AVC exige cuidados na prevenção e na reabilitação

Em 2014, São Paulo registrou mais de 33 mil internações decorrentes da doença em todo o estado

Há três anos, João Vicente havia acabado de voltar de férias. Estava descansado após um mês viajando quando retornou à escola municipal onde lecionava no ensino fundamental. Após um mal-estar, foi até o pronto-socorro local e descobriu que estava sofrendo um infarto. Depois de dois dias do episódio, já em casa, sofreu um AVC e novamente foi acometido por outro infarto durante o socorro.

Sua vida virou de ponta cabeça durante os 40 dias em que esteve no hospital entre diversos procedimentos médicos. “Na hora me deu a sensação de: E agora? Vou depender dos outros? Vou ficar de cadeira de rodas? Entrei em depressão pela possibilidade de perder minha independência”, afirma. Aposentado por invalidez aos 47 anos após lecionar por 25 anos, ele voltou a morar com os pais e se tornou parte de uma estatística bastante expressiva em todo o mundo: os sobreviventes ao AVC.

A cada seis pessoas no mundo, uma está sujeita a sofrer um Acidente Vascular Cerebral, o popular derrame. Baseando-se em dados do Ministério da Saúde, estima-se que até cerca de 285 mil casos de AVC aconteçam anualmente. Só em São Paulo, 33.028 pessoas foram internadas em hospitais durante o ano passado, segundo o DataSUS, após um episódio de AVC. A doença é a primeira causa de incapacidade do país e as sequelas atingem 50% dos sobreviventes.

De acordo com o neurologista membro titular da Academia Brasileira de Neurologia e Chefe da Unidade de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital das Clinicas da Universidade Federal de Goiás, Dr. Delson José, diversos problemas atuais de grandes metrópoles como a locomoção são amplificados e se tornam mais um empecilho na vida dos acometidos por sequelas. “É uma ruptura de paradigma para essas pessoas. Imagine acordar pela manhã com sua rotina e habilidades em plena normalidade e à tarde, após um episódio como esse, se ver diante de uma nova condição.  O paciente apresenta uma depressão reativa em função da própria limitação das funcionalidades dele”, explica.

João ficou com seu lado esquerdo paralisado e o rosto bastante comprometido. Andar e se movimentar se tornaram desafios e se acomodar seria a forma mais fácil de lidar com a sua nova condição. “Por pior que pareça, tenho que conseguir superar essa fase e adquirir alguma funcionalidade. Não é fácil. Mas a gente tem que acreditar”, relata o professor.

A jornada do paciente com AVC, após o diagnóstico e tratamento agudo, tem um novo e importante rumo: a reabilitação. Seja no atendimento médico de urgência na fase aguda, quando os primeiros sintomas aparecem, ou na iniciação da reabilitação, é importante que o paciente receba os principais cuidados o quanto antes. “A reabilitação precoce visa aproveitar a neuroplasticidade do cérebro, que quando estimulado imediatamente após o AVC, tem uma maior e melhor resposta à reabilitação”, afirma Dra. Luz Adriana Paez Perez, chefe do serviço de Neurofisiologia Clínica e do laboratório de toxina botulínica da ABBR (Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação).

Entre as sequelas motoras mais comuns está a espasticidade, uma das mais dolorosas também. Segundo a Associação Brasil AVC, a afecção acomete até 40% das pessoas que sofreram um Acidente Vascular Cerebral. Trata-se da rigidez constante de um músculo, que impossibilita que pequenas tarefas do dia a dia sejam executadas, como escrever, escovar os dentes e manusear objetos como talheres.

“A espasticidade limita qualquer tipo de movimento, o autocuidado, e mesmo para se mobilizar de uma cadeira para cama. O tratamento hoje é feito com a toxina botulínica, que relaxa o músculo e facilita a fisioterapia e a melhora desses movimentos”, afirma o neurologista Henrique Ballalai Ferraz, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro titular da Academia Brasileira de Neurologia.

Um estudo publicado recentemente pela revista The Lancet Neurology comprovou que o uso da toxina botulínica em pacientes com espasticidade pós-AVC melhora significativamente os movimentos dos membros superiores.

O experimento, envolveu cerca de 34 centros de referência em todo o mundo que foram tratados com uma determinada apresentação do medicamento em mais de 240 pacientes com espasticidade, comprovou além da baixa incidência de efeitos colaterais, que a substância foi capaz de melhorar os movimentos dos pacientes com sequelas que afetavam desde os dedos até os ombros, ampliando a capacidade de alongamento  dos músculos, permitindo uma maior movimentação de articulações  e desenvolvendo assim uma grande melhora na qualidade de vida dessas pessoas.

Essa melhora representa ainda o início da reinserção do paciente no convívio com outras pessoas. Ao ser acometido por um AVC, muitas pessoas se isolam e não procuram o tratamento adequado. A possibilidade de reestabelecer a esse paciente os movimentos de seus membros superiores é uma forma de inseri-lo novamente no convívio social, e fazer com que ele se sinta mais ativo dentro da comunidade em que está inserido.

Hoje, diversos centros de reabilitação no Brasil estão capacitados para atender esses pacientes. Em São Paulo, a Rede Lucy Montoro é a grande referência. “O principal trabalho na rede é o atendimento aos pacientes com AVC de forma precoce e intensiva, no limite da capacidade clínica de cada um e aproveitando ao máximo esse período inicial do AVC onde a perspectiva de recuperação é bastante real”, afirma a Profa. Dra. Linamara Rizzo Battistella, professora da Faculdade de Medicina da USP e Secretária de Estado dos Direitos das Pessoas com Deficiência no estado de São Paulo.

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