Milenna Saraiva escreve sobre a Semana de 22

Neste mês de abril, a Revista Circuito completa 22 anos de existência. Para celebrar esta data tão importante, Milenna Saraiva faz um paralelo a um evento artístico marcante para a história da arte de nosso país: a Semana de 22, também conhecida como Semana da Arte Moderna, que, em fevereiro, completou 100 anos.

Em 30 de janeiro de 1922, o jornal A Gazeta trazia uma “nota de arte”. Um grupo de distintos cavalheiros, dizia o texto, “vai tentar a organização de uma semana futurista, que será, sem dúvida, o maior escândalo artístico de que se tem notícia em São Paulo”. O tom era de alerta, de antecipação de uma batalha. “Nós, que pensamos que a grande arte deve ser compreendida por todos, esperamos, cheios de curiosidades, a realização desse certame e prometemos, desde já, a nossa crítica severa contra a iniciativa”.
O momento era de uma forte industrialização em São Paulo, o que afastava a cidade de se tornar um polo cultural do Brasil – esse título pertencia ao Rio de Janeiro. Muito inspirados nas vanguardas europeias, os artistas se reuniram no Teatro Municipal para apresentar um novo conceito artístico, que mais tarde influenciaria diversas vertentes, como o Tropicalismo de Caetano Veloso e Gilberto Gil.

A Semana de Arte Moderna aconteceu entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 1922. Entre outras categorias, música, poesia, pintura e dança foram apresentados durante o período. Apesar das inspirações europeias, a proposta foi explorar a brasilidade e valorizar o território nacional como berço de inspiração cultural. Durante o evento, houve uma agitação coletiva (algumas positivas e outras nem tanto assim), já que o encontro dos artistas pretendia criar uma ruptura no modo de se fazer e de se consumir arte – na época, mais elitista e voltada para um público seleto.

Grandes nomes de artistas brasileiros se destacaram no evento. Entre eles, estavam Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Heitor Villa-Lobos, Di Cavalcanti, Graça Aranha, Sérgio Milliet, Guiomar Novaes e Tarsila do Amaral. Tarsila, com suas obras Abaporu e Operários, foi uma das figuras centrais da primeira fase do Modernismo Brasileiro.

VAMOS OBSERVAR
Operários, 1933
Óleo sobre tela
150 × 205 cm
Localização: Palácio Boa Vista
Tarsila do Amaral

Tarsila nasceu no interior do estado, em Capivari. Depois, foi a São Paulo estudar e terminou sua aprendizagem em Barcelona. Em seguida, começou a pintar e se mudou para Paris. Em 1922, teve contato com as vanguardas quando chegou ao Brasil e conheceu Anita Malfatti.  A partir daí, sua carreira de pintora decolou.

Em 1931, vendeu quadros de sua coleção particular e viajou à União Soviética. Foi lá que começou a se envolver mais com questões sociais e com o proletariado. Como Tarsila tinha perdido toda a sua fortuna com a Grande Depressão, teve, inclusive, que trabalhar como proletária para pagar sua viagem de volta ao Brasil. Quando retornou ao país, ligou-se ao comunismo e pintou o quadro Operários. A pintura retrata o momento da industrialização brasileira, principalmente, a paulistana. Com Getúlio Vargas, o país passou a se industrializar e a classe operária, a surgir. O quadro mostra a diversidade cultural de um povo oprimido pelas elites, representadas pela fábrica ao fundo. Embora as pessoas estejam em primeiro plano e todas tenham traços diferentes, não é fácil distingui-las. Elas parecem todas iguais, simbolizando, portanto, um sistema que apaga o cidadão. No quadro, os operários são apresentados com os rostos sobrepostos, o que remete à massificação do trabalho e às condições precárias de vida nas cidades. Diversas etnias aparecem na obra, fazendo menção à migração de diferentes locais do Brasil e do mundo para as grandes metrópoles. A expressão dos operários passa ao espectador a sensação de tristeza, indiferença e cansaço. Esses sentimentos representam as péssimas condições de trabalho às quais estavam submetidos, assim como a falta de perspectiva que predominava no contexto de opressão da Era Vargas.

Polêmica, confusa, barulhenta, tida como “demasiado festiva” e “pouco moderna”, não se pode negar que a Semana de Arte Moderna de 1922 foi um marco, um divisor de águas no panorama artístico brasileiro. Fez o papel de divulgação da arte moderna, que, por sua vez, cultivou o terreno para a consolidação de uma revolução artística e literária que tomou forma após 1922, quando foram lançados os manifestos de Oswald de Andrade e as obras fundamentais do Primeiro Modernismo brasileiro, tais como Macunaíma (Mário de Andrade), Memórias Sentimentais de João Miramar (Oswald de Andrade) e Ritmo Dissoluto (Manuel Bandeira).

Escancarou as portas para uma grande liberdade no que diz respeito à produção e pesquisa estética no país, contribuindo para um florescimento intelectual e artístico. Na visão de Di Cavalcanti, o acontecimento da Semana extrapolou o campo cultural e repercutiu também na área política.


Por Milenna saraiva é artista visual, formada pelo Santa Monica College, em Los
Angeles, EUA. É galerista da Casa Galeria, espaço de arte contemporânea.

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