
Os Granjeiros Bruna Piovesan Kalewski, Daniel Ribeiro, Alessandro Grosso, Marcia Ceppo e Ivan Esparrel Rocha da Silva têm algo em comum, além de terem crescido na Granja Vianna. Em algum momento de suas vidas, resolveram ir de mala e cuia para Londres e ficaram por lá.
Alguns formaram família, outros continuam solteiros, mas todos vivem hoje momentos de Brexit, a saída do Reino Unido da Comunidade Europeia e nos contam como estão encarando esse novo momento em suas vidas e o que a decisão de uma pequena maioria do povo britânico muda em seu dia a dia.
Marcia Ceppo: 20 anos de Londres!

Com dupla cidadania, já em posse de seu passaporte italiano, Marcia Ceppo se despediu da vida granjeira e embarcou com uma amiga para Londres em setembro de 1999, aos 23 anos de idade, depois de se formar em Design Industrial na Faap. Conta que foi com a desculpa de aperfeiçoar o inglês que estudou desde os 9 anos de idade, mas já sabia que ia passar pelo menos um ano na Europa, que queria conhecer outras culturas e ter esta experiência morando no exterior. Por que Londres? “Porque Londres sempre foi a entrada para a Europa”, diz. “Pelo menos era”, brinca.
Nos primeiros anos por lá, trabalhou como faxineira, garçonete em um Café, vendedora de roupas, até conseguir um emprego na Tate Modern, uma conceituada galeria de arte londrina. Há dois anos no país, entrou como monitora, passou a supervisora, depois foi para a equipe de comunicação até chegar à curadoria. Trabalhou por 10 anos nesta galeria.

Foi lá que conheceu seu atual companheiro, Tony Johnson, o pai de sua filha, Mia, hoje com 4 anos. “ Tony também era monitor na Tate, hoje é um dos gerentes da equipe de comunicação e tecnologia”, conta. Depois de 10 anos na Tate, ela foi para outra galeria, a Hayward Gallery, onde trabalha até hoje. Entrou como coordenadora e hoje é Gerente de Operações. Uma trajetória de muito sucesso, toda vivida com passaporte italiano, já que é neta de italianos.
“Eu não tenho direito à cidadania inglesa por se mãe de uma criança inglesa nem por ter uma união há 16 anos com um inglês”, conta Marcia. Trabalhando e pagando impostos todos estes anos, porém, já poderia ter solicitado o seu passaporte inglês, mas diz que nunca achou necessário. Nesta semana, precisou fazer o seu EU Settlement, um cadastro para europeus que moram e trabalham na Inglaterra. Com ele, ela poderá viver tranquila no Reino Unido do Brexit por, pelo menos, mais 5 anos. Até lá, também poderá entrar com o pedido de cidadania inglesa, se for necessário.
Márcia conta que tanto ela como o marido não acham o Brexit positivo para o país e acham injusta a avaliação de que os problemas econômicos do país sejam causados por imigrantes europeus que acabam vivendo às custas de benefícios ingleses. Pelo contrário. Ela acredita que os europeus movimentam a economia do país. “Tem muita gente como eu que contribui, paga impostos e nunca precisou pedir nada ao governo inglês”, diz.
Por enquanto, ela acha cedo para qualquer avaliação sobre o futuro do Reino Unido fora da União Europeia, mas de certa forma sente que foi beneficiada, pois com saída de muitos europeus que já estão deixando o país, o preço de alguns imóveis baixou e ela, finalmente, conseguiu comprar a casa própria na periferia de Londres com a economia de 20 anos de trabalho. “Comprei o imóvel de uma família de italianos”, conta. “Foi bom para mim, mas pra eles foi ruim”, observa.
Daniel Ribeiro: 10 anos em Londres e uma filhinha inglesa

Ex-colega de Marcia Ceppo na Escola Granja Viana, Daniel Ribeiro, de 43 anos, também cresceu na Granja, tem muitos amigos aqui e sua família, apesar de não morar mais na Granja, ainda mantém uma casa na Rua São Tomé, perto do Clube Pitangueiras.
Em 2010, um pouco cansado da violência no Brasil, resolveu se mudar com a namorada Marília Neves para Londres, onde já havia morado por uma curta temporada em 1997. “Primeiro, eu vim, arrumei um emprego, consegui um apartamento e, depois de três meses, ela veio”, conta. “Eu tinha cidadania portuguesa, então já era cidadão europeu, mas ela veio com visto temporário, ficou seis meses, voltou para o Brasil e depois retornou pra cá para nos casarmos. Na volta, ela teve problemas na imigração e, então, apressamos o casamento no cartório inglês”, lembra. Assim, ela ficou com a permanência de esposa de cidadão europeu e nunca mais teve problemas.
Depois de três anos em Londres, os dois já estavam nos empregos que têm até hoje. Ela no grupo italiano Dolce Gabbana e ele em um grupo de restaurantes peruanos em Londres. Começou como chefe de cozinha, foi crescendo bem no grupo e hoje é Chefe Executivo da rede, cuidando dos três restaurantes: Ceviche, Casita Andina e Andina.

Hoje, o casal já tem uma filhinha inglesa de um ano e dois meses, a Maria Eduarda, que nasceu em novembro de 2018 e já tem dupla cidadania, inglesa e brasileira. “Com o Brexit, resolvi fazer um terceiro passaporte para ela: o português”, conta Daniel. No final do mês passado, ele e a esposa também tiveram de fazer o cadastro para europeus residentes no Reino Unido, o EU Settlement. Comprovaram o tempo de residência no país, que têm trabalho fixo e pagam impostos e ganharam o visto de permanência por 5 anos. Segundo Daniel, pelo tempo de residência e trabalho em Londres que o dois têm, já teriam direito ao passaporte inglês, mas até agora não haviam buscado por isso porque, além de ter de pagar taxas por isso, não havia necessidade.
Sua mãe vive em São Paulo e o pai e os dois irmãos hoje vivem em Portugal. A mãe de Marilia pensa em ir morar em Londres com eles e, assim, a família vai aos poucos se mudando para mais perto deles. “Mesmo assim, nós pretendemos continuar indo para o Brasil para visitar os os parentes que ainda estão aí, além dos amigos que são muitos”, diz Daniel. “Também queremos que a nossa filha mantenha o vínculo com o Brasil”, ressalta.
Sobre o Brexit, Daniel acha que foi uma grande bobagem e não vê muitos benefícios na decisão. Ele acredita que foi uma forma que o Reino Unido encontrou para controlar melhor quem entra e quem vive no país, mas acha que foi uma decisão que não trará grandes benefícios futuros e talvez até atrapalhe a economia do país com alimentos mais caros (importados), por exemplo. Como Marcia Ceppo, ele também espera aproveitar o êxodo de europeus para talvez comprar seu primeiro imóvel inglês.
Alessandro Grosso: 17 anos na Europa
Sua família veio do interior de São Paulo, morar na Granja Viana em 1980. Alessandro Grosso, hoje com 44 anos de idade, passou a infância e a adolescência aqui na região, onde fez grandes amigos. Depois, foi morar por um tempo no nordeste do país, em Fortaleza (CE), e depois em Florianópolis (SC). E finalmente, em 2003, resolveu ir para a Europa. Morou na Espanha, depois 5 anos na Itália, onde conseguiu o passaporte por ser neto de italianos. Agora, já está há quase 8 anos em Londres, na Inglaterra, onde hoje trabalha com logística na construção civil. Antes disso, também trabalhou como Chef de Cozinha em Londres.

“Aqui o brasileiro trabalha bastante. É tudo muito corrido. O clima é frio, mas em compensação a gente tem acesso a muita coisa boa, viagens, restaurantes, vida noturna. Londres é um lugar sensacional para se viver e eu não acredito que vá mudar muito por causa do Brexit”, diz. “Talvez mude mais para frente, nos próximos 5 anos, principalmente nas questões econômicas, nos impostos, nas taxas, talvez até venha uma recessão, mas a gente ainda não tem muita noção do que vai acontecer”, comenta.
Quanto à família, Alessandro conta que tem um irmão que também mora em Londres há 2 anos, outro morando nos Estados Unidos, o pai em Florianópolis e a mãe em São Paulo. Comenta que já teve alguns relacionamentos na Europa, mas ainda não encontrou a alma gêmea.
Solteiro, mora com um casal de amigos (ele brasileiro e ela espanhola), pois ainda considera o custo de vida alto para viver sozinho.

Ivan Esparrel Rocha da Silva:
mais oportunidades e reconhecimento profissional
Ele cresceu na Granja Viana, foi aluno de tênis da Meyer Tennis, participou de torneios locais, estaduais e brasileiros, se formou em Educação Física, chegou a dar aulas na Meyer Tennis, no Club Med, no Alphaville Tennis Club e na equipe do Mauro Menezes, na Tennis Ranch, da Estrada do Capuava. Trabalhou desde os 17 anos de idade com tênis competitivo e social.
Em certo momento da vida, no entanto, sentiu que a situação econômica no país não estava boa, que dar aulas aqui não estava sendo compensador financeiramente e que também não sentia o devido reconhecimento como profissional. Foi, então, que primeiro passou uma temporada no Canadá, onde estudou inglês, e depois, já com cidadania espanhola, resolveu ir para a Inglaterra.

Em Londres, teve de fazer vários cursos para poder dar aulas de tênis. Todos os cursos da LTA (Lawn Tennis Association) já que, apesar de reconhecida, a sua formação em Educação Física aqui não é considerada suficiente para dar aulas lá. Começou como assistente, mas logo passou a dar aulas, já que tinha bastante experiência. “Agora, estou concluindo mais um curso. Aqui a gente tem de estar sempre fazendo novos cursos para continuar aptos a continuar dando aulas de tênis”, conta. “Uma coisa incrível aqui é como o inglês reconhece a importância do profissional que ensina o tênis”, elogia.
“Eu tenho 41 anos, moro aqui há quatro anos e meio, e tenho uma namorada no Brasil há 11 anos. Ela vem para cá periodicamente e eu vou pra lá sempre que posso”, conta. Aqui na Granja também vivem seu pai, seu irmão e sua avó. “Minha namorada não vem por enquanto pra cá porque tem um bom emprego, apartamento próprio e uma filha”, comenta. Por outro lado, ele ainda não pensa em voltar. “Eu estou me aperfeiçoando profissionalmente aqui e acho tenho algumas coisas para conquistar por aqui”, diz.
Ivan vê o Brexit com bons olhos. “Eu acho que o Reino Unido tem uma boa situação econômica e agora vai poder negociar com o mundo com mais liberdade”, diz. “Estarão menos presos às restrições e protecionismos da União Europeia”, avalia.
Sobre a vida na Europa, ele avalia como bastante positiva. “Aqui você tem acesso e facilidades para conhecer lugares que você não teria tanta facilidade morando no Brasil. Quando você mora no Brasil, o mundo é grande. Mas quando você mora aqui, o mundo fica pequeno, porque você se desloca muito mais entre os países”, comenta. Na questão de segurança, ainda é um dos lugares mais seguros para se viver. E mesmo com toda essa mudança na economia, a gente não sente grandes alterações. Tudo anda normal aqui”, elogia. Mesmo como estrangeiro, ele tem acesso a saúde pública de qualidade superior à do Brasil, apesar de reconhecer que a saúde privada no Brasil é superior à pública na Inglaterra.
Em Londres, ele trabalha para a equipe de tênis do Head Coach John Johnson. “Eu trabalho em três Parks de tênis: Avondale Park em Kensington, no Holland Park e no Kensington Memorial Park”.

Bruna, Jack e Caio Piovesan Kalewski: família recém-chegada
A Granjeira Bruna Piovesan Kalewski, de 28 anos, se mudou para Londres com a família esta semana. Ela é casada com o inglês Jack Kalewski, de 25 anos e mãe do pequeno Caio Kalewski, de apenas um ano e quatro meses. O casal se conheceu na Austrália, quando trabalhavam com eventos em um hotel. Ele trabalhava no bar e ela, atendendo as mesas. “Ele foi para a Austrália, logo que se formou em economia para trabalhar e viajar”, conta Bruna. “Eu fui com visto de estudante, mas podia trabalhar também”, lembra-se. Depois de uma boa temporada vivendo juntos na Austrália, vieram para o Brasil, onde se casaram em uma linda cerimônia no antigo Tantra Granja Viana.
Aqui seu filho nasceu, já com dupla cidadania. Tem direito ao passaporte inglês por se filho de inglês. Agora que o filho está um pouco maiorzinho, resolveram morar em Londres, onde acreditam terão mais oportunidades de trabalho, acesso a educação e saúde públicas de qualidade.

Para conseguir o visto para ir para a Inglaterra, não foi tão fácil como se pode imaginar. Bruna não tem direito à cidadania inglesa nem por ser casada com um inglês, nem por ter um filho inglês. “Tivemos que comprovar renda do Jack, que trabalha para uma empresa inglesa, para provar que ele tem condições de me ‘patrocinar’ na Inglaterra como esposa”, conta Bruna.
“Sobre o Brexit, Jack acha que o Reino Unido deveria continuar na União Europeia, apesar de que também vê algumas vantagens com a possibilidade de deportar terroristas, coisa que antes não era permitida em função de leis da União Europeia”, comenta Bruna. “Ele também acredita que será mais fácil encontrar emprego em Londres já que muitos europeus vão acabar saindo do país”, diz.
Entenda o Brexit
A União Europeia é um grupo até então formado por 28 países, contando com o Reino Unido, com livre comércio entre si. O bloco também permite o trânsito de seus cidadãos para trabalhar e morar em qualquer parte do território dos membros como cidadãos europeus.
“Brexit” é a junção das palavras em inglês “British” e “exit” e significa “saída britânica”. O termo é usado para se referir à saída do Reino Unido da União Europeia (EU).
O processo teve origem em grupos da direita da Inglaterra e ganhou força ao longo dos anos 2010. A discussão ganhou contornos mais sólidos em 2016, após a proposta ser aprovada em referendo com 52% de votos favoráveis dos britânicos, contra 48% que rechaçaram a saída da UE.
A defesa do Brexit argumenta que a saída do Reino Unido do bloco é positiva, porque irá:
· Restringir a entrada de imigrantes no país;
· Aumentar a soberania dos britânicos para decidir sobre assuntos de interesse interno, como saúde, emprego e segurança;
· Aumentar os recursos públicos disponíveis exclusivamente para os britânicos, com o fim dos valores repassados à UE;
· Melhorar as possibilidades de negociação em acordos bilaterais com outros países.
Já para quem era a favor da permanência dos britânicos no bloco, o Brexit vai:
· Dificultar para cidadãos do Reino Unido viver em outros países da União Europeia;
· Prejudicar negócios hoje favorecidos com regulamentação e burocracia comuns entre os países;
· Reduzir lucros devido à cobrança de tarifas de exportação para os países europeus, destino de grande parte dos produtos britânicos exportados;
· não ter qualquer garantia de que o dinheiro hoje repassado à UE será aplicado em demandas internas, como serviços de saúde e segurança.
Por Mônica Krausz