A estrutura de poder do nosso país está dividida entre quem cria as leis, quem executa as leis e quem julga a aplicação das leis. Vivenciamos com mais intensidade os reflexos dos atos de quem legisla, sejam os vereadores e deputados, e quem executa as leis, prefeito, governador ou presidente (a!). Agora, e os juízes e promotores, como influenciam o nosso dia a dia?
“Eleitos” por meritocracia via concursos públicos, são profundos conhecedores de Direito e sua dedicação salta aos olhos pela leitura de estatísticas de seu trabalho. Muito embora a estrutura do Poder Judiciário, como regra, seja obsoleta, com processos durando anos a fio, em muito este ente da estrutura de poder tem avançado, notadamente com a criação de processo judicial eletrônico sem papel, com nova legislação de processo visando à rapidez dos julgamentos, a tentativa de uniformização de decisões evitando que processos repetitivos sejam julgados de forma distinta, e, sobretudo, com a importância que a sociedade tem atribuído a esse poder especialmente pela relevância política e social dos resultados da Operação Lava Jato.
Quem são essas figuras reservadas e de discrição acima da média, juízes e promotores de justiça, que exercem papel fundamental na sociedade?
A revista Circuito procurou fazer um raio-X da estrutura de Poder Judiciário em nossa cidade. Também procurou conhecer o Ministério Público e sua atuação e efeitos no nosso cotidiano.
Os juízes estão encarregados de analisar a adequada aplicação das leis em nosso dia a dia. Seja na cobrança indevida no cartão de crédito, na solução do problema com o inquilino, na cobrança dos direitos do trabalhador demitido sem receber seus direitos, em tudo são indispensáveis. Os promotores são os fiscais da lei. Agem em nome do Estado para que a lei seja cumprida, pleiteando junto ao Poder Judiciário decisões nesse sentido.
Cotia possui a Justiça Estadual, competente a julgar questões na esfera patrimonial (cível), familiar, tributária, penal e eleitoral. Em Cotia temos 3 Varas cíveis, uma Vara Criminal e o Juizado Especial Cível. Também contamos com Justiça do Trabalho, dividia em 2 Varas, que julgam os conflitos entre quem emprega e quem é trabalhador para toda a cidade de Cotia, Vargem Grande Paulista e Ibiúna. O Ministério Público estadual se faz presente, sendo responsável por investigações em torno de questões de administração pública, meio ambiente e urbanismo.
Confira a seguir o perfil institucional de cada ente e alguns números impressionantes.
Ricardo Navarro Soares Cabral
RC- Há quanto tempo o senhor ingressou no Ministério Público e o que exercia como atividade principal
RN: Ingressei no Ministério Público no dia 10 de abril de 2002, tenho 14 anos e meio como Promotor de Justiça. Durante 3 anos advoguei e fui juiz de direito do Maranhão. Prestei o concurso do Ministério Público do estado de São Paulo, para ser promotor.
RC – Que tipo de denúncias por irregularidade são, na maioria das vezes, noticiadas aqui?
RN – Em Cotia, a gente tem bastante denúncia na área ambiental, tendo em vista o crescimento desordenado da cidade e essa proliferação de condomínios e bolsões irregulares. Temos, também, bastante denúncia face essa aproximação que está acontecendo entre o Ministério Público e a sociedade. Recebemos bastante denúncia criminal, de tráfico de drogas, roubo, de pessoas vinculadas ao crime e que têm armas em casa.
RC – Qual é o maior desafio já enfrentado, enquanto promotor aqui em São Paulo?
RN – O desafio maior do Ministério Público é o combate ao crime organizado, principalmente dos crimes intelectuais, aquele que está nas elites desse país, porque o combate ao crime organizado feito nos delitos de rua, do tráfico de drogas, ao PCC (Primeiro Comando da Capital), vem sendo feito, não da maneira como deveria ser feito, mas já se iniciou. Acho que é um desafio para o Ministério Público Estadual, o Federal não, pois está um pouco mais a frente da gente. Por outro lado, eu acredito muito na atuação preventiva do Promotor de Justiça, sendo que um dos meus maiores desafios é promover a infância e a juventude, para que a gente possa ter uma juventude sadia, onde não se perpetue essa Lei de Gerson, que arrebenta com esse país. O Ministério Público tem que atuar como agente político e atuar na repressão, mas também atuar na promoção, para que tenhamos direitos iguais para todos.
RC – Em termos numéricos, por mês, em média quantas novas investigações são instauradas e quantos processos judiciais são iniciados com a iniciativa do MP?
RN – São muitas novas investigações nessa área criminal. Eu tomo bastante cuidado para não estourar muita a investigação, justamente para não me perder no volume de serviços. Mas investigações, que a gente tem feito de maior relevância, são com escuta telefônica, com campana, fazendo um trabalho de investigação e de inteligência, são umas duas por mês, no máximo. Mas chegam muitas notícias crimes, que enviamos para a delegacia. Quando a gente entende que a delegacia não tem uma estrutura boa pra fazer investigação, ou seja, porque a pessoa investigada tem um poder, no submundo, muito grande, quando a gente acha que ela tem alguma vinculação, ou pode ser que tenha algum agente público envolvido, aí instauramos no Ministério Público. As denúncias grandes, nós temos mantido no Ministério Público, pois envolve PCC, agente público corrupto. Na área ambiental, temos umas 20 ou 30, por mês, que a gente instaura, pois o volume é muito grande. Nós comunicamos os fatos para a Polícia Militar Ambiental, mas instauramos, também, inquérito civil para apuração sobre a questão do dano ambiental. Na área da infância, instauramos em torno, também, de 20 ou 30. Instauramos um procedimento chamado PANI, que é um acompanhamento individual do menor. Eu tenho uma preocupação muito grande do menor na escola, então faço, em média, umas 20 reuniões por semana, para conscientizar o menor e os pais da importância da educação, do retorno dele para a escola, pois a gente só vai conseguir mudar esse país, sim, com pressão do povo e da mídia, mas quando tivermos um povo que enxergue o que está acontecendo, se não, sempre serão eleitos as mesmas pessoas.
RC – Em termos práticos, como você reputa de forma positiva os reflexos das ações do MP para a cidade?
RN: A cerca de 3, 4 anos, estamos nos preocupando sim, com a questão da inclusão social. Então, acho que isso, tem um bom reflexo para a sociedade, ainda de forma incipiente, pois nossa estrutura ainda é muito pequena, temos que evoluir a estrutura do Ministério Público, para conseguirmos ter algum alcance. Em termos práticos, na área da cidadania, existe um destaque, a cerca de 3 anos o promotor de justiça Rafael Correa de Morais, um excelente promotor, tem ingressado com diversas ações civis públicas, então existem diversos agentes públicos que estão cumprindo seu mandato. Estamos ingressando com ação contra convênios irregulares, feitos pela Prefeitura. A sociedade tem alimentado o MP com informações, afinal de contas, a sociedade nos conferiu, não para termos poder, mas sim para exercê-lo de maneira correta, com bom senso. Na área criminal, temos bastante denúncias também. Temos prendido agentes públicos, dando um aprofundamento no crime organizado, instalado dentro da sociedade, que vai dar bons frutos num o futuro próximo. Temos promotores que trabalham e honram o seu salário mais por outro lado temos também uma grande parcela daqueles que só estão interessados em receber o salário no final do mês.
RC – A política local, no que lhe é pertinente, demonstra algum esforço e comprometimento para contribuir com a redução das irregularidades apontadas pelo MP?
RN – Sou sincero em dizer que existem diversas irregularidades, e estamos passando por um momento financeiro, no Brasil inteiro, bem difícil. Então tenho pressionado com bom senso, pois sei que não poderemos construir 50 creches em um ano, mas num Município pressionado às vezes, não no prazo que eles se comprometem, as respostas aparecem. Por exemplo, foi necessário a criação do abrigo municipal, pois haviam muitas demandas, ai fiz um TAC com a prefeitura, para ela fazer o abrigo, eles assinaram e contribuíram em tudo, mas tive que ficar dando cada vez mais prazo e pressionando ate sair.
A questão dos camelôs em Cotia, que ficou até famoso na cidade pela retirada deles na praça. A retirada foi feita pela prefeitura, mas a minha preocupação foi desocupar a área pública, porem fazendo com que eles fossem realocados em um ambiente correto. Já existia um TAC anterior a minha chegada, que falava sobre a construção de um centro popular, que é um centro onde vão abrir uns boxes, onde esses camelôs vão poder trabalhar, mas de maneira legalizada, inclusive com produtos corretos, e não como era ali, onde eram comercializados só cds piratas e roupas falsificadas, onde o crime organizado se instalou. Uma das maiores preocupações minhas lá, foi o tráfico de drogas, pois tinham dois pontos de tráfico dentro daquela praça. Então o crime organizado se instala onde o estado não está. Eles têm contribuído, não posso dizer que eles estão virando as costas para o Ministério Público. Mas eu tento ter um bom senso enorme pra entender as dificuldades que o município tem e que deve estar passando, e do outro lado eu tento ter bom senso quando existe uma justificativa no não cumprimento desse prazo, para não ingressar com as ações de execução de multas desses tacs que não foram cumpridos no prazo.
RC – O crescimento da região tem influenciado no aumento de algum tipo de irregularidade em específico?
RN – Existem diversas irregularidades. Seja na questão ambiental, invadindo as beiras de rios e causando erosão, seja na questão da habitação, que acaba trazendo a favelização da cidade, seja na questão da saúde, que esse aumento desordenado acaba gerando um gasto enorme pra saúde, enfim, todo esse crescimento desordenado e essa pressão que São Paulo exerce na Grande SP, tendo em vista que os imóveis em SP tem um custo mais alto por metro quadrado, então acaba gerando uma pressão populacional, essas pessoas migram pras regiões metropolitanas.
Há um bom tempo, uns 10 ou 15 anos que SP exerce essa pressão, empurrando essa massa de pessoas com pouca condição financeira, para as cidades que contornam SP. E isso é um prato cheio pra se criar aquelas áreas invadidas, essas invasões tão nefastas para a sociedade. As pessoas vêm sem condições financeiras, então tem a questão do desemprego, o aumento da criminalidade, pois as pessoas não têm condições de arcar com as despesas mensais e acabam caindo para a criminalidade.
Ainda para completar, temos a questão da educação, pois o número de creches necessárias, cada vez aumenta mais, pois as pessoas necessitam trabalhar, tanto o esposo quanto a esposa, e a criança precisa ir para uma creche, e ai o município precisa arcar, cada vez mais, pois é uma garantia prevista na constituição, que o Ministério Público corre atrás para que sejam construídas as creches e garantidos este direito.
RC – O que te agrada mais aqui em Cotia?
RN – As pessoas. Em Cotia, desde que cheguei aqui, fui bem recebido. As atitudes que o MP toma, em algumas vezes sou eu, outras não, e eu acabo aparecendo. Essa questão, por exemplo, de ações civis públicas contra os desvios do dinheiro público, quem ingressa com as ações é o Dr. Rafael, e muitas vezes as pessoas na rua me parabenizam pelas ações e eu falo: “Não foi eu, foi o Dr. Rafael”, e acabo levando esses louros. Parece que existe uma boa sintonia entre o que o povo quer, e o que o MP está fazendo, coisa que eu me ajoelho toda noite antes de dormir, e peço para Deus que eu não perca esse centro. Eu não estou aqui para agradar ou desagradar ninguém que manda nesta cidade, estou aqui para fazer o que é necessário para o povo. Infelizmente, algumas atitudes do MP, no primeiro plano, parecem que são contrárias ao interesse do povo, mas não, estou querendo proteger elas. E precisamos preservar a vida, que é o maior valor que a gente tem. O MP tem que ser fiscalizado pelo povo. O povo que manda no Ministério Público, no bom sentido, não que o MP faz aquilo que o povo quer, mas sim, para quem nós prestamos é para o povo, não é para nenhum mandante de nenhum cargo público, o qual, muitas vezes, colocamos eles no banco dos réus, porque eles merecem, pois cometeram os delitos.
RC – Doutor, vamos imaginar que o senhor será prefeito de Cotia por um mês, não mais do que isso. Nessa condição, o que o senhor priorizaria?
RN – Primeira atitude seria mandar embora os portadores de cargos comissionados. Existe um cabide enorme de emprego que já é objeto de ação civil pública, e infelizmente a ação que o Dr. Rafael ingressou, não obteve o êxito total na medida liminar, mas seria fazer com que houvesse, no Ministério Público, os cargos que são concursados não fossem mais ocupados por quem é comissionado. Justamente, porque isso é usado politicamente. Nessa eleição tenho visto isso bastante, quem não apoia aquele que o mandatário entende que deve ser o futuro prefeito e são comissionados, tem sido demitido sem o menor pudor. Se você não apoia, você está fora… E o comissionado fica sujeito a isso, ou você faz aquilo que o mandatário quer, ou então você está fora, é demitido sem motivo. Eu iria olhar, também, para as questões sociais, parar de ficar fazendo estradas, promovendo esse crescimento desordenado e se preocupar na qualidade da educação, da saúde, que eu acho que são direitos mais do que essenciais de qualquer cidadão.
Nesse um mês, eu acho que iria arrumar bastante inimigos, porque o sistema político não está acostumado a ordem e ao progresso nesse país. Ele é um sistema que se alimenta de desordem, e é assim que sobrevive o sistema político, infelizmente. Acho importante um promotor não se esconder no seu “castelinho de areia”, e ter esse contato próximo com o povo. Mas eu não sobreviveria um segundo na política, porque esse toma lá da cá ia acabar, e nesse um mês ia arrumar uns 500 mil inimigos. Então esse favorzinho, essa Lei de Gerson, ia ser uma das coisas que eu ia tentar acabar. Mas a política hoje, no Brasil, sobrevive disso, é só vermos os últimos acontecimentos em Brasília, que vemos que se sobrevive assim.
Como eu disse antes, Cotia está no 2km de uma maratona de 42km.Estamos no combate à corrupção da elite podre desse país. Então tenho um receio muito grande, das pessoas acharem que caíram as pessoas de um partido, que isso terminou. Isso é sistemático, os partidos fazem cada um do seu jeito, uns mais, outros menos.Uns sistematizando mais o país e outros menos a corrupção dentro do Estado. Mas todos sobrevivem de uma maneira completamente contrária ao interesse público.
Diogenes Luiz de Almeida Fontoura Rodrigues
Juiz de Direito
2ª Vara Cível de Cotia
RC- Há quanto tempo ingressou na magistratura?
Meu ingresso na magistratura ocorreu em 16/08/2006, como Juiz Substituto da Circunscrição de Itapecerica da Serra (que também engloba a Comarca de Cotia).
RC- Quais os tipos de questões apreciadas?
Atualmente, a 2ª Vara Cível de Cotia, pela qual respondo, é responsável pela apreciação das demandas relativas a direito civil, família e sucessões, empresarial, falência e recuperação judicial, bem como anexo fiscal da Comarca (em conjunto com os demais juízes cíveis), ou seja, todas as questões que não estão afetas à seara Criminal e Infância e Juventude.
RC- Em termos numéricos, por mês, em média, quantas audiências são realizadas?
A 2ªVara Cível realiza mensalmente cerca de 120 audiências.
RC- Quantos processos são julgados?
Em média na 2 ª Vara Cível, mensalmente são julgados 380 processos, sem contar, ainda, as decisões e sentenças proferidas no Anexo Fiscal da Comarca que hoje conta com quase 70.000 execuções fiscais em curso, divida entre 4 juízes.
RC- O crescimento da região tem influenciado no aumento de algum tipo de demanda em específico?
O crescimento da região acarreta o aumento de diversas espécies de demandas judiciais, em especial aquelas relacionadas a empreendimentos imobiliários.
RC- As obras do novo fórum comportarão o crescimento da cidade e, consequentemente, da demanda por novos julgamentos?
Segunda estudo prévio à realização das obras, a reforma e ampliação realizadas (ora em fase final) comportarão o crescimento da demanda judicial, ao menos, pelos próximos 10/15 anos.
Carlos Alexandre Aiba Aguemi
Juiz De Direito
Tribunal De Justiça Do Estado De São Paulo
3ª Vara Cível De Cotia
RC- Há quanto tempo ingressou na magistratura?
Ingressei na magistratura em 28 de maio de 2010 (6 anos e 4 meses);
RC- Quais os tipos de questões apreciadas?
Cível, Família e Fazenda Pública;
RC- Em termos numéricos, por mês, em média, quantas audiências são realizadas?
30 audiências por mês
RC- Quantos processos são julgados?
300 sentenças por mês;
RC- O crescimento da região tem influenciado no aumento de algum tipo de demanda em específico?
O crescimento da região tem ampliado em especial demandas a envolver construtoras (por ex: ações de rescisão de contrato em razão do não pagamento e ações de obrigação de fazer em razão de atraso na entrega de unidades ou de entrega de imóvel com vícios de construção);
RC- As obras do novo fórum comportarão o crescimento da cidade e, consequentemente, da demanda por novos julgamentos?
O novo fórum trouxe melhoria à prestação do serviço jurisdicional, o que beneficia, em especial, o jurisdicionado, e está em conformidade com o crescimento da cidade;
RC- O que mais lhe agrada em Cotia?
O que há de melhor em Cotia é a coexistência, num só lugar, de aspectos de cidade grande e de cidade interiorana;
RC- Hipoteticamente apenas, se fosse prefeito da cidade por um mês, o que priorizaria em seu mandato?
Se fosse prefeito por um mês, priorizaria o que todo gestor público, em qualquer cidade do mundo deve priorizar, educação pública.
1º Vara de Cotia
Sobre a primeira vara do trabalho:
21 audiências diárias
258 novos processos por mês
123 processos julgados por mês, sendo 87 acordos, ou seja, 70% de acordos.
Pauta de audiência para processos até 40 salários mínimos para abril de 2017
Pauta de audiência para processos acima de 40 salários mínimos se inicia em outubro de 2017.
2º Vara de Cotia
Sobre a segunda vara do trabalho:
15 audiências diárias em média;
210 processos novos recebidos por mês;
100 processos são julgados por mês, sendo 50 processos concluídos por acordo;
Pauta de audiências para casos de valor de até 40 salários mínimos se inicia em abril de 2017.
Pauta de audiências para casos de valor acima de 40 salários mínimos se inicia em abril de 2018.
Por: Ricardo Costa Monteiro