Mestre em Educação pela PUC/SP, pedagogo, psicopedagogo e neuropsicopedagogo clínico e institucional, Cezar Sena é diretor da Escola Estadual Valêncio Soares Rodrigues, em Vargem Grande Paulista. Escritor, palestrante e consultor educacional, o especialista acaba de lançar um livro com título bem sugestivo: Reflexões sobre a educação no contexto da pandemia.
O livro reflete a respeito do processo de mudança de paradigma na educação, provocados pelo fechamento das escolas durante o auge da pandemia da covid-19. Ele aborda assuntos como a educação na contemporaneidade; a difícil arte de educar, divergências e convergências no contexto escolar; família e escola: uma relação conflituosa; o legado da pandemia para a educação; os desafios na recuperação da aprendizagem dos alunos; dentre outros.
Segundo o autor, a obra foi pensada com muito carinho, com objetivo de oferecer aos leitores um texto fluido, com linguagem simples, design moderno e textos curtos, sem um público-alvo específico, possibilitando uma leitura mais dinâmica e aleatória. “Os textos relatam minhas vivências e percepções como gestor de escola pública, diante do desafio de manter a equipe engajada em prol da aprendizagem de todos os alunos”, conta. Os artigos são frutos dessas experiências, desse pensar na ação de modo reflexivo.
Uma das conclusões a que chegou é que a pandemia deixou marcas profundas no processo educacional e revelou as fragilidades e desigualdades do sistema. E, sobretudo, evidenciou a importância do trabalho coletivo. Para ele, “não faz mais sentido a escola insistir em reproduzir atitudes e estratégias desconectadas da realidade”. Leia abaixo o nosso bate-papo com o educador, que fala da importância em traçarmos novas estratégias e reitera que uma coisa é certa: os mecanismos, as dinâmicas e as relações de antes não existem mais.
O título do seu livro é bem sugestivo: reflexões sobre a educação no contexto da pandemia. Revele-nos o processo criativo da escrita. Em que momento percebeu que esta seria uma obra necessária? Quando tempo foi de produção?
Não planejei escrever o livro reflexões sobre a educação no contexto da pandemia. Ele foi o resultado da coletânea dos artigos, publicados no Jornal da ACE – Associação Comercial e Empresarial de Vargem Grande Paulista nos anos de 2020 e 2021, onde sou colunista desde 2019. Eis alguns assuntos abordados no livro: a educação na contemporaneidade; a difícil arte de educar, divergências e convergências no contexto escolar; família e escola: uma relação conflituosa; o legado da pandemia para a educação; os desafios na recuperação da aprendizagem dos alunos; dentre outros. O objetivo do livro é refletir a respeito do processo de mudança de paradigma na educação, provocados pelo fechamento das escolas durante o auge da Pandemia da covid-19. Os textos relatam minhas vivências e percepções como gestor de escola pública, diante do desafio de manter a equipe engajada em prol da aprendizagem de todos os alunos. A ideia do livro surgiu em meados de março deste ano, após revisar os textos e as lives realizados por mim neste período. Então, tive um insight de publicar o conteúdo em forma de um livro. Numa conversa com Wanderlei Silva, presidente da ACE, confidenciei o tal desejo e, prontamente, incentivou o projeto. Imediatamente, comecei a reorganizar os textos numa sequência de temas que fizesse lógica. Da ideia inicial, até o lançamento em julho, foram 3 meses. Fato é que tive que correr atrás da editora, patrocinadores, e tudo o que fora necessário para lançar essa obra e, graças a Deus, contei com a ajuda de muitos amigos que acreditaram no projeto e na relevância do tema para todas as pessoas. O livro foi pensado com muito carinho, com objetivo de oferecer aos leitores um texto fluido, com uma linguagem simples, design moderno e textos curtos, sem um público-alvo específico, possibilitando uma leitura mais dinâmica e aleatória. Os artigos são frutos dessas experiências, desse pensar na ação de modo reflexivo. Buscando sempre o positivo, a esperança em dias melhores, pois, o que seria do educador sem a esperança? Não uma esperança de esperar passivamente as coisas resolverem. Mas a esperança, como dizia Paulo Freire, do verbo esperançar: agir, fazer o que precisa ser feito no momento presente, com as condições e materiais de que dispomos num determinado contexto.
A que conclusões chegou?
Que a pandemia deixou marcas profundas no processo educacional brasileiro, já bastante defasado. A pandemia não piorou a educação, revelou as fragilidades e desigualdades da nossa sociedade com o fechamento das escolas. No início achávamos que seria por pouco tempo, como se fosse um recesso escolar. Hoje sabemos que o processo foi e ainda está sendo difícil, doloroso e traumático para muitos profissionais da educação e famílias. Eu diria que umas das conclusões desde livro é que a pandemia evidenciou a necessidade de se discutir as questões socioemocionais no âmbito escolar. Esse período também possibilitou o uso das novas tecnologias a favor da aprendizagem e a aquisição e fortalecimento da resiliência e da capacidade de superação. Além disso, houve a redescoberta do contato das mães e pais com o processo de aprendizagem dos próprios filhos, o que gerou uma melhoria na participação e engajamento das famílias com a escola e o aumento da percepção da sociedade sobre o valor do professor como mediador do conhecimento no processo de aprendizado.
Já é possível fazer um balanço das consequências da pandemia no ensino?
Neste período pandêmico que ainda estamos vivendo, percebi que os alunos e profissionais da educação estão emocionalmente abalados e estressados, com dificuldades de gerenciar suas emoções e sentimentos. O aumento da violência nas escolas – tanto as físicas, quanto as verbais e o bullying estão se tornando grandes problemas para as equipes escolares. Necessitando com urgência de apoio emocional efetivo, como política pública, para toda comunidade escolar, o que infelizmente ainda não está acontecendo de modo sistemático, há algumas experiências pontuais, como o caso da EE Valêncio Soares Rodrigues, em Vargem Grande Paulista, que iniciou uma parceria com uma mediadora de conflitos – Dra. Daniele Christofari Alonso, abordando as técnicas da CNV – Comunicação Não Violenta como estratégias de gestão de conflitos por meio dos círculos restaurativos. Tanto os profissionais da escola, quanto os alunos estão necessitando cuidar da sua saúde mental. Outra consequência que levaremos anos para superar é a defasagem na aprendizagem. Com esforços de todos, é possível minimizar os impactos que este período de escolas fechadas deixou na vida escolar dos estudantes. Sem ilusão de acreditar que tudo ficará bem num passo de mágica. Não ficará! Mas é possível melhorar o desempenho acadêmico dos alunos com políticas públicas educacionais que levem em conta as diversas realidades, com investimento na formação dos profissionais da educação, monitoramento da aprendizagem e incentivo à participação dos responsáveis na vida escolar dos seus filhos.
Quais são os novos caminhos? É necessário se reinventar neste processo de transformação? Para a área educacional, quais são os principais desafios?
Talvez a neurociência aplicada a educação, seja um desses “novos caminhos”, além do uso das tecnologias educacionais. Neste sentido, o professor necessita também pesquisar novas técnicas de ensino, principalmente aquelas ligadas ao uso das tecnologias. Este período de isolamento reforçou ainda mais a importância da ação do professor na mediação do aprendizado. Por mais que a tecnologia tenha se colocado como uma ferramenta indispensável no contexto atual, ela jamais substituirá a ação do professor. No entanto, o educador precisa desenvolver um novo hábito, incorporando ao seu fazer pedagógico novas estratégias alinhadas às mídias sociais e ao uso das tecnologias, uma espécie de “darwinismo neural”, que, segundo Goleman, acontece quando hábitos novos e melhores são gerados e competem com hábitos antigos, através da criação de novas sinapses.
Como adaptar a escola a este novo cenário? Aliás, qual o novo cenário da educação?
Esta adaptação já está sendo realizada em muitas escolas. Principalmente, as da rede estadual de São Paulo. O uso das novas tecnologias a favor da aprendizagem é um caminho sem volta. Na escola onde sou diretor, por exemplo, temos Smatts TVs em cada sala de aula; notebooks para os alunos; Laboratório de Ciências com microscópio interativo; Sala de tecnologia com lousa digital interativa com softwares educacionais, impressora 3D; auditório/cinema com retroprojetor de alta resolução, dentre outros equipamentos. O novo cenário educacional é digital, os alunos são digitais. O problema é o conflito de gerações, pois apesar da pandemia, alguns profissionais da educação resistem a mudança, continuam analógicos, tentando ensinar seus alunos com as mesmas estratégias de quando tinha a idade deles. Hoje, o modelo educacional vigente precisa levar em conta os modos como as pessoas aprendem. Os conteúdos necessitam fazer sentido para os estudantes. Os pesquisadores educacionais apontam que, quando os alunos participam ativamente das aulas, conseguem armazenar melhor as informações no cérebro, ampliando seus conhecimentos. Com isso, ocorre um conflito nos modelos educacionais. Podemos dizer que um é analógico e o outro, digital. E não adianta querer impor nosso modelo antigo, acreditando ser o melhor. Foi melhor naquele contexto, isso não significa que será positivo para esta nova geração. Insistir nessa teoria é como querer abrir um disquete num aparelho de smartphone, impossível – tecnologias incompatíveis. Creio que seja possível a convivência harmônica entre as duas gerações: analógica e digital, desde que haja um respeito recíproco.
Retomar o aprendizado. Este é o principal desafio educacional pós-pandemia?
Sim! Este é o grande desafio – recuperação da aprendizagem de todos os alunos. No entanto não podemos ser ingênuos e acreditar que tudo ficará bem automaticamente. Penso que os maiores prejudicados foram os alunos no processo de alfabetização e os alunos do Ensino Médio. O sistema educacional brasileiro não conseguiu garantir a efetiva alfabetização dos alunos remotamente. Claro que houve muitas ações exitosas de educadores fantásticos (mas numa ação pessoal, de boa vontade), mas não houve uma política pública sistematizada e intencional. Essa lacuna irá prejudicar todo o processo educacional futuro das crianças, principalmente os mais pobres. Por outro lado, os alunos concluintes do Ensino Médio, também foram “aprovados” sem realizar o mínimo de atividades pedagógicas, e com isso pouca aprendizagem efetiva, apesar de muitas escolas oferecerem alternativas muitas vezes de modo improvisado e desarticulado. Não houve por parte do Ministério da Educação (MEC) uma diretriz estruturante, mesmo sabendo que estes alunos foram e serão avaliados nas avaliações externas (ENEM, SAEB) com as mesmas diretrizes. Mais uma vez os mais pobres foram prejudicados, pois as redes privadas e ou cidades mais bem organizadas conseguiram oferecer melhores condições de aprendizagem aos seus adolescentes.
No auge da pandemia, até pensei que as pessoas sairiam melhores deste processo de muitas privações, perdas e angústias. Mas na medida que o contexto foi “normalizando”, percebi os velhos hábitos, o aumento da intolerância, julgamentos e aquele “velho” costume de querer levar vantagem voltou a prevalecer. Pode ser que esteja com uma percepção pessimista, gostaria de crer nisso. Mas a convivência com algumas pessoas antes, durante e agora no pós-pandemia aponta para isso. Mas, sim, eu creio na aprendizagem coletiva. O processo educacional é um processo coletivo, ninguém aprende sozinho, sempre necessitamos do outo como mediador da aprendizagem. Mesmo aqueles com características “autodidatas” ou que conseguiram se sair bem no ensino remoto, necessitou de um outro para produzir o conteúdo, seja em forma de live, livro, cursos, aplicativo etc. As novas pesquisas educacionais apontam para a aprendizagem coletiva – colaborativa. A escola está engatinhando neste aspecto, pois o nosso modelo educacional sempre valorizou a competição o individualismo. A pandemia evidenciou a importância do trabalho coletivo, como o que ocorreu com as pesquisas em prol das vacinas, numa ação global de centros de pesquisas e universidades. As vacinas chegaram até nós em tempo recorde, graças à colaboração entre essas instituições. A escola precisa sair da ideia de valorizar o indivíduo. Fazendo um paralelo com os esportes, a escola não é um jogo de xadrez (com estratégias individuais de deixar o opositor sem saída), mas sim uma partida de futebol, vôlei ou outro esporte coletivo, onde cada atleta tem seu papel, passando a bola, dando passes, evidenciando ora um, ora outro. Menos competição e mais colaboração!
Então, para refletir: não faz sentido voltar para velha escola, faz?
Não sou muito adepto aos termos “velha” ou “nova” escola, como se uma fosse sinônimo de contexto ruim e o outro bom. Mas de fato não faz mais sentido a escola insistir em reproduzir atitudes e estratégias desconectadas da realidade dos alunos e seus educadores. Precisamos superar essa ideia de “modas” pedagógicas que prometem milagres com a educação. Outra situação que precisamos rever é a tentação de querer “importar” sucessos educacionais de outros países sem as devidas adequações e contextualizações. Foi assim, com o chamado “construtivismo” nos anos 80 e 90 de Piaget e Emília Ferreiro, depois as ideias de Phillipe Perrenoud – com o clássico dos anos 2000 “As 10 novas competências para ensinar”. Depois as ideias do educador português José Pacheco, onde os estudantes se organizam a partir dos seus interesses por projeto de pesquisa e, por fim, a tão famosa “educação finlandesa” com seus valores e princípios fundamentado no humanismo e universalismo, inclusão e equidade, descentralização e diferenciação, confiança e responsabilidade. Todos esses modelos têm aspectos positivos. No entanto, o equívoco está justamente em querer fazer a transposição dos procedimentos validados num certo contexto sócio histórico e econômico, para um grupo específico de estudantes, sem levar em conta a realidade das escolas brasileiras. Educação séria e de qualidade para todos se faz com política pública de governo e não apenas seguindo as “ideologias e tendências” educacionais de quem está no poder num determinado momento histórico. É urgente e necessário se pensar em um projeto educacional de médio e longo prazo, independente de quem está no poder, de modo que os próximos governos sejam obrigados a continuar com as ações planejadas, mas para isso a sociedade civil deve participar ativamente em todos os processos e não apenas votando ou criticando, como se não tivesse nada a ver com situação. A cada 04 anos, há um retrocesso nas políticas educacionais, com o atual gestor querendo apagar as “marcas” do seu antecessor, mesmo se os projetos comecem a demostrar bons resultados. Educação não se faz com personalismo, mas com planejamento estratégico de formação, monitoramento e avalição dos processos.
Perfeita essa frase. Acredito que só há ensino se houver aprendizagem. Nas últimas décadas, os educadores vêm sendo bombardeados com várias correntes pedagógicas que tentam explicar a melhor maneira de ensinar os alunos. Cada uma com seu pacote de receitas milagrosas, explicando os motivos que levam ao fracasso escolar. Na mesma proporção, os educadores nunca se sentiram tão perdidos diante de tantas opções. Antes, tinham apenas um método a seguir, o tradicional, sabiam como lecionar, tinham um “caminho suave” que guiava o seu fazer pedagógico. Seguiam o manual. E se os alunos não conseguissem aprender, a culpa era apenas destes, eram responsabilizados pelo próprio fracasso. Neste modelo educacional, o professor tinha sempre um plano pronto, um caminho pré-determinado, independente das necessidades dos alunos. No contexto atual, entretanto, para que o professor possa ser considerado eficiente, é necessário que todos os seus alunos aprendam. A escola e a prática pedagógica precisam ser inclusivas, devem levar em conta as reais necessidades dos alunos. As práticas devem ser contextualizadas e considerar os estilos de aprendizagem de cada aluno.
Por Juliana Martins Machado