A Reserva Florestal do Morro Grande, situada totalmente dentro de Cotia, e que ocupa cerca de um terço do território da cidade (10.000 hectares), é atualmente gerida pela Sabesp, que recolhe ali água para abastecer mais de 400 mil pessoas na Grande São Paulo. O objetivo do governo estadual de privatizar a Sabesp, já anunciado e aprovada em primeira etapa pela Assembléia Legislativa, lança dúvidas sobre que destino terá essa área, importantíssima não só do ponto de vista do abastecimento, pois gera esse bem tão precioso para nosso dia-a-dia, como também para a saúde ambiental da Grande São Paulo, já que integra o chamado cinturão verde, área em torno da mancha cinza da Capital que trabalha por um clima mais ameno em toda a região e pela preservação de espécies animais e vegetais, contribuindo enormemente para reduzir a emergência climática.
Não veio até agora a público que destinação teria a Reserva nesse processo de privatização. Como de resto ainda não foi explicitado o que aconteceria com o riquíssimo patrimônio ambiental pertencente à Sabesp na Grande São Paulo (44 mil hectares dentro de unidades de conservação, o que inclui a Reserva, segundo relatório ambiental de 2021 da própria empresa). As dúvidas sobre isso, assim como as pendências que há sobre a Reserva no âmbito do Judiciário, tem se agravado.
Em setembro passado, uma novidade tornou a questão ainda mais complexa. A 9ª Diretoria de Fiscalização do Tribunal de Contas do Estado (TCE) deu seguimento à petição de integrantes de movimentos de defesa da Reserva, Thiago Donnini e Rafael Ummus, denunciando “irregularidades relacionadas à gestão operacional e patrimonial da Reserva”.
Pela denúncia, o Estado descumpre há vários anos compromisso assumido de inserir a Reserva no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), e os denunciantes pedem que esse compromisso seja cumprido imediatamente. Eles colocam a necessidade de que essa inserção seja com a transformação da Reserva em parque estadual. Com isso, representam o desejo de vários movimentos e coletivos da Grande São Paulo que também pretendem ver instalado ali um parque, tais como o Salve o Morro Grande, o PanVerde e a Rede Nosso Parque. A transformação da Reserva em parque também conta com o apoio de conselhos de outros parques estaduais da região, como o Parque Jequitibá.
O documento no qual o TCE deu seguimento à denúncia, assinado pelo Chefe Técnico da Fiscalização Ezequiel José Baratter, indica que, de fato, não foram cumpridos os prazos estabelecidos na Lei Estadual nº 1949/1979 e na Lei Federal nº 9985/2000 (inserção da Reserva no SNUC e transferência da área à Fazenda do Estado) e, apesar de consistir em Unidade de Conservação, a área da Reserva Florestal do Morro Grande não é objeto de medidas específicas de gestão.
Omissão e precarização de áreas verdes do Estado
Portanto, o TCE indica que está havendo omissão da parte do Estado com relação à gestão de área tão importante. E ainda mais, o Tribunal conclui que, conforme informações da própria Sabesp, “a Fundação Florestal enfrenta inúmeras dificuldades na gestão dos parques sob sua responsabilidade, mormente de escassez de pessoal, deficiências na infraestrutura e falta de recursos financeiros, haja vista as frequentes solicitações de apoio feitas por aquela Fundação à SABESP, especialmente em relação aos Parques Estaduais da Cantareira e Serra do Mar”, indicando suposta precarização do órgão responsável pela gestão, caso concretizada a reversão desse próprio ao patrimônio da Fazenda Estadual.
Essa questão patrimonial da Reserva tende a causar complicações jurídicas, já que a lei nº 1.949, de 1979, que criou a Reserva, determina a reversão da Reserva à Fazenda Estadual, com medidas que deveriam ser tomadas dentro de 90 dias, mais um prazo que vem sendo descumprido há décadas. Deveria ser uma medida tomada pelo Estado na qualidade de acionista majoritário da Sabesp, que agora o governo pretende privatizada. Tal pendência tem potencial para se tornar um problema jurídico para qualquer empresa que venha a assumir a Sabesp.
O governo estadual chegou a iniciar um processo de concessão de três Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPNs) dentro da Reserva do Morro Grande, que seriam destinadas a empresas com passivos ambientais a serem saldados. Tal intenção não avançou, e os movimentos em defesa da Reserva posicionaram-se contra, até porque a Reserva, além de ter a própria lei de criação que já a protege, também é tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arquitetônico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). Não houve explicações suficientes a respeito dos motivos para criar ali, dividindo a reserva em três pedaços, mais uma estrutura, esta envolvendo ações de agentes privados, para supostamente protegê-la.
Em maio, foi criado um abaixo-assinado pedindo pela criação do Parque Estadual do Morro Grande, uma petição para ser enviada ao Ministério Público do Estado de São Paulo. Segundo o abaixo-assinado, embor aa área seja administrada pela Sabesp, “o maciço de vegetação, extremamente significativo no contexto da Região Metropolitana de São Paulo, e a riqueza da fauna e flora, não são objeto de medidas específicas de gestão, o que torna a Reserva Florestal do Morro Grande (RFMG) extremamente vulnerável à caça, coleta de produtos florestais, invasões, gestão inadequada de resíduos e outras perturbações decorrentes, por exemplo, da ferrovia que a atravessa”. Portanto, a área requer uma gestão específica.
Pelo menos dois deputados, um estadual, Carlos Giannazi, e uma federal, Luciene Cavalcante, também acionaram o Ministério Público Federal requerendo a criação do Parque Estadual do Morro Grande, devido à importância ecológica da área para a Grande São Paulo.
As dúvidas quanto ao destino da reserva persistem. A Prefeitura de Cotia tem dado sinais de que gostaria de vê-la transformada em parque municipal, porém a iniciativa é impopular junto aos movimentos ambientais devido à péssima gestão que a Prefeitura fez do Parque Municipal das Nascentes, permitindo que fosse desmatado e loteado em empreendimentos ilegais.
Para participar do abaixo-assinado que pede a criação do Parque Estadual do Morro Grande, CLIQUE AQUI
O Morro Grande não é a única área ambientalmente importante da região que o governo do Estado pretende ver administrada por uma empresa privada. O Parque Jequitibá, que está situado no território de três cidades (Cotia, Osasco e São Paulo), também está na lista dos nove parques estaduais relacionados pelo govenro como destinadas à concessão. Também está nessa lista o Parque da Juventude Dom Paulo Evaristo Arns (ex-Carandiru, na Zona Norte de São Paulo).
A concessão destes últimos nove parques deixaria o governo estadual destituído da gestão de todos os parques urbanos que já teve (outros como os parques Villa-Lobos e Água Branca já foram concedidos há um ano).
Em novembro, quando veio ao Parque Jequitibá para a inauguração de uma nova portaria, pelo lado de São Paulo, o secretário Executivo de Meio Ambiente da Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logistica (SEMIL), Anderson de Oliveira, afirmou que, no que se refere ao Jequitibá, o processo ainda está em sua fase inicial e não ha previsão de para quando haverá a concessão.
Movimentos ambientalistas se preocupam com a preservação da fauna e flora do local, já que a concessão resultaria em atividades comerciais dentro do parque. O Jequitibá tem o mesmo tamanho do Parque Ibirapuera, com a diferença de que mais de 70% de sua área é de mata, o que o torna um fragmento importantíssimo na manutenção do microclima na Região Oeste da Grande São Paulo.
Por Fábio Sanchez