“Tentei suicídio há cinco anos. Perdi meus dois irmãos. Sofri muito também com a morte do meu avô e da minha tia. Ainda passei por uma traição em meu antigo relacionamento. Aí juntou tudo isso na minha mente. Perdi a vontade de viver. Não tinha vontade de comer, não tinha vontade de levantar e nem de tomar banho.”
O relato acima é de Eduardo Salomão, artista cotiano que a maioria conhece como ‘Palhareco’, devido ao personagem de palhaço que já faz há décadas. Mas a alegria externa do palhaço escondia problemas emocionais internos que o levaram a quase tirar sua vida, e um deles era a dificuldade em lidar com as perdas.
Estas e outras causas, que podem levar ao suicídio, afetam milhares de pessoas no Brasil e no mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada 45 minutos um brasileiro tira a própria vida. No geral, cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos, número que supera o de mortes por malária ou câncer de mama, guerra ou homicídio, segundo a organização.
A OMS ainda alerta que para cada suicídio, há muito mais pessoas que tentam o suicídio a cada ano. A tentativa prévia é o fator de risco mais importante para o suicídio na população em geral.
Durante todo o mês de setembro, diversas ações são vistas em todo o Brasil, em um movimento chamado de Setembro Amarelo. Especificamente nesta terça-feira (10), a OMS definiu a data como o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, uma maneira de abordar e esclarecer tudo sobre esse problema de saúde pública.
Para o Centro de Valorização da Vida (CVV), o suicídio é um assunto complexo, pois ninguém se mata por um único motivo. Porém, para o CVV, a prevenção é possível e algumas ações podem ser feitas por todas as pessoas.
“Permitir que as pessoas desabafem e falem sobre seus sentimentos sem receber críticas é um meio de evitar que se pense na morte como solução para as dores”, alertou o instituto, que presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato.
COMPORTAMENTO E SINTOMAS
Para identificar as causas e os comportamentos que podem levar uma pessoa a cometer suicídio, a Circuito conversou com a psicóloga Edna Pereira Torrecilha, especialista no assunto. Segundo ela, as motivações podem ser inúmeras, mas dentre elas estão sentimentos e emoções de dor e sofrimento psicológico; pressão externa e interna; conflito nas relações; perda de trabalho e desesperança.
“Nessas perspectivas, considera-se que existe um escape psicológico da inaceitável e intolerável percepção de si mesmo, uma baixa autoestima. As pessoas com ideações suicidas estão fundamentalmente preocupadas com sua infelicidade”, explica.
Edna ressalta, no entanto, que os sintomas mencionados não necessariamente têm o mesmo significado com as sentidas em diferentes culturas. “São a resultante de um conjunto de fatores biológicos, psicológicos e sociais adversos que podem estar presentes e inicialmente podem ser manifestados como sintomas isolados, mas ao longo da vida configuram quadros clínicos resultantes do conflito psíquico”, disse.
COMO AJUDAR?
Acolher, aceitar, não julgar, compreender, respeitar. Esses são os primeiros passos para ajudar alguém que atravessa momentos difíceis na vida e que podem levar a uma depressão e, consequentemente, a um ato suicida.
Confira algumas indicações de como agir:
Ser um bom ouvinte. Simplesmente ouça com toda a atenção, não apenas os factos, mas a sua dor, medos e ansiedades. Não julgue, nem dê conselhos ou opiniões.
Reconheça o seu sofrimento, valorize o que é dito e demonstre que está disponível para a ajudar. É fundamental que essa pessoa saiba e sinta o quão importante ela é para si, que a sua vida tem valor para alguém e que a sua dor emocional é compreensível e aceitável face às suas vivências presentes.
Se essa pessoa que o preocupa não falar abertamente do que sente ou pensa, é importante que tome a iniciativa em conversar com ela. Diga claramente que se apercebeu que o seu comportamento mudou (especifique que mudanças específicas observou) e que está preocupado/a com o que possa ter causado essas mudanças.
Não mude de assunto, nem faça comentários do tipo “anima-te”, “vai correr tudo bem”.
Não hesite em questionar aberta e diretamente se tem a ideia de suicídio como uma opção válida. Pode dizer algo como: “Imagino que esteja a sofrer muito, que seja avassaladora a dor que está sentindo em função de toda esta situação. Estás a considerar o suicídio como opção?”, “Parecem ser demasiados problemas para aguentar sozinha. Pensas no suicídio como fuga?”, “Alguma vez pensou em deixar tudo?” Essas questões transmitem a mensagem de que existe alguém que compreende a sua dor psicológica e de que a pessoa não está sozinha. Naturalmente, a abordagem a este tema sensível varia em função da situação e relação de confiança estabelecida.
É importante que a pessoa que pensa em suicídio saiba que a sua morte causaria sofrimento nas pessoas que a rodeiam, e haveria pessoas que sentiriam a sua falta. Por isso, nunca é demais ter um gesto de carinho para com ela.
Nunca deixe a pessoa sozinha se sentir que existe perigo de ela cometer suicídio, nomeadamente se lhe parecer que ela tem um plano concreto de suicídio e já tomou decisões para o pôr em prática. Incentive-a a pedir ajuda especializada (a um hospital, médico, psicólogo ou psiquiatra) e retire da sua proximidade todos os objetos com que a pessoa se possa magoar. Se for necessário, chame uma ambulância, ou outro tipo de ajuda que possa ser pertinente, rapidamente.
AJUDA MÉDICA
A ajuda médica também se faz indispensável. Para Edna, diante de uma pessoa que se decide pela morte, o psicólogo primeiramente deve acolher a dor, o sofrimento, demonstrar interesse a queixa do paciente, por meio de uma escuta atenta e interessada, sem julgamentos ou expectativas.
Outra recomendação da doutora é que quando alguém os procura para conversar sobre suas emoções, é importante mostrar que estão disponíveis e não adiar ou arrumar desculpas para evitar o assunto.
“Com esses pacientes, é importante que o terapeuta também disponibilize o número do seu telefone celular para que o paciente possa contatá-lo em momentos de desespero e urgência psíquica, mesmo que isso ocorra fora do horário comercial”, sugere a doutora Edna.
Além da ajuda médica – que é indispensável – no Brasil, o CVV realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone (basta discar 188), e-mail e chat 24 horas todos os dias.
UM ATO DE AMOR QUE SALVOU UMA VIDA
Durante a entrevista, Edna relembrou o dia em que salvou uma vida. Um jovem rapaz, que estava tentando pular da passarela do The Square (Km 22 da Raposo Tavares), foi salvo graças a sua intervenção.
Edna contou que foi até a direção do rapaz, fez sinais com as mãos, “dizendo que gostaria de falar com ele”. Após seu consentimento, ela se aproximou, se apresentou e disse que gostaria de conhecê-lo.
“Aquele jovem amedrontado, fala trêmula, perguntou se eu queria medicá-lo e, que se fosse essa a intenção, eu poderia ir embora. Respondi que não tinha a intenção de medicá-lo, mas sim, gostaria muito de poder ouvir a sua história de vida, queria saber o que o levou a estar ali num ato de desespero querendo acabar com a própria vida. Ele, em prantos, disse que estava há quatro meses em São Paulo, veio em busca de oportunidade de trabalho, mas sem sucesso”, disse.
Sob a orientação do comandante da polícia, Edna pediu para o rapaz se aproximar, pois ela não entendia o que ele falava devido à distância em que estavam. “Ele se aproximou, agachando nas grades, desta vez, chorando ainda mais, falou sobre o abandono de quando tinha quatro meses de idade e a perda recente de um ente familiar. Apontei em direção ao meu consultório, falei que poderíamos conversar sobre todas essas questões, queria saber de onde tinha vindo, com quem e onde morava.”
Após ter percorrido uns 40 minutos, Edna pediu intencionalmente para ele segurar em suas mãos e que ele “me desse a oportunidade de ser uma pessoa melhor”. “Falei que iria subir até onde ele estava, não suportaria vê-lo tirar a própria vida. Queria uma última chance de, então, poder abraçá-lo. Feito isso, depois ele poderia fazer o que quisesse com a sua vida.”
Emocionadamente, o rapaz engatinhou pelas grades, desceu ao seu encontro e se abraçaram. “Posteriormente, o acompanhei ao Pronto Socorro mais próximo e fiz a sua internação no CAPS. Aproximadamente seis meses depois, o rapaz entrou em contato comigo e disse que tinha arrumado um emprego, sentia-se bem, estava grato por tudo que eu tinha feito, por sua vida”, concluiu.
OUTROS SINAIS
A maioria das pessoas que se suicida dá pistas e sinais de aviso, segundo Edna. No entanto, as pessoas que as rodeiam não estão conscientes do seu significado e nem sabem como responder.
Abaixo, confira alguns exemplos de sinais de alerta, cuja detecção atempada e intervenção eficaz poderá salvar vidas:
- Tornar-se uma pessoa depressiva, melancólica (apresenta uma grande tristeza, desesperança e pessimismo, chora sistematicamente);
- Falar muito acerca da morte, suicídio ou de que não há razões para viver, utilizando expressões verbais tais como “Não aguento mais ou penso em acabar com tudo”;
- Preparativos para a morte: pôr os assuntos em ordem, desfazer-se/oferecer objetos ou bens pessoais valiosos, fazer despedidas ou dizer adeus como se não voltasse a ser visto;
- Demonstrar uma mudança acentuada de comportamento, atitudes e aparência;
- Ter comportamentos de risco, marcada impulsividade e agressividade;
- Aumento do consumo de álcool, droga ou fármacos;
- Afastamento ou isolamento social; Apatia, falta de apetite;
- Insucesso escolar (por exemplo, quando antes era aluno interessado);
- Automutilação.
“Face a este quadro, é provável que dê por si a reconhecer pelo menos alguns destes sintomas em pessoas que conheça, ou até mesmo em si próprio. Note, contudo, que a lista fornecida apenas fornece alguns exemplos de sinais que podem indiciar a presença de ideação ou tentativa de suicídio. Naturalmente, quanto maior o número de sinais presentes, maior o risco de suicídio, e paralelamente, maior a urgência em procurar ajuda quanto antes”, esclarece a doutora.
Por José Rossi Neto