Cotia em explosão

A cidade está no “olho do furacão” do mercado imobiliário, alertam urbanistas. Prefeito enfrenta polêmica e prega a verticalização.

No centro do mercado setorial mais dinâmico do país, o imobiliário, e na região onde esse mercado é mais feroz, a grande São Paulo, os investidores rezam para apenas uma meca. “Cotia é o principal polo de desenvolvimento nacional nesse mercado. Está no olho do furacão.”

Quem faz a análise é Lacir Baldusco, presidente do órgão que centraliza os procedimentos para a implantação de novos empreendimentos no estado de São Paulo, o Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais do Estado de São Paulo (Graprohab).

Ele vai além e, para quem ainda tem dúvida, destaca a gravidade da situação: “O que estamos vivendo é o fenômeno de uma única cidade, não se trata de um fenômeno regional. Não acontece em Embu, nem em Itapecerica ou outro local. É Cotia que está passando por isso”, disse ele durante o 1º Fórum Discutindo a Urbanização de Cotia, promovido pela Prefeitura de Cotia, na manhã de 20 de outubro, na Faculdade Estácio do Jardim da Glória.

O presidente do Graprohab mostrou números que impressionam, como a área total dos empreendimentos licenciados em Cotia no ano passado (dado mais recente), que foi de 924 mil m2, ou seja, 23 vezes maior que a área registrada apenas quatro anos antes, em 2012 (veja o gráfico abaixo).

A análise consolidada de todo o período (2012 a 2016) mostra mais claramente esse boom, indicando que o processo dá sinais de que vai se ampliar rapidamente. Em todo esse período, como pode ser visto na tabela abaixo, Cotia licenciou 9.838 lotes ou unidades habitacionais. Contudo, esperando para análise só no ano de 2017, há quase a mesma quantidade licenciada nesses cinco anos, ou seja, 8.019 lotes e unidades habitacionais.

 

Total de empreendimentos licenciados em Cotia e municípios vizinhos 2012-2016
Horizontal Vertical Total de Empreendimentos Total de Lotes/UH
Cidade Empreendimentos Lotes/UH Empreendimentos Lotes/UH
Carapicuíba 6 1.621 6 1.621
Cotia 17 4.822 14 5.016 31 9.838
Embu das Artes 3 238 11 2.819 14 3.057
Embu-Guaçu 3 660 3 660
Itapecer da Serra 2 5 2 5
Itapevi 2 375 5 915 7 1.290
Jandira 2 171 3 1.102 5 1.273
Osasco 2 408 48 16.403 50 16.811
Taboão da Serra 11 2.393 11 2.393
Vg. Gde. Paulista 3 506 4 770 7 1.276
TOTAL 31 6.525 105 31.699 136 38.224
Em análise em 201715 loteamentos, 9 condomínios  e  8.019 UH/Lotes
Fonte: Graprohab 2016.

 

Outros dados do Graprohab, mas estes divulgados pelo Anuário do Mercado Imobiliário 2016 do Secovi (o mais recente), mostram que Cotia é o destaque, em toda a Região Metropolitana da Grande São Paulo, entre os municípios com maior número de lotes protocolados no ano.

São 5.538 lotes no ano passado, 3% do total no estado de São Paulo, o que a coloca como a única cidade da Região Metropolitana a constar no ranking dos dez municípios com maior número de lotes protocolados. Em todo o estado, fica atrás apenas de São José do Rio Preto, com 7.902 lotes (4% do total), mas, ainda assim, bem à frente de grandes e prósperas regiões urbanas, como as de Campinas, Mogi-Mirim, Limeira, Salto, Indaiatuba, Sertãozinho e São José do Rio Pardo (veja a tabela abaixo).

Embora esses dados não signifiquem que os lotes tenham sido efetivamente aprovados (o protocolamento no Graprohab acontece antes da aprovação efetiva pelas prefeituras), está claro que Cotia é a mais nova estrela nesse ranking e está em rápida ascensão. No ano anterior (2015), a cidade já era a décima colocada, subindo, portanto, oito posições no ano passado. E no ano de 2014 nem sequer constava entre as dez primeiras.

O cenário tende a se acentuar. O levantamento que consta, atualmente, na página da Secretaria de Habitação para projetos protocolados indica que a tendência, na cidade, tem sido a de crescimento desse número de novos empreendimentos. A conta que indica o número de lotes protocolados por ano tem crescido nas quatro últimas gestões, começando com 258 lotes/ano, na primeira gestão de Quinzinho Pedroso (2001-2004), e chegando a 791 na última gestão de Carlão Camargo (2013-2016), com o ano de 2016 ainda desatualizado.

Disputa por território

O motivo para este fenômeno em Cotia foi apontado no evento promovido pela Prefeitura no dia 20: “Há um limite físico para o crescimento na Grande São Paulo, a norte, pela Cantareira, e a sul, pelos mananciais. O crescimento tem de acontecer a leste e oeste, e nesse contexto Cotia é a cidade que tem mais vazios”, disse Fernando Chucre, secretário de Habitação do Município de São Paulo que também palestrou.

Lacir Baldusco, em sua palestra, indicou outros motivos relacionados aos últimos acontecimentos, como a migração de empresas da capital para regiões mais periféricas (“O segmento habitacional acompanha a migração do emprego”), além dos “condicionantes externos” oferecidos pela cidade, ou seja, facilidade de acesso a locais centrais, proximidade e boa estrutura de educação (bons núcleos educacionais), segurança e transporte (trem e metrô).

“Demos muita sorte com o Rodoanel, que segurou um pouco a cidade, mas não durou muito. O verde a oeste está sendo derrubado, e Cotia é a próxima vítima. Acho que a cidade só vai parar na serra de São Roque”, disse o arquiteto Mário Savioli, que descreveu em palestra na Estácio a história da urbanização da cidade.

O que agrava essa situação é que Cotia “se desenvolveu ao longo de eixos já estabelecidos, como a Raposo Tavares. Planejar algo nesse contexto é um desafio”, afirmou a urbanista Luciane Mota Virgílio, outra palestrante do evento. Segundo ela, a solução para esse boom é o planejamento, e quem tem os instrumentos é a Prefeitura, tais como um plano diretor, leis de uso e ocupação do solo e outros instrumentos urbanísticos.

Não é tarefa fácil, como descreveu Lacir Baldusco, no fim de sua palestra: “O que fazer? Não sei, isso tem de ser construído pela própria cidade em discussões como este evento, não há fórmula pronta. E errar agora pode gerar problemas insolúveis pelos próximos 50 anos”.

A urgência de um plano diretor

Além de Luciane, os outros três palestrantes no evento destacaram, em suas falas, a melhor forma de enfrentar uma expansão do mercado imobiliário como essa: formatando um bom plano diretor. É, justamente, o que Cotia ainda não tem no formato moderno, de acordo com as diretrizes do Ministério das Cidades, o chamado Plano Diretor Participativo, já instituído em vizinhas, como Osasco e São Paulo. Sua ausência dificulta até a obtenção de verbas federais. O plano que estava na Câmara Municipal foi solicitado pelo executivo no primeiro semestre e agora tramita entre os dois poderes, voltando para a Câmara.

“As únicas ferramentas contra um crescimento desordenado são um plano diretor e uma boa lei de uso do solo, com participação popular. Em Cotia há muitas áreas verdes que requerem cuidado, e esses instrumentos é que vão dizer como a cidade quer se desenvolver, para onde, em que setores da economia, e o que preservar”, disse Fernando Chucre.

Savioli alertou, ainda, para o risco de limitar os planos diretores apenas à definição de regras para o uso do solo. “Isso é uma falta de visão, e não basta. Tem de se ouvir as pessoas, fazer planos setoriais, estudos de circulação etc.”

Coube ao próprio vice-prefeito, Almir Rodrigues, botar o dedo na ferida e cobrar os vereadores presentes no evento por celeridade na aprovação do instrumento. “É fácil ficar no sofá reclamando da cidade. Que Cotia tenha coragem, por meio da Câmara, de enfrentar esse plano diretor”, disse ele.

O secretário de Habitação de Cotia, Sérgio Folha, que promoveu o evento no dia 20, disse que outros eventos como esse fórum serão realizados nas áreas de uso e ocupação do solo, plano viário e regularização fundiária. No entanto, segundo ele, não haverá mais audiências públicas sobre o tema.

Verticalização em debate

Além da questão da necessidade de um plano diretor, um dos temas mais controversos debatidos no fórum do dia 20 foi a questão da verticalização, refutada pelos prefeitos anteriores por pressão, principalmente, da Granja Viana. Mas o atual prefeito, Rogério Franco, em seu discurso, foi direto: “Temos de discutir a verticalização. Não vi, até agora, nenhuma cidade que se desenvolveu de forma adequada sem verticalizar”.

Lacir Baldusco e Luciane Virgilio mencionaram o processo de transição entre a horizontalização e a verticalização. “É preciso alterar os paradigmas para que se cresça. Não se está falando aqui de autorizar, de repente, dezenas de torres, mas utilizar os instrumentos legais e de planejamento para regular isso.” Entre os novos paradigmas que precisam ser implantados na região, Luciane também citou a facilitação do uso da bicicleta, “uma tendência que beneficia a todos”.

“Hoje, a Granja Viana é um grande laboratório para se discutir o eixo do desenvolvimento de São Paulo por conta da questão da transição entre horizontal e vertical. Ela pode ser boa se houver planejamento que preveja sua inserção sem abrir mão da qualidade de vida”, disse Fernando Chucre.

“DNA verde”

Coube ao secretário da Habitação de Cotia, Sérgio Folha, mencionar o “DNA verde” da cidade como um diferencial em qualidade de vida e turismo que precisa ser preservado diante do “atropelo” do mercado imobiliário. “O que diferencia a cidade e traz as pessoas para cá é o seu DNA ambiental. Temos de cuidar e recuperar o atraso, evitar as invasões e a destruição do meio ambiente que temos, como a reserva do Morro Grande”, disse ele, referindo-se aos trabalhos para o plano diretor. Segundo ele, o plano em debate “necessita apenas de alguns ajustes”.

Para a urbanista Luciana Alegre há diversos instrumentos legais que podem beneficiar as áreas verdes da região, mesmo no contexto do boom imobiliário. “Podem-se discutir percentuais de doação para áreas públicas e a criação de fundos voltados para a melhoria e preservação”, segundo ela, como alguns descritos por Fernando Chucre em sua palestra sobre o contexto de São Paulo.

O avanço do mercado imobiliário preocupa integrantes da sociedade civil, que criaram, em setembro, um coletivo, a Rede Mosaico, composta de educadores ambientais, professores, biólogos, geógrafos e jornalistas e instituições como a AIEC e o Rotary Club da Granja Viana, que também estão se reunindo para debater a preservação e o adensamento do mosaico verde e parques da região.

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* Fábio Sanchez é jornalista e psicanalista.

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