Bom dia. Que frio não? Eu queria comprar uma ceroula número 42. – Como? – Uma ceroula 42. – Desculpe senhor, não entendi. – Eu quero comprar uma ce-rou-laaa! -Senhor, não conheço esse item. Não temos. – Tem sim, olha uma ali! É pra vestir debaixo da roupa, no frio. – Ah, o senhor quer uma segunda pele? – Como? – O nome dessa peça é segunda pele. – Ahã, então tá. Me dá uma, número 42. Preciso também para meu cônjuge, de uma… – Desculpe senhor, pra quem? – Oras, para a minha mulher. – Ah bom. Mas o quê mesmo? – Uma anágua e uma combinação – Como? Não entendi. Uma água do quê? Combinação? O que é? É um combo? Tipo os que têm no McDonald’s? Desculpe novamente, não conheço esse item – Tá ,deixa pra lá. O que você tem de roupa para o frio? Japona? Poncho? Pulôver? Calça de veludo cotelê? Túnicas? Jaquetão? – De novo, senhor não temos nenhuma dessas peças. Mas temos para o frio os seguintes dress codes: pantalonas, cardigãs, anorak, calças baggys, slims, cargos e skinnys, boleros, boots, fuseaus, moletons térmicos, plushs, outwears… – Caramba, vou precisar de um tradutor! – Aperta a tecla SAP, senhor! – Tecla o quê? – Sorry, foi mal! – Galochas nem pensar, né? Esquece. Última tentativa. O que você tem para ginástica? – Ginástica? Meu Deus! Não tenho nada. – Como assim, naquela prateleira tá cheio de roupas de ginástica! – Onde? – Ali ó! – Ah, o senhor quer roupas para treinar, certo? Temos peças masculinas e femininas. Tudo dry fit. Conjuntos fitness, leggings, tops, croppeds, polainas, tapa bumbuns e bodys! Que número o senhor e sua mulher usam? – O quê? Bode? Para que vou querer um bode? É para se exercitar na ginástica? E que mais? Tapa bumbum? Eu quero mais é ver bumbum! Deixa quieto. – Senhor, temos vendas online. O senhor pode comprar pela internet. É só entrar no nosso site ou app, tem tudo lá. – O que é apê? Abreviatura de apartamento? Lá no apê tem a tradução dos nomes das roupas? Deixa para lá! Desisto, vou comprar em outro lugar. As lojas Garbo ficam perto daqui? – BUM! Barulho do vendedor desmaiando e caindo no chão.
Esse diálogo imaginário mostra como a língua é dinâmica. Existe um anglicismo exacerbado no nosso idioma e atinge todos os segmentos de mercado, mas é inexorável a evolução das palavras. Existem palavras que caíram em desuso e surgiram novas com força e sofisticação.
Veja alguns anglicismos que entraram no nosso dia a dia: bulling, bitcoin, compliance, coworking, crossfit, delay, delivery, deadline, lockdown, googlar, home office, online, notebook, personal, podcast, startup, streaming, webnario. Também de outras línguas temos influências: emoji, shiitaki, shimeji, poke, parkour, physique, maitre, sommelier, paparazzo, cappucino, chimichurri, paella. Da nossa língua, surgiram novas palavras: telemedicina, laudar, ciclofaixa, criptomoeda, edamame, etarismo, ecoturismo, feminicídio, grafeno, empoderamento, internetês, vegano, botox, metaverso, cibersegurança, renderização, blogueiro, LGBTQIAPN+, uberização, mitou, tuitar, bucomaxilofacial, sextou, mané e a minha preferida, que já está oficialmente em todos os dicionários, PELÉ! E que quer dizer excepcional, incomparável, único. Sem contar os neologismos que dão um novo significado às palavras que já existem: narrativa, cancelar, deletar, mico, grampo, mala, ficar, barraco, bico, bofe, curtir, laranja, gato e zebra são palavras que acabaram ganhando duplo significado, dependendo do contexto em que são usadas. Tem até o famoso “perdeu mané”. Até o corretor do meu notebook enlouqueceu, tentando entender as novas palavras. Imagina o cara do texto anterior.
Por Marcos Sá, consultor de mídia impressa, com especialização em jornais, na Universidade de Stanford, Califórnia, EUA. Atualmente é diretor de Novos Negócios do Grupo RAC de Campinas