
A arte, no seu entender, é o que permite a cada um de nós transcender. “É descoberta, é enlevo, é abrir compartimentos de sensibilidade que temos e que, sem ela, se mantém adormecido”, define.
Para Patricia, pode ter uma abordagem política, estética ou subversiva, mas a arte “sempre terá aquela faísca que nos atinge lá no âmago, e eu chamaria isso de potencial poético”.

Por Juliana Martins Machado