De Internauta a Internada

Marcos Sá escreve sobre o vício da Internet.

A vida amorosa de Paula andava um desastre! Seus últimos namoros foram dignos de um folhetim.  Ela andava desiludida e não queria nem ouvir falar de homens. “São todos iguais, dizia ela, mais cedo ou mais tarde te decepcionam.” E resolveu focar seus esforços na carreira profissional, como faz todo ser que sofre uma desilusão amorosa. Trabalhava 10 horas por dia, depois ia à academia e à noite desabava exausta na cama. Nas madrugadas sonhava com um romance legal, mas sua autoestima não admitia lembrar-se do sonho sonhado. Até que um dia conheceu um amigo do namorado de uma “miga”. Precavida e desconfiada, engrossou logo de cara quando Miguel tentou se aproximar. Mas, com o tempo, foi baixando a guarda e começou uma amizade que logo se transformou em namoro. Não um namoro qualquer, mas daqueles com direito a trilha sonora, no qual os sinos dobram, os pássaros gorjeiam, as estrelas dançam e as rosas exalam seu perfume. Miguel era perfeito. Tinha nome de anjo, cara de anjo e era um anjo. Até que um belo dia…  – – Miguel, me adiciona no seu Facebook?

– Não tenho Facebook – disse Miguel.

– Hã? NÃO TEM?! Como assim?

– Não tenho e nunca terei.

– E o seu Instagram?

– Tenho raiva de quem tem.

– Twitter, LinkedIn, Snapchat, Pinterest…

– Para o que serve, mesmo?

O mundo de Paula desabou. O cara não tinha rastro digital! Era um ser incógnito, inexistente no mundo digital! Como saber da vida dele? Quais seus gostos, seus amigos? E o seu passado, seus planos, opiniões, trabalho, fotos, selfies, família…

– Socorro! – Paula entrou em pânico. Tinha alguma coisa errada.

– Já sei, bradou convicta! Ele é casado e está escondendo o jogo.

Imediatamente, ligou para a amiga cujo namorado era amigo de Miguel.

– Negativo! Miguel é e sempre foi solteirinho da Silva!

– Então ele é gay!

– Negativo novamente! Se você quiser posso lhe apresentar a ex dele.

– Não – disse Paula –, deixa para lá! Não é bom se aproximar da ex de namorado, é dar sopa para o azar. E eu também já vi que o cara não é.

Paula estava inconformada. Na cabecinha dela era impossível alguém não estar nas redes sociais.

– Como pode?

Quanto mais pensava, mais ficava encucada. Até que resolveu tirar a limpo com o próprio. Miguel, pacientemente, respondeu às suas perguntas.

Quase chorando, Paula perguntou:

– Você é “analfabite!” Por que não tem Facebook?

– Porque não preciso ter.

– Mas como você fala com seus amigos?

– Pessoalmente, uma vez por semana nos reunimos e levamos altos papos ao vivo, em carne e osso! É muito bom, você devia experimentar.

– E as fotos? As selfies? Você não tira? Não publica?

– Detesto esse narcisismo! É uma futilidade. Para que se expor dessa maneira?  O tempo na vida real que eu ganho versus o tempo na vida virtual que você perde é absurdo! Não perco meu tempo nas tais redes sociais que, aliás, de sociais não têm nada. Os intolerantes, agressivos e antissociais que ali habitam as tornaram um palco de guerra. Não se discute nada com profundidade, cada um com sua opinião engessada e ponto. O “nós contra eles” predomina. Quem não pensa como eu penso é inimigo. Não é assim?  Sem contar as “fakes news”, os hackers russos, os haters, os blogueiros pagos para caluniar desafetos políticos e os “sem noção” com suas correntes mágicas, que se você quebrar cai duro e roxo no minuto seguinte. Paula estava muda. O cara a fez rever seus conceitos. Estava tão envolvida, que nunca imaginou que alguém pudesse viver sem. Era como viver sem ar! Ela respirou fundo, assimilou o golpe, reconheceu o vício e hoje de internauta passou a internada e desconectada numa clínica de dependência tecnológica.

Por Marcos Sá, consultor de mídia impressa, com especialização em jornais, na Universidade de Stanford, Califórnia, EUA. Atualmente é diretor de Novos Negócios do Grupo RAC de Campinas

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