Jovem de Carapicuíba é vencedora do prêmio Mude o Mundo Como Uma Menina

Mais de 400 meninas de 13 a 21 anos de todo o Brasil participaram, com suas iniciativas e ações comunitárias, do prêmio Mude O Mundo Como Uma Menina que busca incentivar o desenvolvimento e a entrada das jovens em áreas Stem (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática).

A seleção foi feita por mulheres profissionais, que são referência nessas áreas, como a física Sônia Guimarães, Natália Pasternak, doutora em microbiologia e presidente do Instituto Brasileiro Questão de Ciência, a professora doutora Renata Muniz Prazo, da UnB, a doutora em Filosofia (PhD) Daniela Gomes, professora na Universidade Estadual de San Diego, além de Pascale Thivierge, gerente do Programa de Diplomacia Política e Pública do Consulado do Canadá, em São Paulo.

Entre as jovens que concorreram ao prêmio, estava a carapicuibana Dandara Medeiros da Silva, que acabou levando a melhor na Categoria Visionária que é designada às meninas que idealizam projetos inovadores, são vistas como “à frente do seu tempo” e, assim, causam transformações revolucionárias com ideias originais.

“É importante reconhecer meninas pelas transformações que elas estão provocando. Quando vemos a trajetória da Dandara, que vem de um espaço de vulnerabilidade social e, mais ainda, sendo trans, percebemos que tê-la como referência e inspiração é incluir e dar voz para muitas outras meninas. Esse prêmio é a abertura de um caminho para que mais jovens possam mudar suas realidades e transformar a sociedade para melhor, com mais respeito e evolução”, comenta Déborah De Mari, fundadora da iniciativa Força Meninas.

De fato! Aos 21 anos, Dandara é um exemplo de superação e resiliência e tem desbravado caminhos, antes bloqueados. “Sou uma menina preta, trans e moro numa ocupação em Carapicuíba, Santa Cecília. Minha família veio da zona sul para cá, por falta de condições financeiras. Já sofremos inúmeras tentativas da prefeitura de nos retirar daqui do terreno. Sempre foi bem difícil. Desde muito nova, fui pega pelo trabalho infantil e tinha que ajudar dentro de casa no sustento com a venda de doces e sorvetes. Um período muito marcante foi, quando de férias aos 11 anos, eu e meu irmão ficamos vendendo para podermos comprar um tênis. Acho que ali eu comecei a ter noção que a realidade não ia mudar, se eu não me movimentasse junto com ela e se não buscasse educação e apoio de outras pessoas”, respira fundo, relembrando.

Graças ao incentivo de um homem que morava perto da igreja onde Dandara frequentava, ela começou a cogitar prestar prova para Senai, Etec e Enem. Foi uma época turbulenta, “era preciso pegar papelão para sobreviver”. Nas horas de “folga”, usava a Internet emprestada do vizinho para estudar. Foi assim que conseguiu se tornar a primeira da família a entrar na universidade. “Isso teve um impacto gigante e transformador na minha comunidade. Todos olhavam e falavam: nossa, ela conseguiu e nós podemos conseguir também! Acho que minha missão aqui é destrinchar todas essas barreiras para eles e mostrar que, sim, isso é possível”, orgulha-se.

“Superar tudo o que passei foi muito difícil e deixou grandes marcas que eu trago até hoje. Mas ser reconhecida com esse prêmio e desenvolver esses projetos… (para e pensa) alivia minha alma no sentido de que ainda há esperança de mudar essa realidade. Desde muito nova, nunca aceitei a realidade que eu estava introduzida e sempre quis mudá-la, sabe? Mas hoje em dia, já sendo adulta, estou vendo o impacto que tô causando e como isso está transformando vida de pessoas ao meu redor. É demais e não tem preço”, completa.

Ela se emociona ao descrever a importância deste prêmio para sua luta: “significa muito para mim. Tem um valor muito forte de saber que toda minha luta e perseverança valeram a pena e, mais, que esse projeto está chegando a mais lugares e tomando outras proporções, transformando vidas e causando muito impacto positivo. Ganhar esse prêmio vai fazer com que abra novas portas para minha comunidade, para o povo periférico, para o povo preto, para o povo trans e tudo mais. E isso vai trazer grandes impactos futuramente. Acredito que iniciativas, como a Força Meninas, faz com que vozes, assim como a minha, antes caladas e silenciadas, ecoem por diversos locais”.

Amante da arte e da natureza, Dandara é educadora, ativista e pesquisadora em Engenharia da Computação. Quando questionada se ela se considera uma pessoa visionária, é categórica em afirmar que sim! “Sempre fui aquela pessoa com ideias extravagantes e incomuns e que todo mundo olhava e falava que era fora da minha realidade. Mas eu sempre acreditei… (para e pensa) Sempre acreditei que eu poderia mudar a realidade. Ser visionária é isso: é poder transformar vidas, trazendo segurança e dignidade para o meu povo”, responde.

Além do Mude O Mundo Como Uma Menina, foi ganhadora do hackathon da 99jobs realizado só para pessoas negras, cujo objetivo é mitigar as desigualdades da sociedade. Seu projeto vencedor está em desenvolvimento pela ONU. Dandara ainda é professora no cursinho popular da Rede Emancipa, que leva educação gratuita para jovens periféricos, participa também do projeto Geração que Move do Unicef e ONG NOSSAS onde criou uma campanha de mobilização urbana.

“Esses espaços de competições e tecnologia sempre foram negados ao meu povo, pessoas pretas, trans e periféricas. Então, quebrar esse paradigma foi algo muito transformador e me impulsionou a entrar em outros projetos, como o Geração Que Move. Ali, pude criar um projeto do zero chamado Segurança Delas, onde combatemos o assédio e a violência nos transportes públicos. Já o projeto do hackathon, criado por mim e outras mulheres transformadoras e potentes, tinha o intuito inserir mais pessoas pretas no mercado de trabalho. A ideia inicial era criar uma plataforma onde iríamos oferecer serviços para essas pessoas e prepara-las para o mercado. Nosso projeto foi levado para o Pacto Global da ONU e está sendo desenvolvido junto com a 99jobs. Temos como meta, até 2027, ter 10 mil trainees negros nos cargos de liderança. Sei que iremos transformar e causar grandes impactos”, afirma.

Dandara é ainda militante do coletivo estudantil da UJS, e faz parte do projeto Cósmicas (Programa de Lideranças Femininas) do Instituto Tomie Ohtake, focado no protagonismo feminino. Foi pesquisadora em um projeto de iniciação científica, nas áreas de Neuromecânica e Ergonomia para pessoas PCDs. E pretende ir mais além.

“Meus planos para o futuro é fazer com que meus projetos cresçam cada vez mais, causando mais impactos na minha comunidade. Também tenho vontade de criar um projeto para combater o trabalho infantil, tema impactante na minha vida e tenho que fazer algo perante a isso. Pretendo terminar minha graduação. Não vejo a hora de pegar o diploma na mão e falar: ‘nossa, consegui’. Daqui a alguns anos, quero estudar engenharia aeroespacial na Flórida, meu sonho é me tornar astronauta e sei que vou conseguir”, revela.

E como esperar mudar o mundo? “Com muita garra, perseverança e sorriso no rosto! E com novas amizades que estão por vir que irão me ajudar a dar continuidade aos projetos. E, claro, me unir a minha comunidade e entidades para ajudar a causar ainda mais impacto. Penso que minha voz tem sido ecoada através de todas aquelas pessoas que tiveram as vidas transformadas através dos meus projetos e das minhas lutas”, finaliza.

 

Por Juliana Martins Machado

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