Não é caiçara, mas foi nas areias da praia, ou melhor, nas ondas do mar que mudou o rumo de sua história. Marcelo Luna veio de uma família humilde, cresceu na COHAB – uma “favela em pé”, como ele mesmo diz – e teve uma vida cheia de obstáculos. Entre eles, o vício em álcool e drogas aos 11 anos de idade, abandono do pai alcoólatra e um acidente que, por pouco, não o deixou tetraplégico. Esses foram alguns dos desafios que o surfista brasileiro precisou encarar até realizar o sonho de dropar Nazaré, em Portugal. Hoje, está prestes a fazer “algo inédito” em uma das ondas mais temidas do planeta, mas não revela detalhes ainda. Um dos grandes destaques em sua modalidade no surfe, indicado três vezes ao Big Wave Awards, o Oscar das ondas gigantes, e condecorado com Big Rider, no Surfer Wall Museum, Luna acaba de escrever uma biografia, onde conta sua história de vida inspiradora. Luta também por um propósito: o combate às drogas. Ele mantém um projeto social em que ministra palestras em comunidades e escolas públicas para alertar e esclarecer os jovens sobre o tema. Em um bate-papo gostoso com nossa equipe, ele conta dos “perrengues” pelos quais passou – que, segundo ele, ajudaram a moldá-lo e a torná-lo a pessoa que é hoje -, fala da sua relação de amor e gratidão com o surfe e traça os planos para o futuro. E a Granja Viana, onde entra nesta história? Com o bairro, ele tem uma relação que começou por conta da profissão e que se transformou em paixão: adora atravessar o Rodoanel – ele mora em São Bernardo do Campo – e vir para cá curtir a natureza e os bons restaurantes, enquanto não está surfando. Com vocês, aquele que se acostumou, ao longo de toda a sua vida, com os desafios do inesperado.
Skatista infantil convertido em surfista na vida adulta, tornando-se especialista em encarar ondas gigantes. Quem é Marcelo Luna?
Um cara simples que, na verdade, nada mais quer do que viver a vida da forma mais intensa possível e não deixar passar as oportunidades para lá na frente pensar “por
que não fiz?”. Sou uma pessoa que acredita que tudo vai dar certo, ainda mesmo que
tudo esteja errado.
Foi gerente de banco, dono de imobiliária, supervisor de call center da TIM… Como chegou ao surfe?
Tive uma vida comum, como todo mundo. Fui office boy no fim dos anos 90, servente de pedreiro, garçom… Trabalhei como qualquer pessoa que precisa se manter. Já tinha me envolvido com o esporte e sempre quis me tornar atleta, mas, um dia, o surfe entrou na minha vida e quando conheci, tive a certeza disso.
É verdade que, mesmo não sabendo nadar, encarou o desafio de surfar aos 16 anos?
Sim (sorri). Um amigo me convidou, insistiu e acabei indo. E me apaixonei. Na real, não
pelo fato de surfar, porque nem surfei, mas porque me senti desafiado e eu odeio não
conseguir fazer algo.
E isso quase lhe custou a vida, não?
Fui ajudado por um surfista a sair do mar, porque nem sabia como remar na prancha. Se não fosse ele, com certeza, me afogaria pelo pânico.
Como superou este medo?
Eu sou um cara que aprende na marra a superar as coisas na vida. Acho que foi natural. Como disse, não gosto de ser desafiado e não conseguir, então surfar era meu obstáculo.
E hoje, já sabe nadar?
Com certeza, pois se não soubesse já tinha morrido nas ondas gigantes (risos).
Quando foi a primeira onda da sua vida?
Surfei de verdade quando fiquei em pé pela primeira vez em Peruíbe, no litoral de São Paulo. E sabe que, desde o dia em que pisei na prancha, falei em alto e bom som: vou ser
surfista. Tudo que eu fazia era para poder ganhar dinheiro para me dar condição de investir na minha carreira.
O que o esporte representa para você?
Tudo! O surfe é meu trabalho, minha filosofia, propósito, paixão, hobby e mudou o rumo da minha história.
Em que sentido?
Porque fez mudar tudo que conhecia e pensava sobre a vida e me ensinou valores.
Você tem uma carreira meteórica na seleta modalidade de surfe de ondas gigantes. Como se deu isso?
Nunca pensei em surfar onda grande. Quando comecei, morria de medo, não sabia nem nadar. Passei dos 16 aos 17 anos sendo chacota dos amigos. A gente ia surfar e eu ficava só na beirinha. Continuei ali por muito tempo, até que um dia falei: “Quer saber? Se tiver que morrer, morro afogado”. Aprendi. (para e pensa) Fui para a maior onda do mundo em uma época em que poucos dos melhores do planeta iam. Acho que tudo aconteceu porque eu planejei para que acontecesse! Quando surfei aquelas ondas, todos queriam saber quem era o desconhecido que estava ali. Eu sabia que um feito desse por alguém que ninguém
sabia quem era seria muito valorizado, e deu no que deu.
Foi indicado três anos consecutivos ao Big Wave Awards, o Oscar das ondas gigantes…
Foi uma honra porque eu estava entre os melhores do mundo na maior premiação que existe na categoria, e isso fez meu nome.
Qual a sensação de ter sido condecorado com Big Rider, na Surfer Wall Museum, de Nazaré (Portugal)?
Isso é o maior de todos os prêmios que posso ter. Qualquer pessoa no mundo pode ver e saber quem é o cara de São Bernardo do Campo que desafia todas as possibilidades e fez história.
Ser de São Bernardo do Campo é um detalhe que o difere dos demais surfistas.
Realmente, uma coisa é alguém que mora na praia e surfa todos os dias. Outra é alguém
da cidade que treina com uma metodologia criada por si na academia e só entra no mar quando está gigante e tem o mesmo rendimento dos melhores do mundo. (para
e pensa) Por isso, me torna diferente. Foram muitas as entrevistas que dei e em todas elas
sempre surge este mesmo assunto: “Marcelo, como você conseguiu fazer tudo o que fez
sendo de São Bernardo do Campo”? Eu, de fato, desafiei todas as estatísticas, quebrei
padrões, divergi o contexto do meu CEP de origem. Mas o que aconteceu é simples: eu
tive fé, e acreditei!
Antes de domar Nazaré, precisou encarar outro desafio muito maior: o vício em álcool e drogas mais do que precoce. Como superou?
Na verdade, tudo isso tem o surfe como instrumento. Foi o esporte que me ensinou alguns valores, me aproximou de Deus e me fez enxergar a vida de outra forma. (para, suspira e continua) Acho que somos moldados para suportar o que a vida prepara para nós! Eu nem posso dizer tudo que passei, porque talvez seria um filme de terror infantil. Mas o fato é que isso me moldou e me fez o que sou hoje. Meus valores e princípios foram forjados pelo sofrimento. Atualmente, para mim, nada é problema porque descobri que tudo tem solução. E foi o surfe que me ajudou a enxergar isso.
Entre os desafios que enfrentou estão o medo de nadar, o vício em álcool e drogas ainda aos 11 anos de idade, o abandono do pai alcoólatra, o acidente que por pouco não o deixou tetraplégico… Tantas histórias renderam, inclusive, uma biografia que está prestes a ser lançada, certo?
Quando você tem 11 anos de idade e é considerado sem futuro pela sociedade por ser usuário de drogas, com pai alcoólatra e, de repente, aos 31 se vê sendo indicado ao Oscar
das ondas gigantes e homenageado como um dos principais surfistas da maior onda do mundo, isso se torna muito valioso. Por isso, escrever minha biografia é no fundo um
sopro de esperança para jovens brasileiros que passaram ou passam por situações parecidas. (para e pensa) E o livro vai ser mágico. Não vai falar só de coisas ruins, mas vai mostrar que todos são iguais, têm problemas e dificuldades, mas mesmo assim podem vencer. A ideia é gerar esperança para aqueles que sonham com algo e, às vezes, desacreditam de seus potenciais. Criei meus próprios caminhos e oportunidades. Eu confundi todo um sistema, anulei todas as críticas e quebrei todas as regras!
Seu desejo, então, é que essa virada em sua vida sempre sirva de exemplo?
Com certeza! O ideal de toda figura pública deveria ser esse: deixar um legado. E é isso
que quero fazer.
Além da obra que relata sua experiência, você mantém um trabalho de incentivo
aos jovens através do projeto social Meu Mundo, Meu Sonho. Fale-nos deste
engajamento.
Tento evitar, através do projeto, que os jovens entrem no mundo das drogas de forma precoce. Penso que a prevenção é mais eficaz do que o combate. Então, procuro mostrar o outro lado das drogas que eles não veem. Não a parte que é apresentada, mas as consequências que elas trazem e que são péssimas.
Qual a sensação de ajudar a salvar vidas e de ser referência?
Na verdade, é minha obrigação como cidadão contribuir para o crescimento e melhoria da sociedade. Não acho que esteja fazendo nada a mais, além da minha obrigação de ser humano.
Em 2019, imagens suas a bordo de um jet ski viralizaram nas telas de TV e nas
redes sociais. Você estava resgatando mais de 50 pessoas em uma enchente…
Esse dia marcou minha vida, muito mais do que a dos outros, porque eu não estava ali por mim e, sim, por eles. Eu sabia fazer, é meu trabalho pilotar jet ski e resgatar nas ondas e não podia negligenciar naquele momento de dificuldade, ainda mais na minha cidade natal. Então, só fiz. Sou grato por ter vivido e ajudado todos naquele dia inesquecível. Acho que, de verdade, não existe nenhuma onda que surfei na minha vida, que foi tão gigantesca quanto essa!
Falando em inesquecível, você declarou em entrevista recente que “algo inédito” em uma das ondas mais temidas do planeta estaria prestes a acontecer. Pode nos contar a novidade?
Ainda não rolou, mas vai rolar. Mas não posso falar. Vocês vão ver, não tenham dúvida!
Quais são seus planos futuros?
Quero trabalhar muito ainda e estabelecer meu legado como atleta e influência pública. Depois, quando parar, quero me casar, ter filhos e me dedicar à música, que é minha paixão e hobby.
Vamos agora falar da Granja Viana, onde você é sempre visto. O que o faz atravessar o Rodoanel e vir para cá?
Adoro a Granja e sua natureza, seu clima agradável, os bons restaurantes… Conheci o bairro por conta da minha vida profissional. Tinha projetos com empresas sediadas no
local e também um colega de trabalho, o Felipe Titto (ator e que foi nossa capa em abril de 2014), mora aí. Estive algumas vezes na academia dele, fazendo eventos com patrocinadores, além de vários outros momentos. Volto sempre que possível.
Por fim, aproveitando que o verão se aproxima, indique lugares bons para surfar.
São Paulo tem ótimas praias para o surfe, mas se eu fosse indicar, com certeza, seria Ubatuba, onde tive casa e vou sempre que posso, até porque meus melhores amigos
de profissão são de lá.
E para quem pensa em iniciar no surfe, quais são as dicas de ouro do Marcelo Luna?
A dica é não desistir! O surfe é um esporte difícil e que leva tempo, mas ensina muito sobre a vida. Porque ela é igual: leva tempo para se aprender a viver.
Por Juliana Martins Machado