Marcos Sá pontua questões de um tempo em que o imediatismo é dominante

Em artigo, nosso colunista Marcos Sá escreve que "a virtude da paciência está sendo substituída pelo imediatismo e pela ansiedade que, consequentemente, culminam em erros".

De repente, os áudios que recebia pelo Whatsapp aceleraram. Foi quando descobri que a nova função de velocidade do aplicativo estava acionada em 2x. Os áudios pareciam do Pato Donald, falando veloz e furiosamente! Já me acostumei e agora faço uso da velocidade 1,5x. Muito sintomático. Estamos ficando cada vez menos pacientes. Tudo tem que ser na hora, acelerado e rapidamente. Se recebermos uma mensagem, a pessoa que nos enviou aguarda a resposta imediatamente. Idem quando enviamos mensagens. Ficamos olhando no celular, esperando os dois pauzinhos azuis aparecerem, sinal que a mensagem foi lida. E aí começa a impaciente espera da resposta. Tem que ser na hora. Se não vem, já mandamos uma indagação. Qualquer texto com mais de 40 caracteres dificilmente é lido por inteiro por quem recebe. Você percebe pela resposta. No caso de e-mails, ele volta com perguntas ou questões que estavam explícitas no texto, mas o cara não leu até o fim e já emendou um de volta com as perguntas que já estão respondidas. Bastava ler o email até o fim. Os jogos nos videogames também são aceleradores do tempo. Você vence um desafio, passa uma etapa e já vem a recompensa na hora! Se você perde, pode recomeçar imediatamente. É pá e bola! A geração Z, que já nasceu sob essa onda, tem necessidade de ser atendida imediatamente nas suas demandas. Não conseguem aguardar para falar, interrompendo as conversas alheias e exigindo serem atendidas imediatamente. Vão sofrer no futuro. Em grupo, as conversas paralelas rolam soltas. Difícil alguém conseguir contar uma história do começo ao fim para mais de uma pessoa. Há uma total dispersão e falta paciência ou atenção em ouvir um relato completo. Aumentou muito o número de separação entre casais jovens em virtude da falta de paciência de um com outro. Nos primeiros desentendimentos, a relação degringola. Há a necessidade da felicidade imediata. Pintou sofrência, a relação vai para o vinagre sem volta. Nos empregos, o fenômeno se repete. Na primeira chatice do chefe ou exigência da empresa, a paciência se esgota. Lá se vai o tempo onde tínhamos um ou dois empregos, no máximo, durante toda a vida. É um fenômeno mundial. Esportes modorrentos vêm perdendo audiência por falta de objetividade e lentidão. O futebol, por exemplo, está ficando chato de se ver pela demora e ausência de gols. Na política, nos primeiros erros já pedimos o impeachment do Ministro, Governador ou Presidente. Acabou a paciência, mas ainda falta a atitude. A virtude da paciência está sendo substituída pelo imediatismo e pela ansiedade que, consequentemente, culminam em erros. “Apressado come cru. A pressa é inimiga da perfeição. Uma das grandes desvantagens de termos pressa é o tempo que nos faz perder. O raciocínio e a pressa não se dão bem. A rapidez, que é uma virtude, gera um vício que é a pressa”. Velhos ditados para novos tempos. O fato é que essa aceleração tem consequências desastrosas para o cérebro humano. Nossa capacidade de assimilar informações não é ilimitada. Nunca tivemos tanta informação disponível, mas acabamos assimilando-as de forma rasa. Raramente nos aprofundamos na informação. Todo mundo já ouviu falar de algum assunto e sobre tudo de vários assuntos, mas pouca gente consegue entender com profundidade sobre um tema. E aí o bicho pega. Sabemos de tudo um pouco, mas nada que nos fortaleça intelectualmente. Se você chegou até aqui nesse texto, considere-se diferenciado. Sua capacidade de leitura e vontade de se informar está acima da média.


Por Marcos Sá, consultor de mídia impressa, com especialização em jornais, na Universidade de Stanford, Califórnia, EUA. Atualmente é diretor de Novos Negócios do Grupo RAC de Campinas

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