Johnny Duarte

A obsessão do brasileiro que já esteve mais perto de palpar um Oscar tem pouco a ver com o glamour do tapete vermelho. O diretor de cinema Fernando Meirelles exibe uma muda tímida de jequitibá plantada por ele mesmo uma semana antes na florestinha de sua casa na Granja Viana e confessa: “Preciso mexer com terra diariamente”. Mania cevada por um aplicativo que calcula rigorosamente o seu “saldo de carbono”, contando o que gasta no dia a dia com coisas que geram emissão, como alimentos, roupas, transporte, e que sentenciou: ele tem que plantar 158 árvores (incluído o débito da esposa). “Andar de avião é o que me ferra, porque viajo muito”. Mas o saldo (como a obstinação) está bem: já plantou 7 mil árvores neste ano e planeja, para o ano que vem, enfiar mais de 20 mil sorvedouros de carbono na terra. É sobre um ecologista santo, o papa Francisco, seu mais recente filme, Dois Papas, que a Netflix lança em dezembro, onde conseguiu a proeza de injetar humor pelas frestas dos vetustos palácios do Vaticano. Além de contar alguns bastidores dessas filmagens, o diretor de Cidade de Deus e Ensaio sobre a Cegueira fustiga nesta entrevista exclusiva à Circuito os filmes de super-heróis, que não consegue assistir, embora tenha gostado de Deadpool: “Vejo a música subindo, o clima sendo preparado, o diretor me manipulando… conheço o truque e não embarco”. Meirelles festeja o modelo streaming de conteúdo, que para ele é responsável pelo aumento da produção cinematográfica, mas admite que quando faz um filme está pensando mesmo é na telona. Nesta conversa sobre cinema, ecologia, política e a Granja Viana, Fernando Meirelles fala também das metáforas dos seus filmes, seu processo de criação, em que deixa a intuição fluir, dá dicas valiosas para quem quer seguir carreira na indústria do audiovisual, revela que vai fazer um longa sobre a questão climática e lamenta a gestão em cultura e em meio ambiente do atual governo brasileiro, sem perder a fé: “Daqui a três anos eles foram embora e aí tudo volta ao normal”.

 

Fernando, você mora na Granja Viana há quanto tempo?
O terreno comprei já faz uns trinta e poucos anos, mas construí e mudei para cá faz 23. Aqui era um pasto, fui plantando e deixando crescer, agora ficou uma florestinha que, se juntar todos os terrenos, dá uns 35 mil metros quadrados. É uma mata bem preservada. Moro aqui com o pessoal que fez comigo a FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da USP). Todos são arquitetos e então se você andar pelas casas ali por baixo, vai ver que todas têm uma cara, alguma onda, sabe? Uma tem telha de adobe, outra tem uma estrutura metálica por baixo, enfim, é coisa de gente que curte casa. A turma chama de “condomínio dos arquitetos”.

Um tipo de cooperativa?
A gente era colega de faculdade, tivemos filhos meio juntos, e todos faziam a mesma escola, então a vida inteira eles fizeram rodízio, a molecada ia de uma casa para outra, acho que conseguimos dar para eles uma infância boa. Deu certo a ideia. De todos os que se mudaram para cá, 23 anos atrás, ninguém pensa em sair.

O que você curte na Granja?
Primeiro, gosto desse espaço aqui, porque tenho o hábito de plantar, preciso mexer com terra diariamente, então aquela hortinha que você viu lá embaixo, sou eu mesmo que mexo e fico plantando, depois eu te mostro ali perto da garagem o lugar das sementes. Então, diariamente estou plantando ou replantando. Mais pra cima tem um pomarzinho melhor e uma horta grande. O que a gente come aqui em casa, grande parte é daqui mesmo.

Só casa, nada de rua?
Esta casa é muito boa de ficar, não é? Tem um campinho de futebol, uma piscina comum, e ainda hoje a gente se encontra com os amigos na sauna que tem ao lado da piscina, todo fim de semana, é a nossa praia, muito agradável. Então ficamos mais aqui mesmo. Na Granja, vamos à academia. Com os vizinhos, às sextas-feiras, a gente vai no Hara, um japonês ótimo que tem ali na Raposo. A Granja mudou muito nas últimas décadas, era muita trilha, muito verde, quase não tinha restaurante. Agora está assim meio shopping center, né?

Como vê essa mudança?
A questão é a quantidade de gente que mudou para cá e não sei se tem planejamento. Para quem está chegando na Granja, parece ainda um lugar com área verde, mas por muitos anos, o lançamento de novos empreendimentos… o cara derruba a árvore do terreno e vende o verde do vizinho. No terreno aqui do lado queriam construir 70 casas. Eles viriam morar no meu verde, nós fomos lá e compramos o terreno. Isso foi e ainda é um padrão.

Seu filho também é cineasta.
O Quico (Francisco Meirelles) faz cinema. Agora tem uma série na HBO que ele dirigiu, chamada Pico da Neblina. Ano que vem ele vai rodar uma segunda temporada. É sobre uma hipótese de que foi legalizada a comercialização de cannabis no Brasil e um ex-traficante que conhecia e gostava de maconha, porém não gostava de ser do crime, acha uma ótima oportunidade de fazer legalmente o que gosta e sabe. Então ele entra no mundo legal da maconha, mas percebe que o mundo legal não é tão legal como imaginava.

O cinema brasileiro sempre focou de alguma forma o crime ou o excluído. É uma escola que se formou no Brasil?
O cinema é um espelho da sociedade em que está inserido. Por isso, a exclusão social no Brasil é um dos nossos grandes temas. A gente é um país rico, bonito, tarará… mas é muito injusto. O cara que não nasceu no lugar onde meus filhos nasceram, por exemplo, está ferrado. Pode ser talentoso, inteligente, bem-intencionado, mas vai ser difícil, porque ele é excluído, não tem acesso à escola, emprego etc. Acho que a grande questão do Brasil é a exclusão mesmo. Viajo pra caramba, vejo as coisas, e sempre que volto isso me incomoda. Eu estou do lado, digamos, “melhor”, mas é algo que me incomoda profundamente. Se você olhar o Brasil, tem muitos filmes de classe média, comédia, porém também há muitos que tentam entender a sociedade. No ano passado foram produzidos 150 filmes no Brasil, uns 30% devem ser focados na questão da sociedade etc., o resto são histórias, né?

O tema que se impõe.
É, ninguém inventa a exclusão social no cinema, a gente pensa sempre o mundo que a gente mora. Cidade de Deus era sobre isso, aquela região excluída do cartão-postal. O Jardineiro Fiel também era sobre a África sendo usada pelo Primeiro Mundo como cobaia para testar drogas. E esse filme que estou fazendo agora, Dois Papas, é um diálogo entre o papa Francisco e o Bento XVI. E está presente no filme a agenda do papa Francisco, que é defender os mais pobres, tentar fazer um mundo mais igual. Esse tema da desigualdade e o meio ambiente são dois assuntos que me mobilizam.

O filme sobre o papa foi um projeto seu ou a Netflix te chamou?
Fui convidado. Topei porque era um ótimo roteiro e gosto do personagem. Acho uma das vozes mais importantes do mundo, porque estão com essa ideia do nacionalismo, de criar muros tecnológicos, econômicos e físicos mesmo, e ele é um cara que quer construir pontes, quer ligar em vez de isolar.

O papa também lançou uma encíclica sobre meio ambiente.
Sim, a Laudato si’, e é muito curioso porque o papa lançou essa encíclica baseada na ciência, que é a constatação de que a gente está esgotando os recursos e temos que cuidar da Mãe-Terra. Então, o líder religioso se baseia na ciência para escrever uma encíclica, enquanto quem governa nega a ciência e se baseia em crenças para governar. Então, a gente está vendo, por exemplo, que está sendo desmontado todo o sistema de defesa da Amazônia, por esse nosso governo que não acredita que haja aquecimento global, que acha que o homem não é responsável pelas mudanças do clima. Um negacionismo baseado em crença. Então, fica assim: o religioso usa a ciência e o político usa a crença, é uma loucura, não é? Uma incrível ironia.

Você acha que um filme convence as pessoas a mudar suas ideias?
As pessoas são muito turronas, mas a gente articula a ideia e dá elementos para as pessoas terem insights. Às vezes, um filme que assisti me transforma, e às vezes, não. Mas fazer filme não é militância, o filme sempre é entretenimento também, é algo prazeroso.

Martin Scorsese falou recentemente que filme de super-herói não é cinema…
Ah, eu vi.

O que você acha disso?
Não posso falar porque não assisto (risos). O último filme de super-herói que eu vi, qual foi? Acho que foi Deadpool, o primeiro, de 2016. E gostei. E antes desse tinha tentado assistir o Homem-Aranha lá em… 2012, talvez, e saí no meio. Não tenho paciência.

Mas é uma audiência enorme, não é?
É, mas não gosto porque conheço o truque. O roteiro… assistir um pouquinho é legal por conta da questão da técnica, da criação de cenário, de efeitos, isso é muito interessante, é meu trabalho e gosto de ver como o prédio cai, como a fumaça sobe, é isso que fico olhando, fico fascinado com a técnica. Mas aí eu vejo a música subindo, o clima sendo preparado, o diretor me manipulando… conheço o truque e não embarco. Mas dizer que não é cinema… é cinema, sim! Aí, o Scorsese provocou. Mas não é um cinema que me interessa.

O streaming e o celular estão mudando o jeito de ver cinema. Mas algo mudou também no jeito de fazer cinema?
Esse filme que fiz para a Netflix (Dois Papas) vai ser lançado em 32 festivais de cinema e passar em tela de cinema normal. Ele vai ficar três semanas em cartaz, em poucas salas, no mundo inteiro. Então, vai ter uma pequena vida como cinema, e depois vai estrear na plataforma. Eu preferia que as pessoas assistissem como cinema, porque a gente fez um trabalho de mixagem, de som, que numa sala se percebe melhor, e além disso esse filme tem muito humor, e é legal assistir numa sala porque se percebe a plateia rindo, e quando se está num lugar onde todo mundo ri, você se coloca em outro estado de espírito. Mas não tem jeito. Sei que vão assistir na TV e no ônibus, no metrô, o que talvez seja deprimente para quem fez, mas não é uma questão de ser contra ou a favor, porque é como é.

Um público-alvo diferente faz mudar alguma coisa no roteiro?
Isso é interessante na comparação com o cinema de estúdio. A produção aumenta muito nas plataformas, não tenho esse número, mas acho que vai multiplicar por cinco, por dez o número de filmes que vinham sendo feitos. E elas arriscam, fazem filmes de nicho, coisa que o cinema não pode fazer. Um estúdio que gasta 20 milhões para fazer um filme não pode arriscar não ter público. Eles são muito exigentes, tem que ter um ator famoso… tem que agradar, porque tem que recuperar dinheiro. Mas a plataforma tem um universo muito maior de espectadores, enquanto um universo de 15% da população vai ao cinema, 80% vê plataforma. Então dá para fazer filme de nicho, eles podem arriscar, tipo o filme Roma, do ano passado, um filme em preto e branco, falado em espanhol, sem ator famoso, jamais um estúdio faria esse filme, porém uma plataforma se permitir fazer.

E bem feito…
Ah, este ano, se você pegar a lista dos filmes que estão sendo cotados para nomeação ao Oscar, a maioria é Netflix e Amazon. Os estúdios estão tomando um pau feio. História de um casamento, Irishman, do Scorsese, meu filme está nessas listas também. Os estúdios estão fazendo filmes para um público tipo Joker (Coringa), que está cotado para ganhar prêmios, mas poucos filmes de estúdio estão nessa onda.

Quando pede um filme, o pessoal de streaming pede coisas diferentes de um estúdio?
O estúdio te cobra mais ter aqueles pontos que dão público, tipo fazer um plot (reviravolta no roteiro), formato de filme de sucesso. Na minha experiência, em estúdio a cobrança é maior. A Netflix deixou correr mais solto, me senti mais livre e mais apoiado.

E os estúdios vão fazer o que para concorrer?
Os estúdios estão se juntando às plataformas. Tem a AT&T, que está lançando plataforma com a HBO, a Disney, que está lançando uma plataforma como a Netflix, tem Apple, Amazon, Google. Daqui a três anos vai ter cinco ou seis Netflix, e todos os estúdios vão estar nessas plataformas. Então o que os estúdios estão fazendo é continuar produzindo, mas agora com um pé na plataforma.

Como você conseguiu colocar humor numa história sobre o Vaticano, e ainda sendo um deles um papa tão sério como Bento XVI?
O que tentei fazer é considerar os personagens não como duas instituições, mas tentei fazer disso uma conversa entre duas pessoas normais que por acaso são papas, então o tom do filme inteiro é muito íntimo, eles conversando sozinhos, podem ser eles mesmos, num tom muito pessoal, e a graça não vem de alguma piada, mas de detalhes, o que ele vê na TV, tomando Fanta, comendo pizza com a mão, não é uma piada, mas no filme ganha um efeito engraçado, não se espera que um papa coma pizza assim. Essas pequenas coisinhas dão um charme e acho que a coisa acabou funcionando, está recebendo uma boa resposta porque tem uma humanidade muito presente. E o roteiro era muito inteligente.

Entre diretor, roteirista e produtor, qual você acha a área mais complicada?
Cada um tem a sua complicação, acho que não tem a mais complicada. Mas o roteirista talvez seja o mais importante. Um bom filme, sem um bom roteiro, não rola. Sem um bom diretor ainda se faz um bom filme, sem um bom roteirista não. Se tiver uma escala do que precisa um bom filme, a primeira coisa é roteiro; segunda, ator; terceiro, um diretor.

Na prática, o roteirista é valorizado?
Não. O diretor é que fica com o crédito, com o melhor salário. Agora os roteiristas estão pegando um pouquinho mais de moral, mas por alguma razão, os caras falam que “o filme é meu”. Não, o filme é de quem escreveu, mas o roteirista não leva o crédito. Acho que é uma coisa meio que vem do cinema americano, o diretor acaba sendo mais exibido.

Em Cidade de Deus, há muitas cenas que podem ou não ser metáforas. A galinha fugindo, a faca afiando, a câmera que vai fotografar, mas sai um tiro. Como é que você usa a metáfora nos filmes? Essas cenas querem dizer algo ou são aquilo mesmo?
O processo é muito intuitivo. Acredito na razão, mas temos que usar a intuição e confio muito na minha. Algumas ideias parecem malucas, por exemplo, quando o papa em Roma resolve pedir uma pizza, eu acredito nelas e levo até o fim, filmo, monto e funciona. Mas muitas vezes é só uma intuição, não sei muito por quê. Me parece simpático, humano, mas nem tudo é uma metáfora, às vezes filmo e depois eu entendo, ou alguém me explica o que é, sabe? (risos). Às vezes não, tem imagens que eu quero fazer de saída, mas na maior parte das vezes é uma intuição, e depois alguém me explica por que é que eu tive aquela intuição.

Pega meio no ar…
É, algo que parece que vai bem. Por exemplo, nesse filme do papa, também, quando eu estava lendo o roteiro vi que tem uma vez em que o cardeal Bergoglio faz um discurso importante numa conferência internacional, o primeiro discurso dele contra o sistema econômico, que é opressivo etc., e que depois passou a ser o discurso corrente dele. Então ao fazer a cena, no meio do discurso, comecei a jogar imagens de muros, no México, na Palestina, na Hungria, todos os muros que estão sendo construídos ao redor do mundo. Me pareceu que tem a ver com essa coisa de a economia bloquear o acesso das pessoas, fazia sentido. E você vê na sala de cinema que, quando começa a entrar essas imagens, as pessoas reagem. Parece que funcionou. Então, são estalos em que a gente aposta.

Como é trabalhar com atores brasileiros e atores estrangeiros?
Não tem diferença, o que tem é de um ator para o outro. Cada um tem um processo para chegar no personagem. Seja brasileiro ou estrangeiro, os atores são todos parecidos em algumas coisas, todos têm medo, insegurança, alguns acham que não vão conseguir.

E a diferença entre um ator profissional e um amador?
Aí, é bem diferente. O profissional tem controle, sabe como ele tem que chegar no personagem. O amador é puro impulso. Um bom truque para lidar com atores amadores é pegar um ator que se pareça com o seu personagem, então ele não está interpretando, está sendo ele mesmo.

Fazer cinema é diferente no Brasil e no exterior?
O processo é o mesmo, cada etapa, como é organizado um set. Minha experiência pessoal é que os filmes que eu fiz fora têm muito mais dinheiro. Filmar aqui tem sempre um limite. Precisa de uma cena com figurante? Eu posso ter seis, não posso ter mil. Sempre se trabalha com restrição. Tem que filmar quatro páginas num dia. Lá fora, filmo duas, duas e meia, pode ir mais lento.

O cinema já é uma indústria no Brasil?
Nossa, andei lendo aí, parece que é coisa de 3 a 4 bilhões, maior que a indústria têxtil e a indústria farmacêutica, pensando só o Brasil. Incluindo aí publicidade, cinema, internet e TV. Já é uma indústria pesadíssima. Tanto é que na atual “administração”, se podemos chamar assim, estão tentando derrubar e não conseguem. Eles dizem que audiovisual é coisa de comunista, tem que cortar verba etc. Mas não pode cortar verba porque esse troço é muito importante para a economia, é um peso muito grande, falam em trezentas e tantas mil pessoas empregadas, é quase um milhão de pessoas se pegar as famílias que vivem do audiovisual, não dá para ir lá e meter a mão.

E para onde evolui essa indústria do cinema brasileiro?
Bom, pelos números a gente vê que televisão e cinema eram estáveis mais ou menos até o ano 2000, por aí. Então teve a lei do audiovisual (que permite que cada empresa possa doar 3% do imposto para a produção de filmes), e de uma hora para a outra apareceu o dinheiro, e aí passou de dez, doze filmes por ano, para trinta, quarenta filmes por ano. Depois, em 2004, toda TV a cabo foi obrigada a ter, pelo menos, três horas de produção nacional no horário nobre. Isso fez com que a indústria explodisse. Da noite para o dia, o Brasil precisava de mais duas mil horas de programação brasileira no ar. A produtora que fazia mais publicidade começou a fazer mais cinema. Quando resolvi fazer cinema, ninguém queria, tinha umas quatro escolas de cinema, porque não existia mercado, de repente, explodiu. Se você sai de uma escola de cinema hoje, se você é um bom montador, escreve um bom roteiro, você está empregado no ato, porque o mercado está muito aquecido.

O governo está falando em “filtros”, na Ancine e em outros lugares. É um tipo de censura?
É, mas é uma censura que não vai funcionar muito. Pode atrapalhar por dois ou três anos o mercado, mas eles não vão… enfim, essa turma vai embora, não é? Daqui a três anos eles foram embora e aí tudo volta ao normal. Cada vez que vejo uma ação desse tipo, de eles tentarem barrar um pensamento com o qual não concordam, o que me deixa aliviado é saber que eles passarão. E tentar censurar hoje é como enxugar gelo, você não consegue fazer a informação deixar de circular. Não é como na década de 1970, quando você prendia quatro ou cinco chefes de redação e controlava a informação, hoje não dá mais.

Você está otimista?
Não estou otimista. Estou aguardando passar essa onda. Minha crítica à gestão atual é primeiro na questão do meio ambiente, pois está sendo desmontado todo o sistema de vigilância e tal, o que é muita burrice, porque a ideia é explorar minério na Amazônia. Pô, podia fazer assim: no primeiro ano, faz uma superproteção de floresta, incentiva e melhora a vida das tribos, apoia a Funai, mostra que quer defender isso aqui. E depois tenta abrir brechas, sob algumas regras, para produzir ali, mas eles já começaram desmontando tudo, então não vão ter credibilidade, não vão conseguir. A biologia é o novo Vale do Silício, é o grande barato, é para onde vão convergir os negócios e o futuro, e a Amazônia é onde está a nossa biblioteca de Alexandria da biologia. Todas as bactérias estão lá, e o cara quer cortar e pôr pasto e acha que pasto é que é riqueza.

Como fazer com que as pessoas se engajem na questão ecológica?
Acho que as questões de meio ambiente a cada ano vão ficar mais na cara por causa da crise do clima. A gente já passou do momento em que podia fazer alguma coisa. Agora não podemos mais fazer, vamos ter um futuro bem ruim, vai piorar e vai numa escala muito grande. Já está muito assustador, mas daqui a quatro anos vai estar muito mais, e aí todo mundo vai necessariamente se ligar. Já que a gente não conseguiu antecipar, o efeito vai nos obrigar a fazer, a gente vai ter que dar atenção, porque estamos sendo atropelados. Sou muito pessimista, a nova geração está ferrada. E tenho netos, penso nisso direto.

O que você faz como ecologista?
Faço meu trabalho de comunicação onde posso. No encontro da Cúpula do Clima, que aconteceu em Nova York, em setembro, havia um movimento de empresários brasileiros chamado Amazônia Possível, tocado pelo Guilherme Leal, da Natura, ele tem um instituto e convidaram vários empresários, e teve um vídeo de abertura. A proposta é os empresários brasileiros se comprometerem com redução de emissão, com vários pontos para a proteção da Amazônia e para lidar com a questão do clima. Já que o governo não está fazendo, os empresários resolveram assumir esse compromisso e estão fazendo um documento que vai ser apresentado na COP do Chile, agora em dezembro. Participei de um painel que houve e teve o vídeo de abertura, que fiz com o Juliano Salgado e o Sebastião Salgado. Quero também fazer um longa sobre o clima.

E você tem fazenda, não é?
Sim, tenho fazenda onde planto muita árvore, e agora estou tirando a cana de uma fazenda e transformando numa agrofloresta. Já sou sócio numa fazenda de pupunha, em Pariquera, perto de Cananeia, chamada Floresta Viva. A gente planta mogno, guarandi, jequitibá e pupunha orgânica. É ótima porque produz alimento e absorve carbono. Sou obcecado por essa coisa de tirar um pouco de carbono do ambiente. E já está funcionando, tem a fábrica lá, e tem outra linha de produtos que chama Taió, também de pupunha. E também tem uma fazenda em Rifaina, no norte do estado de São Paulo, que tem cana, estou tirando cana e vou transformar também numa agrofloresta, com madeira e fruta. A ideia é uma fazenda que seja um pequeno aspirador de carbono. Então, é isso o que procuro fazer em nível pessoal, além de ficar falando. Calculo minhas emissões de carbono. Tenho empresa, carro, viajo de avião, então calculei minha pegada de carbono que é muito alta, mas o que planto de árvore por ano estou compensado por muitas…

Você faz essa conta?
Tem aplicativo para isso na internet. Na minha vida pessoal, preciso plantar 158 árvores (para compensar eu e minha mulher), o que é muito alto, e isso por causa de avião. Você entra no site, tem vários aplicativos e eles têm lá várias perguntas, se come carne, quanto viaja de avião por ano… aí que me ferra, porque vou muito bem em tudo, meu carro é híbrido, meio elétrico, né? Eu vou muito bem, meu nível de consumo é baixo, compro pouca roupa, mas na hora de andar de avião eu. Mas este ano plantei 7 mil, e no que vem vou plantar provavelmente trinta e poucas mil, estou com um saldo de carbono muito bom, não me sinto tão culpado.

E quando é que a preocupação com o verde vai chegar à área urbana, e a cidade vai ser sustentável?
Precisa aparecer alguém que goste disso, algum prefeito que entenda a importância. Quando mudei para cá, há uns 20 anos, apareceu um maluco na Secretaria de Parques da cidade de São Paulo, que resolveu, nos limites entre Osasco e São Paulo, ali na avenida Escola Politécnica, onde passo todo dia, aquele canalzinho, era uma coisa vazia, de repente começaram a plantar árvore ali de metro em metro, porque tinha mudado o cara da secretaria. Essa avenida está uma delícia agora que as árvores estão maiores. Mas isso foi porque um cara maluco apareceu lá, viu o espaço e falou: isso é meu (ri). É um cara que tem uma ideia e consegue fazer, está no lugar certo, na hora certa, com o dinheiro certo.

Talvez esse seja então o caminho da arte: chegar nas pessoas.
É, furar o bloqueio.

O que você recomenda para quem quer ser Fernando Meirelles?
Minha recomendação é sempre filmar, filmar, filmar. Filmar e montar, testar muito. Hoje é fácil. Quando comecei, eu fiz assim também, mas comprei aquele equipamento e ficava montando, testando algo experimental, mas era mais pesado com câmera, aquele equipamento todo, mas hoje, com telefone, tem que fazer um vídeo por semana, tem que fazer o seu canal de Youtube e treinar, treinar, treinar. Você vai entender de montagem mesmo a hora em que você faz. Coisas como enquadramento, fotografia, dirigir um ator, você tem que ir lá e fazer, olhando aula você vai aprender o conceito, mas não vai aprender, comigo foi assim.

 

Por Fabio Sanchez, com colaboração de André Sanchez

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