A Seleção Brasileira feminina de futebol não conseguiu conquistar o tão sonhado título mundial, em junho, na Copa do Mundo da categoria. As meninas perderam para a França na prorrogação e foram eliminadas. Mas apesar da derrota e da desclassificação, o futebol feminino no Brasil recebeu o maior impulso de sua história, inspirando mais mulheres a procurarem e exercerem essa prática esportiva.
E o futebol entre as mulheres não é só encarado pelo lado profissional. Elas buscam melhorar o desempenho nos treinos e nas partidas, mas para além disso, o esporte acaba interferindo positivamente na vida pessoal e familiar.
“Hoje vejo além de um hobby. É uma interação, um crescimento de espírito de equipe, uma mistura de sentimentos que mesmo em poucas horas em quadra você se sente viva, transbordando de saúde”, relata Mariana Santos, 33, moradora de Cotia.
Ela treina com mais 21 mulheres no projeto FUT MOV, na Granja Viana. Analista financeira, Mariana relata ainda que o futebol a tirou do sedentarismo. “Eu era muito sedentária – depois de várias tentativas frustradas de idas a academia. Hoje durmo melhor, respiro melhor”, disse, complementando que até seu marido mudou a visão sobre o esporte. “Meu esposo apoia, vê o mundo menos machista, entendendo que mulheres também podem jogar bola sem perder a essência do feminino.”
“O acolhimento em grupo”. É o que destaca Júlia, 24, que também treina no projeto FUT MOV. Para ela, a satisfação em ter um tempo só para si mesma desde que se tornou mãe, tem sido bem complicado, e o acolhimento foi essencial.
“Quando cheguei, muitas mulheres com as mesmas dificuldades que as minhas ou diferentes estavam ali, em busca do que sentiam prazer em fazer. No meu caso, foi o exercício físico, que há anos não estava conseguindo, e com isso o ganho enorme de peso”, conta. Hoje, ela conseguiu superar o sedentarismo e já eliminou 11 quilos.
Além disso, Júlia, que trabalha como empregada doméstica, diz orgulhosa que o futebol ajudou, inclusive, a sua mãe, com quem treina junto. Ela tinha asma e hoje, graças aos treinos, nunca mais teve crises. “Ela encontrou mulheres de diversas idades que foram super receptivas e, para completar, a asma nunca mais foi um problema. Hoje tenho minha mãe ao meu lado e feliz por amar o futebol assim como eu.”
A idealizadora do FUT MOV, Mirian Barbosa, já imaginava que o futebol traria às mulheres um auxílio na socialização e ajudaria em algumas mudanças na vida, mas não desta ‘forma grandiosa’. Para ela, montar esse projeto foi a melhor decisão que já tomou na vida.
“Eu vi que estava sendo transformador na minha vida e, aos poucos, percebi isso nelas também. Tem mulheres que deixam tudo para vir jogar. Isso foi me dando mais estímulo para criar mais coisas, como eventos e festas. E eu vejo o quanto elas se sentem felizes. Ver essa transformação na vida delas é muito gratificante”, comemora.
A psicóloga Teresa Vieira Gama explica que práticas esportivas coletivas, como o futebol, são importantes, porque ajudam o corpo a liberar uma série de substâncias que equilibram o humor, por exemplo. Além disso, ela detalha que o engajamento com um grupo e essa sensação de pertencimento são fatores fundamentais que auxiliam na autoestima.
“A pessoa desfoca o olhar voltado para os problemas dela, amplia mais esse olhar e passa a pertencer a esse grupo, onde ela tem troca, desenvolve laços e isso vai ajudá-la a não ficar presa somente às suas questões”, explica.
A ideia tem dado tão certo que a proposta agora é aumentar o grupo. Na semana passada, o projeto fez uma aula experimental com mais 15 meninas. “Quero passar isso para as pessoas, de que fazer esporte é legal, fazer novas amizades é legal, que faz bem para a saúde, para a mente. Quero que as pessoas se inspirem e criem mais projetos como este”, idealiza Mirian.
LUTO, INCENTIVO E OPORTUNIDADE
Além de auxiliar na socialização e na parte física, o futebol também consegue ajudar em outras situações. É o caso da jogadora de Cotia Kátia Lires, a Katita, que superou o luto. Sua mãe, Geralda Lires de Oliveira, faleceu há dez anos, acontecimento que a deixou desanimada. Mas Katita deu a volta por cima. Foi em um jogo no Ginásio de Esportes de Cotia, dois dias após o falecimento de sua mãe, que ela se sentiu motivada e encorajada.
“Foi uma partida muito difícil, mas eu decidi jogar. Quando vi a minha família no ginásio e todos me chamando pelo meu apelido ‘Katita’, aquilo me deu uma força renovadora. Eu chorava e, ao mesmo tempo, conseguia enxergar o carinho, respeito e admiração de todos por mim. Foi um momento marcante”, relembra.
Já para Deisid de Jesus, o futebol abriu portas que ela nunca imaginava. A atleta conseguiu entrar no time de futsal de Cotia, onde obteve um desconto na faculdade de Educação Física, que tinha parceria com a equipe. Deisid chegou, na época, a jogar no Sul do país, e abandonou o curso por este motivo.
“Quando voltei para São Paulo, voltei a estudar por indicação da Katita. Consegui uma bolsa de estudo e, enfim, me formei. Posso dizer que as oportunidades que tive de estudar, conhecer outros estados e outras culturas, foi devido ao futebol”, conta.
Desde 2017, Katita e Deisid dedicam suas vidas para ajudar crianças e jovens de Cotia. Ambas desenvolvem um projeto social chamado ‘Eduka Fut’, nos bairros Jardim Branco e Jardim do Engenho. A iniciativa atende cerca de 130 alunos, de 6 a 14 anos.
AUXÍLIO NA DEPRESSÃO
O futebol para Noemi Saavedra Mabrique, moradora da Granja Viana, teve uma importância ainda maior. Há seis anos ela enfrenta a depressão. Já tentou academia, mas não surtiu efeito. Foi com os pés na bola que ela encontrou sua verdadeira terapia.
Após ter visto a divulgação do projeto FUT MOV, Noemi disse que se ‘entusiasmou’, mas não procurou os treinos de imediato. Foi após um tempo que ela superou o medo e tomou uma decisão que mudaria sua vida.
“Eu não sou a mesma pessoa de antigamente. Hoje eu sou bem mais feliz. Fiz muitas amizades no jogo. Jogar futebol me satisfaz, eu aproveito. Fez a diferença mesmo. Não vou falar que estou curada [da depressão], totalmente, eu ainda tomo remédio, mas o futebol me ajudou muito”, relata.
Orgulhosa, ela conta que sempre quando pode, convida alguém para participar, pois acredita que se fez bem para ela, pode também ajudar outras pessoas. “O futebol me deu uma vontade de viver, que infelizmente eu não tinha. É minha terapia. O meu remédio. Está me realizando como pessoa.”
AJUDA MÉDICA NÃO PODE SER DISPENSADA
A psicóloga Teresa Gama, no entanto, ressalta que dependendo do caso a ajuda de um especialista não pode ser descartada. Ela explica que todos têm ‘um modo de funcionar na vida’ e que levamos esse ‘modo’ para todos os lugares. “Em uma prática esportiva, eu também vou levar esse modo de ver a vida, de lidar com as pessoas e de me colocar nas situações. E isso a gente leva também para o esporte.”
E a especialista em doenças psicossomáticas dá exemplos: “Se eu sou muito perfeccionista e isso me deixa ansiosa, e eu fico sofrendo em função disso, se eu for fazer um esporte para dar uma descarregada, tenho que ficar atenta, porque esse meu modo de ser acabo levando também para lá.”
Por isso que, dependendo da situação, Teresa aconselha a pessoa a procurar um acompanhamento profissional. “Se ela está num processo psicoterapêutico, consegue ir elaborando isso. São coisas que também podem aparecer no esporte porque a prática esportiva não é um milagre em si. A gente é o que é em todos os campos. Então a prática esportiva acaba sendo mais um espaço de convivência que eu vou me reconhecer. A gente tem que estar atento a isso. Um acompanhamento profissional ajuda a conscientizar para que a pessoa consiga se perceber naquela situação.
Confira outros depoimentos de mulheres que praticam futebol*
“Quando eu era menor, jogava apenas com os meninos. Já sofri bullying por não gostar de bonecas como as outras garotas. Bom, eu cresci fazendo o que realmente gostava, sem me preocupar com a opinião dos outros.
Conheci o Fut Mov e, desde o primeiro dia, já gostei muito. Primeiro pela iniciativa de criar esse projeto e, segundo, da mulherada por não ter medo de críticas, mesmo que seja apenas para se divertir.
Bom eu gosto muito da união que cada uma tem, o cuidado, a preocupação e o respeito. Para muitos, o futebol é apenas um jogo no qual há uma disputa entre dois times. E eu pensava assim, não vou negar. Mas o Fut Mov me mostrou que o futebol é muito mais que isso. Amo esse projeto e sempre que precisar da minha ajuda e colaboração estarei à disposição.”
Vitória, 17 anos
“O amor por este esporte vem desde criança. Jogava com os meninos da minha vila, depois frequentei o projeto Âncora e jogava na escola nos campeonatos ‘interclasse’. Assim foi até os meus 18 anos, quando eu tive que decidir entre jogar bola ou se comportar como uma mulher padrão para família e namorado na época. Então parei, fiquei praticamente 12 anos sem jogar bola, mas mesmo assim sentia muita saudade de jogar, de correr atrás da bola de ter a sensação de competir e fazer gol. Então, graças a Deus, encontrei o FUT MOV este ano, através da minha amiga Renata e digo que estou realizada.
O projeto é incrível, pois abrange mulheres de várias idades, como mães, casadas, solteiras e de vários níveis de futebol. A cada aula saio muito satisfeita, pois vejo que um grupo unido, uma motivando a outra a ser melhor, ajuda a ter empatia com as dificuldades individuais.”
Géssica, 30 anos
“Na minha vida, a variação entre um tipo de exercício e outro contribuí para a redução da glicemia, pressão arterial e diminuição de peso. Jogando futebol é possível observar a redução da gordura corporal e uma sensação de prazer e satisfação para quem pratica. Isto sem falar que praticar o esporte exige concentração, o que resulta na melhora da tomada de decisões e resolução de problemas. Sempre tentamos relacionar as atividades do aquecimento a atividade seguinte, o jogo no caso do futebol, muito esperado por todas nós do Fut Mov.
Quando falamos em corpo, não nos referimos apenas na visão fisiológica da coisa, mas também psicológica, nós caminhamos, trotamos e corremos em intensidades leves e moderadas. Durante as partidas, existem muitos estímulos, que são corridas em intensidade máxima, chutes, saltos, acelerações e desacelerações em altíssima intensidade.”
Érica, 41 anos
*Os três depoimentos acima são de mulheres que treinam no projeto social FUT MOV, na Granja Viana
Por José Rossi Neto
O futebol feminino para além das quadras e dos gramados
A Circuito conversou com diversas mulheres de Cotia que conseguiram superar algum problema na vida após terem o contato com o futebol. Hoje elas vivem mais saudáveis, se divertem e auxiliam umas as outras. Casos de obesidade, luto e depressão foram superados. Confira!