Antenas levantadas, jaquetas de couro exibindo orgulhosamente o emblema do grupo, capacete ajustado, dessa vez o Rock n’ Roll pode ser deixado um pouquinho de lado porque o ronco dos motores já será o suficiente para garantir muito emoção no caminho.
Se você já assistiu filmes em que um grupo de motociclistas desfila com belas Harley Davidson, Triumphs Boneville, Indians, ou qualquer que seja a máquina sob duas rodas, saindo sem rumo pelas estradas da vida com todo aquele estilo bad boy, despreocupados até que se deparam com gangues rivais pelo caminho, talvez imagine do que se trata.
Mas vai descobrir que os Vultos são um grupo de motoqueiros aqui da Granja Viana que reúne muito mais do que isso.
A jornada até aqui
Em uma época em que as crianças ainda não viviam fixadas em seus smartphones e os adultos não passavam horas seguidas trabalhando em frente à tela de computadores. Época em que o jovem Paulo pilotou uma moto pela primeira vez, uma Yamaha RX125 motor 2 tempos especificamente. Apesar da descrição cinematográfica anterior, a realidade aqui no Brasil no início da década de 1980 era um pouco diferente. Quer dizer, não eram vistas motos como as Harleys devido às restrições que bloqueavam importações nesse período. Então, os amantes de motos só podiam contar com alguns modelos da Honda, Yamaha, Agrale ou as mobiletes que eram mais comuns. Mas dá para imaginar a emoção de um garoto estar montado naquela clássica RX, dar a partida no motor e o ponteiro da adrenalina disparar em seu peito. O momento em que homem e máquina se tornam um. Para Paulo, uma pessoa não vira motociclista, ela nasce com esse espírito dentro dela. Mas será que nesse momento um sonho por levar essa sensação a outras pessoas com esse mesmo espírito pode ter sido despertado?
A paixão por motos se deve em parte, por influência dos irmãos mais velhos que já pilotavam desde que Paulo era pequeno. Abraão tinha uma Yamaha TT180, e Jonas, uma Honda XL250. Ambos os irmãos já haviam sofrido acidentes com elas, mas isso não diminui o desejo de Paulo por ter sua própria máquina. O tempo foi passando e não demorou muito, até que o rapaz comprou uma CG Bolinha ano 79. Na época, usava para ir à escola, mas para aquele jovem, pode-se dizer que cada minuto em cima daquela motocicleta era uma emoção indescritível. Depois de alguns anos, as aventuras sobre duas rodas de Paulo o aproximou das más experiências de seus irmãos quando ele sofreu seu primeiro acidente: “foi minha vez de ser sorteado com 7 fraturas na perna esquerda”.
Dizem que quando a alma é forte, o corpo vale por dez. No caso dos motoqueiros de alma, você vai descobrir que esse número pode ser um pouco mais alto. Porque em 1995, Paulo não apenas já estava pilotando com todo o estilo novamente, como foi o ano em que junto de outros três amigos, fundaram o Moto Grupo Rota 51.
No ano seguinte, se juntaram a uma facção de outro moto clube em Guarulhos. Podem parecer curtas passagens, mas foi quando houve o primeiro contato com atividades dentro de um grupo oficial e descobriu o que é ser membro de um moto clube na prática. Acredite: uma coisa é ver sobre esses clubes em revistas ou filmes, outra é sentar em um bar e ouvir histórias de pessoas que conhecem de perto, e outra é você fazer parte. E isso foi determinante para a formação do Malditos Moto Clube em 15 de setembro de 1997, que mais tarde se tornou o Vultos Moto Clube.
O moto clube dos granjeiros que teve início com três amigos, hoje conta com cerca de 20 integrantes oficiais, já participou de eventos de categorias nacionais e até fora do país. Mas o grupo não faz questão de se gabar por esses números tão bem merecidos. “Sempre lembrando que o mais importante não é a quantidade de membros, e sim, a qualidade. Hoje para fazer parte de um grupo tão seleto igual ao nosso, é para poucos”, comenta o fundador e presidente do Vultos MC, o Paulo.
Apenas uma atividade de hobbie ou um estilo de vida?
Se você pensou que esse moto clube só se tratava de amantes de motos que se juntam uma ou outra vez por mês para tomar uma cerveja, em partes você acertou. Porque parece que juntar a galera e tomar uma cerveja gelada, eles não vão recusar. Mas chegou a hora de entender quem são os Vultos e como eles vão além dessa ideia.
Os Vultos estão na estrada há quase duas décadas, e para isso, no mínimo foi preciso ter uma boa liderança e organização para manter essa família unida. Hoje, a diretoria do grupo pode contar com o Paulão, fundador e presidente, o Pancho, Vice-presidente e o Texugo que é Diretor Financeiro.
A diversão é importante, mas fazer parte dos Vultos também é seguir um código. Isto é, algumas diretrizes que eles mais prezam, como disciplina, ética, trabalho em equipe, cumplicidade, irmandade e principalmente o respeito. “Acho que é isso que une as pessoas aqui no clube. Uma verdadeira família. Falar sobre essas virtudes é fácil, aplicar e segui-las é para poucos. É por isso que sempre uso a seguinte frase Entrar em um Moto Clube é fácil, permanecer que é difícil!. Em nosso brasão, temos o lema Motociclistas Por Amor”, descreve Paulão sobre as diretrizes do clube.
São mais do que instruções, os membros dos Vultos acabam aprendendo a aplicar essas práticas em seu dia a dia. Não é que seja um grupo radicalmente regrado ou seletivo na escolha de seus membros, mas é importante entender que não é um grupo de bad boys fazendo o que querem. E falando em perfil dos membros, não existe um. Os vultos são um clube formado por pessoas de diferentes idades, estilos e até com vidas pessoais bastante variadas fora do grupo, mas que possuem uma relação de família e um código moral, ligados por seu amor por motos: “No Clube existem pessoas com diversas profissões, funcionário público, TI, mecânico industrial, técnico em eventos, chefe de cozinha, analista de crédito, entre outros. O que une essas pessoas é a paixão pela motocicleta, estrada e principalmente a disciplina de um grupo, priorizando sempre o respeito”.
Relatos de aventuras
Tantos anos na estrada com elegantes máquinas certamente já renderam relatos de bons e maus momentos. Situações engraçadas ou até desafios ao longo desse tempo. E fazer parte dos Vultos, no mínimo, requer que você esteja disposto a viver de tudo um pouco. Mas o melhor de tudo é compartilhar esses momentos com amigos fiéis que estarão o tempo todo ao seu lado para o que der e vier.
“São muitas histórias e viagens ao longo desses 22 anos. Uma que foi feita para o Deserto do Atacama com os integrantes RG e China, outra para a Argentina feita pelo nosso Vice-presidente Pancho e Teodoro (In Memorian), uma aventura que fizemos com um comboio de 7 motos para Pomerode/SC e a mais recente feita pelo Texugo, cruzando todo o interior do Brasil rumo a Paraíba”, relembra Paulão.
Um clube que também se presta a causas humanitárias
Existe um notável compromisso de respeito e fraternidade dentro do clube, mas os Vultos se mostram ter um papel importante mesmo fora do clube. “O clube desenvolve algumas campanhas solidárias, como arrecadação de alimentos não perecíveis em nossos eventos, que são enviados para as instituições filantrópicas da cidade”. Explica André “Texugo”.
E em tempos de combate à pandemia ao covid-19, adotaram as medidas restritivas estabelecidas pelas unidades de saúde e até suspenderam as reuniões na sede do moto clube. Pode ser bem desanimador para um grupo com espírito aventureiro, ter de manter suas motocicletas acomodadas nas garagens durante tantos dias, mas é uma medida necessária diante das ameaças da doença.
“Estamos seguindo as orientações da OMS, portanto, alguns estão em casa e os que podem trabalhar remoto (home office), continuam trabalhando normalmente. Aos finais de semana, estamos cuidando das motocicletas (sem sair de casa), deixando-as em ordem para em breve rodarmos”, completa Texugo.
O que é preciso para se tornar um Vulto Oficial?
Existe muita festa, mas também existem regras e organização para que o clube funcione. As reuniões ocorrem uma vez por mês, mas para um integrante fazer parte oficialmente do MC, há um estatuto e um regimento interno que deve ser lido pelos interessados antes de ingressar no clube. No regimento há uma apresentação das regras, algumas dicas e como ele deve ser conduzido na integração. Existe também um diretor de disciplina para apresentar os princípios do grupo ao ingressante. O prazo mínimo para essa associação leva, pelo menos, um ano.
Onde são encontrados?
A sede do clube está situada no Ice Rock Bar, ali no Jardim da Glória. O presidente do clube garante que será muito bem recepcionado quando quiser conhecer um pouco dessas pessoas e desse lugar onde reúnem um pouco de tudo que contamos até aqui. “Onde você pode curtir um bom e velho Rock’N’Roll, beber uma cerveja estupidamente gelada, comer uma deliciosa porção, especialmente a de joelho de porco, e curtir as motocicletas”, finaliza Paulão.
Por Eric Ribeiro