Arte Observada: Jean-Michel Basquiat

O artista personifica o caráter de Nova York nos anos 1970 e 1980, uma mistura de empolgação e decadência que criou um paraíso de criatividade.

O Centro Cultural do Banco do Brasil abrigou de janeiro à primeira semana de abril, a exposição do pintor norte-americano Jean-Michel Basquiat, Coleção Mugrabi. José Mugrabi é um multimilionário e colecionador de arte israelense que cedeu 80 obras do jovem pintor para circularem o Brasil com o CCBB.

Quase 30 anos após sua morte, a obra de Basquiat continua atual. Ele superou postumamente os preços obtidos em leilão pelos trabalhos de outros artistas “quintessencialmente americanos” (leia-se: brancos e homens), como Jackson Pollock, Mark Rothko e Robert Rauschenberg. Enquanto a pop art de Andy Warhol abraçava o brilho do consumismo, permitindo que seus compradores ricos sentissem que estavam captando suas brincadeiras, as telas violentas de Basquiat faziam críticas fortes ao poder, colonialismo e conflito de classes. Mas como um jovem grafiteiro e rebelde, que foi até mendigo, passou de vender desenhos por 50 dólares, em 1980, a ter uma pintura leiloada por milhões de dólares alguns anos depois?

Basquiat nasceu no dia 22 de dezembro de 1960, no bairro do Brooklin, em Nova York. Seu pai, Gerard Jean-Baptiste Basquiat, era ex-ministro do interior no Haiti, e sua mãe, Mathilde Andrada, era de origem porto-riquenha. Ele era o primogênito de três filhos de uma família abastada. Aos 3 anos já desenhava caricaturas e reproduzia personagens dos desenhos animados da televisão. Aos 6 tinha como programa favorito frequentar o MOMA (Museu de Arte Moderna), onde até tinha carteira de sócio mirim.

Ficou conhecido, primeiro, como uma espécie de grafiteiro. Ele e um amigo deixavam declarações misteriosas e espirituosas nas paredes de NY. Usavam o pseudônimo SAMO©, abreviação para “Same Oh”, que é abreviação para “same old shit”, que traduzido significa algo como “a mesma merda de sempre”. Tocava, também, em uma banda de jazz experimental, fazia performances e pintava muito e em tudo o que encontrava.

A obra do artista foi rapidamente reconhecida pelos colecionadores como algo de grande valor cultural, uma novidade. Com isso, ainda vivo, ele vendeu obras por preços altos para a época. Depois de sua morte, por overdose de heroína, aos 27 anos de idade, os seus preços não pararam de subir.

Jean-Michel Basquiat personifica o caráter de Nova York nos anos 1970 e 1980, uma mistura de empolgação e decadência que criou um paraíso de criatividade. A repetição de letras e de palavras reflete ritmos, sons e a vida na cidade. Foi classificado como um pintor neoexpressionista e tornou-se um neoexpressionista-pop depois de ficar amigo de Andy Warhol, com quem fez inúmeras colaborações e exposições.

Suas pinturas subvertem hierarquias artísticas convencionais ao misturar imagens da cultura erudita e da popular. Basquiat era um dos poucos afro-americanos num mundo artístico predominantemente branco. Sua obra rapidamente evoluiu de uma evocação das ruas a uma profunda narrativa sobre a experiência de ser negro nos Estados Unidos.

VAMOS OBSERVAR

Jean-Michel Basquiat

Untitled (1982)

183,2 x 173 cm

Tinta acrílica, spray e bastão de óleo sobre tela

Coleção particular de Yusaku Maezawa

Vamos falar sobre a obra de Basquiat que quebrou todos os recordes de vendas. A obra intitulada “Sem Título”, de 1982, foi leiloada neste ano por impressionantes US$110,5 milhões! Mas por que esta obra vale tanto?

Enquanto visitava a exposição do pintor aqui em São Paulo ouvi uma pessoa dizer “…meu sobrinho de 6 anos faz desenhos melhores que estes”. Se formos analisar somente a parte técnica e estética da pintura chegaremos, sim, à mesma conclusão da cidadã. A obra é simples, com traços forte e primais. As cores são primárias e, apesar de quase obedecerem às regras cromáticas, não têm muita complexidade. Mas, quando falamos sobre arte, temos que também pensar no contexto em que foi criada. No cenário artístico dos anos 1980, Jean-Michel representou uma verdadeira revolução no mundo da arte. Artista negro, surgiu em meio ao caos e à descrença na pintura, em uma época que se considerava pós-artística, que proclamava a morte da arte. O minimalismo e a arte conceitual desconcertaram a arte contemporânea ao postularem, cada um a seu modo estético, o fim do ato pictórico e a extinção do artista. Ou seja, ninguém estava pintando como ele nessa época. Ninguém estava abordando temas tão pesados como o racismo também. Basquiat foi um dos primeiros a fazer isso.

A obra de Basquiat é um típico exemplo da geração de sample. Ele compôs os quadros com elementos que juntava – tanto imagens quanto palavras. Nas obras, ele usa as palavras mostrando que elas significam algo e também dá a elas a representação de imagens. Ele costura figuras, parte com planejamento, parte de forma poética. O método da colagem, que é também uma característica da arte do século 20, é muito presente na obra dele. Colava papéis, desenhos próprios e também xerox coloridas e pintava por cima. Ele tinha uma coleção de livros que consultava, tanto sobre História da Arte quanto de outros temas. Existe um livro específico que teve um impacto muito grande em sua criação. Era um livro sobre anatomia (Anatomia de Gray, publicado em 1858 por Henry Gray), que ele ganhou de sua mãe quando tinha 7 anos, depois de sofrer um acidente de carro no qual fraturou seu braço. Os desenhos do corpo humano que ele viu na publicação lhe causaram impacto, fazendo com que ele inserisse, anos depois, essas imagens em suas obras. Na obra dele, as linguagens se misturam e os mesmos símbolos se repetem, criando um conjunto de obra consistente.

Basquiat deixou um grande legado para humanidade com suas obras. Ele era mais profundo, mais selvagem e mais cru que todos seus conterrâneos, e isso transbordava para suas telas. A caveira dele não fala somente sobre sua mortalidade ou igualdade. Ela fala sobre ser assassinado pelo seu país, como muitos outros negros foram. Ela traz à tona a história como ela é, cheia de preconceito, confusão e dor. A “criança radiante”, como era chamado, brilhou mostrando ao mundo sua própria escuridão.


Por Milenna Saraiva, artista plástica e galerista, formada pelo Santa Monica College, em Los Angeles.

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