Por Fábio Sanchez
Uma ação civil pública no início do ano, [a terceira ação judicial contra o empreendimento do condomínio industrial da empresa multinacional de logística Prologis, no km 26 da Rodovia Raposo Tavares] , faz surgir para a apreciação da opinião pública, e da Justiça, um documento esclarecedor.
Trata-se de uma certidão emitida pela Prefeitura de Cotia com uma interpretação questionável da lei. Ela mostra como começou uma sucessão de passos, que estão sendo questionados e que indicam por que a Granja Viana está vivendo o impasse da implantação de um condomínio empresarial e logístico de grandes proporções [galpões que preveem trânsito intenso de caminhões e cerca de 5 mil funcionários] encravado em uma das áreas residenciais mais antigas do bairro.
A certidão que deu origem à confusão e aos recursos judiciais, equipara a área de todo o terreno, que pelo zoneamento é ZCEU – Zona de Contenção de Expansão Urbana (cujo propósito é servir de amortecimento às pressões de adensamento imobiliário e à preservação ambiental da região), em ZUM – Zona de uso misto.
Para essa equiparação, a certidão remete ao artigo 17 da Lei Complementar nº 95/2008, que permite que imóveis situados na faixa lindeira de 50 metros da rodovia Raposo Tavares sejam “categorizados como Corredores Comerciais”. A área que hoje pertence à Prologis tem um pequeno pedaço que chega à Raposo, porém, estende-se para uma distância de mais de 500 metros da rodovia.
A interpretação, portanto, expandiu o que era a possibilidade de ocupação por um tipo de zoneamento industrial dentro da área de 50 metros às margens da rodovia, para o terreno todo, “contaminando” toda a área de 800 mil m2 devido à pequena parte que encosta na Raposo Tavares.
Ao avaliar a situação, a Cetesb deu-se por satisfeita com o fato de a Prefeitura ter aprovado a mudança, apesar de a área ser ZCEU, conter uma APP (área de preservação permanente) e nascentes, e não questionou a situação, partindo para sua avaliação já a partir do fato consumado.
“A área do empreendimento da Prologis tem apenas uma pequena testada para a Raposo e se liga por uma estreita passagem até o terreno encravado, que está a cerca de 500 metros da rodovia, ou seja, fora da faixa lindeira de 50 metros. Essa equiparação está absolutamente errada”, afirma o advogado Fabio Amaral, um dos autores da ação civil pública.
A ausência de planejamento público para a cidade de Cotia fica evidenciada com as ocorrências que envolvem esse terreno. E, o surgimento deste documento não surpreende integrantes da sociedade civil.
“A cidade não tem planejamento algum, as coisas vão acontecendo de repente, já chegam autorizadas, e tudo é surpresa já consumada. Não sabemos se Cotia vai ser uma cidade industrial, uma cidade focada na preservação e no turismo ou uma cidade comercial. A cidade não se pensa e isso não só engessa quem quer investir aqui como coloca em grave risco as áreas preservadas da cidade”, afirma Fernando Confiança, integrante do coletivo PanVerde, focado na questão ambiental da região.
Para Renato Rouxinol, vice-presidente da entidade AmoGV, composta por diversos moradores da região, “o problema é que a legislação da cidade é escandalosamente confusa. As gestões municipais nos últimos anos vem se empenhando em ampliar cada vez mais a confusão, interpretam como querem, tanto é que o próprio plano diretor, que deveria ser um documento sério e indicar nosso futuro, é uma bagunça que já foi até cancelado pela Justiça”.
Ação civil
A ação civil pública, foi uma iniciativa do Conselho Nacional de Defesa do Cidadão – CONDEC, ONG de Cotia; e da Sociedade de Amigos do Recanto Inpla – SARI, associação de moradores do bolsão de Carapicuíba, e pede a condenação da Prologis, da Prefeitura de Cotia e da CETESB, estas duas emissoras de documentos que autorizam a obra. A ação civil trouxe uma “certidão de diretrizes de uso e ocupação do solo” solicitada pelos então donos do terreno, a Pequena Obra da Divina Providência Dom Orione (Pequeno Cotolengo), para que em seu terreno, de cerca de 800 mil m2, pudesse ocorrer a incorporação de empreendimento imobiliário. O terreno foi vendido à Cyrela, que o vendeu posteriormente à Prologis, que pretende entregar o condomínio de logística em 2026.
Além dessa questão, a ação civil, assim como a ação popular já movida contra o empreendimento, destaca que, como mostra a planta anexa à lei de zoneamento de 2008, vigente naquele momento, a área do empreendimento é classificada pela lei como AIA – Área de Interesse Ambiental, e é importantíssima, assim como o Parque Cemucam, para o corredor ecológico que vai do Parque Jequitibá, na divisa com São Paulo, até a Reserva Florestal do Morro Grande, na divisa com Embu das Artes.
O imenso terreno escolhido para a área de galpões industriais fica situado entre diversos condomínios tradicionais da Grande Viana, construídos há muitas décadas, como Recanto Impla, Silvino Pereira, Fazendinha, Chácara dos Lagos, São Paulo II. Todos possivelmente sentirão os efeitos do trânsito de caminhões e de funcionários (a previsão é de que o empreendimento gere mais de três mil empregos), além dos serviços (entregas etc). O perfil da locomoção na região tende a se alterar radicalmente.
Os outros dois processos movidos contra o empreendimento são de iniciativa de uma moradora do condomínio Silvino Pereira, que teve a casa invadida por terra que deslizou da obra após desmatamento, e outro uma ação popular com outros moradores da região.
Posicionamento da Prologis
Consultada a respeito, a empresa Proloigis enviou nota afirmando que tem adotado procedimento adequado, de acordo com a legislação em vigor desde sua aquisição do terreno. “O Prologis SP 26 está em total conformidade com as normas legais e autorizações exigidas, incluindo as relacionadas ao uso do solo e à proteção ambiental. O projeto preserva 70% da vegetação nativa, realiza o plantio de 354 mil metros quadrados de árvores e protege todas as nascentes da área.” Acrescentou ainda que “a Prologis reforça seu compromisso com a sustentabilidade, o cumprimento da legislação vigente e o diálogo transparente com a comunidade e as autoridades competentes”.