Uma viagem aos céus!
A motivação desta viagem foi um documentário que vi na tv sobre a “Karakoram Highway”. Uma estrada recentemente pavimentada pelos chineses que ligaria Khunjerab Pass, ou seja, a fronteira do Paquistão com a China ao porto de Karachi no sul do Paquistão, como parte do megaprojeto chinês “silk belt”.
A estrada é dita como uma das mais perigosas do mundo, pois ela passa margeando as grandes cordilheiras do Himalaia, Karakoram e Hindus Kush.
Resolvemos então concentrar esta nossa viagem principalmente na região norte do país.
Primeiramente, porque é a região mais bonita mesmo; e é também o principal destino turístico dos paquistaneses.
Outro motivo, seria a insegurança em viajar para outras regiões do país, pois algumas localidades são redutos do Taliban paquistanês. Ou mesmo, regiões onde eventualmente explodem bombas e onde o ocidental não é muito bem recebido.
Após muita pesquisa na internet e até contatos com a embaixada do Paquistão no Brasil resolvemos que podíamos arriscar…
A viagem foi organizada diretamente junto a uma empresa paquistanesa dirigida por dois jovens, a Exploria turismo.
Iniciamos nossa viagem em Lahore.
Está é a cidade mais próxima da fronteira da Índia, e onde na época da “partição” em 1947 teve papel importante na recepção dos mulçumanos provenientes da Índia.
A cidade me lembrou muitas outras cidades da Índia, caótica, meio suja, e ainda bastante subdesenvolvida.
De uma forma geral, o país ainda não está preparado para receber o turista ocidental (que são raríssimos), com suas expectativas e demandas…
A hotelaria é restrita, e os funcionários não conseguem entender o porquê do hospede reclamar que o quarto está localizado ao lado do gerador e não consegue dormir a noite inteira….
Isto porque, com as quedas frequentes de energia existe a necessidade direta de geradores. E isto acontece em todo o comercio do país. Em frente a cada ponto comercial tem um gerador ligado.
Funcionários ajeitando o café da manhã e pegando nos pães com as mãos para oferecer ao hóspede; ou incompreensão nas demandas mais básicas, que para eles não fazem o menor sentido, é o que ocorre no dia a dia.
Mas o contato humano é meigo, leve e servil.
A comida no sul do país se assemelha aos pratos indianos, bem apimentados, mas como o país é majoritariamente mulçumano não se come carne de porco.
A maioria dos restaurantes tem sua cozinha na calçada, na entrada dos restaurantes, e não sei se isto é bom ou ruim pois os costumes culinários são bem diferentes dos nossos; como por exemplo o cozinheiro ajeita a faca entre os dedos dos pés para fazer os cortes das carnes…acho que preferia não ter visto…


No norte do país a comida é menos apimentada, com sabores mais delicados e uso intensivo do óleo de abricó.
Apesar da grande dificuldade econômica do país não existe o conceito da barganha ou do assedio para realizar vendas no comercio. Tudo é muito tranquilo e com preços justos marcados nas etiquetas.
Em momento nenhum, ao longo dos 18 dias que passamos lá nos sentimos inseguros ou sob ameaça.
O Paquistão já foi parte da Índia antes da “partição”.
Em Lahore, palácios, fortes e jardins se assemelham aos indianos, porém com uma conservação que deixa a desejar.

Visitamos em Shahi Qilla todos estes monumentos, num calor de 40 graus. Ao lado, o esplendoroso parque Shalimar construído pelo imperador mulçumano Sha Jahan (o mesmo do Taj Mahal).

Nesta mesma região tem uma “street food” que ao anoitecer ganha vida com vários deliciosos restaurantes.
Lógico que não poderíamos deixar de ir ao caótico Ichhra bazar e arriscar alguma comida de rua, que por incrível que pareça não nos deixou doente :).
Fomos à Whaga Border única fronteira aberta entre a Índia e o Paquistão, pois os dois países não mantem relações diplomáticas.
Todas as tardes acontecem uma cerimônia de “baixar as bandeiras” e o “fechamento da fronteira” para o período noturno.
É um grande evento…
Em ambos os lados foram construídas grandes arquibancadas onde a população comparece em peso, para assistir ao espetáculo e enaltecer o seu país.
Enormes alto falantes ficam berrando palavras de ordem e músicas para o povo dançar e se divertir. O mais interessante é que as músicas são altíssimas de ambos os lados, para que um lado não ouça a música que toca do outro lado.
A cerimonia em si é como um ritual de troca de guardas com elementos de ambos países fazendo sinais de enfretamento, mostrando poder e uma disputa de quem levanta a perna o mais alto durante a marcha.
E a torcida vibra e berra o tempo todo…
Ao final, antes do fechamento dos portões, os guardas de ambos os lados dão as mãos, numa sinalização de amizade e esperança num futuro de entendimento.

No caminho para Islamabad visitamos a mina de sal Khewra.
É de lá que é extraído todo o chamado “sal rosa do Himalaia”. A mina tem 110kms quadrados de área, e uma pequena parte é aberta à visitação.

Islamabad, a capital, é uma cidade planejada., então é bem ampla, largas avenidas, e muita área verde.
Visitamos alguns monumentos e ao entardecer fomos à mesquita Faisal. Chegamos próximo ao horário da reza e, como permitiram a nossa entrada, ficamos assistindo por uns momentos a belíssima cerimonia.

Nos dirigimos então à região norte do país, mais especificamente Gilgit/Baltistan.
Esta é uma região, que faz parte da grande Cachemira, e que está em disputa entre o Paquistão, Índia e China desde a “partição”.
Tem uma administração independente do resto do Paquistão e é considerado pelo governo central como “território administrativo paquistanês”. Não fazem parte efetivamente do Paquistão e não podem votar nas eleições centrais.
Intencionalmente viajamos dois dias, de carro, para o norte do país. Queríamos observar a paisagem e promover a lenta aclimatação para as altas altitudes, pois estava em nosso programa realizar alguns hikings na região.
Chegamos em Karimabad, uma vila no vale de rio Hunza, no território de Gilgit Baltistan.
Está vila está a 2500mts de altitude, mas até chegarmos lá atravessamos passos mais altos e vales maravilhosos por entre as cordilheiras de Karakoram, Himalaia e Indus Kush.
Ficamos por uma semana nesta região.
Iniciamos nossa exploração com um hiking bem puxado que se inicia na vila, ao lado do forte Baltit e sobe de forma bastante íngreme até podermos visualizar o glaciar Ultar e também ser presenteado com uma belíssima vista do vale do Hunza e suas inúmeras vilas.

No Passu Valley atravessamos a ponte de cordas Hussain sobre o rio Hunza. Esta ponte, liga algumas vilas das minorias Whaki emigrados a algumas gerações da região montanhosa do Tadjiquistão.

Na cidade de Karimabad visitamos as suas maiores joias que são os fortes Altit e Baltit. Eles têm por volta de 1000 anos de idade e estão localizados em pontos estratégicos de Hunza proporcionando belíssimas vistas.

O passeio para o Hopper Valley incluiu um hike bem exaustivo para a base do glaciar e que como prêmio tomamos um delicioso chá silvestre, cercado de pés de maconha e papoula para todos os lados…

Outro hike que fizemos foi para o Hussaini glaciar próximo ao lago Borith.
Absolutamente silenciosos são estes glaciares. Silencio este que eventualmente é quebrado com o som das placas geladas se movimentando.

Visitamos a antiquíssima cidade de Ganish, que foi um dos primeiros assentamentos da rota da seda e que está muito bem preservada.

O povo desta região se diferencia muito do resto do Paquistão. São tranquilos, bastante conservadores, voltados à família.
Fisicamente lembram as figuras que vemos na tv e associamos ao Taliban…. As mulheres ficam a maior parte do tempo dentro de casa, não são incentivadas a estudar, e chegamos a passar por vilas onde não se via uma única mulher na rua.
Nas montanhas, quando nos aproximávamos elas logo se recolhiam dentro de casa e nos fitavam por entre as paredes.
Mesmo nas grandes cidades, não é aconselhável que a mulher saia de casa após as 17:00 hrs. Então, quando a mulher trabalha, em geral seu horário de trabalho é das 8:00 as 14:00 hrs.

Na região do “upper Hunza Valley” visitamos o lindíssimo lago Attabad que se formou a partir de um terremoto, fechando a saída do rio. De uma cor azul turquesa tem vários hotéis ao redor e é destino de casais em lua de mel e famílias em férias.
Mas o ponto alto da viagem, foi sem dúvida a ida à chamada “Fairy Meadows”. Esta região super isolada que está na base da nona montanha mais alta do mundo (acima de 8000mts), Nanga Parbat, ou, montanha assassina, pois a incidência de mortes entre os alpinistas que tentam escala-la é altíssima.
Para se chegar a este local viajamos a partir de Karimabad 1:30 hrs de carro pela Karakoram Highway.
Chegamos então numa encruzilhada onde mudamos para um jipe 4×4, muito desconfortável, que sobe 16 kms por uma estreitíssima estrada de terra a beira de enormes precipícios, dividindo a estrada com animais e outros jipes que descem na direção contraria.

Ao fim deste percurso descemos do jipe e seguimos uma trilha de 6 kms subindo uma altitude de 500 mts para chegar à Fairy Meadows, que é uma localidade com algumas pousadas e poucos habitantes.
Existe a opção da subida destes 6 kms a cavalo, que, após alguns quilômetros, foi o que tive que optar, pois apesar de ter me preparado muito para esta subida, chegamos muito tarde e com o anoitecer corríamos o risco de terminar a trilha no escuro.
Uma vez instalados na pousada, descansamos e no dia seguinte foi a vez de tentarmos chegar ao acampamento base do Nanga Parbat.

Acabamos dividindo o grupo, pois eu não tinha condições físicas de percorrer mais 10 kms numa outra diferença de altitude de 700 mts chegando à 3850 mts de altitude onde está o acampamento base.
Cheguei aos 6kms de caminhada numa localidade de 15 ou 20 casas chamada Beyal, e a partir daí com mais 1 hora de caminhada cheguei ao View Point, com uma belíssima visão da montanha e um enorme glaciar.
Fiquei muito feliz de ter conseguido fazer esta caminhada, compensando a frustração que tive no dia anterior por ter terminado minha subida à Fairy Meadows no lombo do cavalo:)
Esta foi uma viagem de enorme demanda física, para um país muito especial, ainda desconhecido do mundo ocidental.
Chegamos a adiar por 2 vezes a nossa ida para lá por conta de explosões em mesquitas e bazares e a veiculação cruel feita pela mídia mundial.
Encontramos um país pobre, economicamente muito prejudicado, com um povo muito afável, sedento e curioso pelo contato com o ocidental.
Este maciço de altíssimas montanhas da região norte é impactante e faz com que nos sintamos muito pequenininhos dentro daquela paisagem.
O povo que habita esta região tão isolada do resto do país enfrenta invernos rigorosos e pouco acesso a produtos comerciais e alimentares.
A região é grande produtora de maçãs e abricó então nos deliciamos com ambos …, mas foi só…frutas e verduras são bastante escassas.
Torcemos para que o turismo mundial possa se tranquilizar e descobrir esta região, levando crescimento econômico e trazendo consigo esta fotografia interna de estar tão perto do céu!
Debora Patlajan Marcolin, médica, muito curiosa com relação a diversidade cultural do nosso planeta: “viajo desde que me conheço por gente e tudo me atrai. Desde a minha vizinhança pobre de Carapicuiba até as cerimonias fúnebres de Tana Toraja na Indonésia, passando por paraísos naturais como o pantanal mato-grossense e deserto do Jalapão. Já conheci por volta de 75 países e não paro de projetar novos destinos. Entendo que para se viajar é preciso estar de peito aberto e abandonar todo tipo de preconcepção, que com certeza, a viagem vai te provocar profundas mudanças internas e gosto pela vida”. Autora do blog A Minha Viagem.