Márcia teve Acidente Vascular Cerebral (AVC). Suelen não tem o antebraço. João Pedro tem síndrome de down. Pipoka é cadeirante. Darley é deficiente visual. Gabriela tem o joelho lesionado. Apesar das diferenças, essas pessoas têm algo em comum: a superação através do esporte.
Não é de hoje que práticas esportivas garantem equilíbrio e saúde ao corpo e à mente. Mais do que isso: o esporte garante ao indivíduo, portador de qualquer tipo de deficiência, coragem e engajamento por causa das necessidades terapêuticas e consequências sociais positivas.
Como diz a psicóloga Teresa Vieira Gama, “a vida passa a ter a possibilidade de ser reconstruída a partir de outra perspectiva e o esporte entra como o objetivo alcançado”.
Aos poucos, explica Teresa, a pessoa começa a ter uma perspectiva de reconstruir a vida de um outro patamar, de um outro olhar. “Nisso, podem surgir várias possibilidades e, uma delas, é o esporte.”
A psicóloga especialista em doenças psicossomáticas vai na linha de que toda prática esportiva tem em si um objetivo. Neste caso específico, de superação, a pessoa, segundo ela, passa a descobrir melhor a si mesma, como habilidades que ela não tinha conhecimento. “No momento duro da vida, a gente descobre alguma coisa que não imaginávamos.”
Conheça abaixo a história de cada pessoa que foi entrevistada pela revista Circuito.
O handball como fisioterapia
Márcia Silva teve Acidente Vascular Cerebral (AVC) com 11 anos, quando ainda estudava na escola Osny, em Cotia. Segundo ela, a doença não teve uma explicação medicinal. Márcia ficou com sequelas motoras do lado esquerdo do corpo, especificamente no braço e na perna, onde perdeu completamente os movimentos. “Assim que eu saí do hospital, foram mais seis meses de recuperação em casa, fiquei afastada de tudo. Retornei à escola, só que aí já foi no Tenente (também em Cotia). Tinha pouca mobilidade nos braços e nas pernas”, conta.
Ela então foi incluída no meio social, com pessoas que não tinham deficiência. “Foi bem difícil pra mim, porque tive que recomeçar. Até então eu era canhota, tive que aprender tudo do zero.”
Foram nas aulas de handball, durante a Educação Física, que Márcia encontrou seu tratamento. Mesmo com dificuldades em se locomover e fazer movimentos com o corpo, ela relembra que seus colegas a incentivavam a continuar.
“Quando eu não conseguia pegar a bola, eles me ajudavam, entregavam a bola para mim. Depois entrei para o ginásio, no time de handball, eles também foram bem pacientes comigo, me ajudaram bastante.”
Quando terminou o ensino médio, ela saiu do time. Hoje, com 31 anos, Márcia conseguiu recuperar 50% do movimento do braço e 70% da perna.
Autocontrole e autoconhecimento
Mãe de dois filhos, Suelen Rutz encontrou no taekwondo a ajuda para a superação de limites pessoal, físico e espiritual. Sem o antebraço esquerdo, a atleta praticou a modalidade esportiva por três anos. Em pouco tempo, participou de vários campeonatos, mas o mais importante de sua carreira foi o Mundial de Para-Taekwondo, em Londres, onde ficou em 4º lugar, em outubro de 2017. “Foi uma experiência incrível. Foi um dos primeiros campeonatos internacionais e, mesmo assim, atingi uma meta que nem esperava”, relembra.
Ela conta que conheceu o taekwondo por acaso, ao levar seus filhos para realizar uma aula-teste. “Nessa brincadeira, acabei me interessando e entrando para fazer com eles, mais para acompanhá-los, e quando percebi me dei muito bem e virou algo profissional. Foi paixão à primeira vista.”
A luta, segundo ela, traz autocontrole e autoconhecimento muito grandes. Suelen diz que se sentiu mais segura e mais independente para fazer as coisas. “Você conhece mais seu corpo e seus limites, até onde você que quer colocar mais uma meta.”
A paixão pelo basquete
José Marcos da Silva, mais conhecido como Pipoka, apelido que vem da semelhança com o ala-pivô da Seleção Brasileira de Basquete e da NBA, João Viana, é mais um exemplo de superação através do esporte. Antes de completar 18 anos, um acidente de moto o obrigou a amputar a perna esquerda.
Apesar das dificuldades, isso não foi motivo para desistir. Pelo contrário. Aos 20 anos, ou seja, dois anos após o acidente, Pipoka estreou no primeiro time profissional de basquete com cadeiras de rodas: o Centro de Reabilitação do Hospital das Clínicas, onde jogou por 14 anos.
O atleta ainda passou pelos clubes da Associação Desportiva dos Deficientes (ADD), Clube dos Amigos dos Deficientes (CAD-SP) e Louveira. Atualmente, o cotiano defende o GadeCamp de Campinas (SP).
A referência no Muay Thai
Por indicação médica, João Pedro, que tem síndrome de down, começou, ainda criança, na natação, por conta de problemas respiratórios que tinha. Após ter feito diversas aulas, sua saúde melhorou 100%.
Mas hoje, a paixão do rapaz é mesmo pelo muay thai. Há dois anos, João Pedro treina na Academia Muralha Team, em Cotia, local onde foi aceito e é querido por todos.
A escolha pelo thai foi dele mesmo. Sua mãe, dona Fran, conta que já o levou para o caratê, mas ele não gostava. “Uma amiga que fazia com o filho dela me chamou e ele foi. Começou a fazer no mesmo dia e, desde então, não saiu mais”, relata.
A arte marcial ajudou João Pedro a perder peso, pois uma pessoa com down tende a comer muito. “Ele via uns rapazes mais magros e falava que queria ficar igual. Ele correu atrás, fez regime, diminuiu a comida, deixou de comer o que engordava, isso tudo por vontade dele mesmo”, diz Fran.
O garoto recebeu elogios, inclusive, de sua nutricionista, que o parabenizou por esse esforço.
Quando a lesão não se torna obstáculo
Quando o assunto é superação e meta, uma lesão não se torna obstáculo diante de uma pessoa que pretende ir além. Esse foi o caso de Gabriela Sales, 21 anos, ex-atleta de ginástica rítmica de Cotia.
Hoje professora de Educação Física, Gabriela fez ginástica desde os 5 anos de vida, ganhando destaque como a melhor ginasta de São Paulo, na época.
Mas como esse esporte exige muito do corpo, ela não escapou de uma contusão no joelho, fato que a fez quase desistir. Mas Gabriela persistiu e, mesmo lesionada, continuou firme, após cinco meses afastada para se recuperar.
“Essa lesão do joelho foi bem complicada, na época. Parei uns cinco meses para recuperar e aí continuei a treinar e a competir. Me recuperei muito bem, mas ainda sinto o joelho, e vou sentir para o resto da vida”, explica.
A jovem atleta conta que não deixou a ginástica em razão do joelho machucado, mas sim porque não tinha como treinar e trabalhar ao mesmo tempo. Hoje em dia, Gabriela movimenta o corpo dançando jazz.
Futebol e musculação
De Vargem Grande Paulista, Darley Oliver é sinônimo de superação. Deficiente visual desde o primeiro ano de vida, hoje, com 24 anos, ele joga profissionalmente futebol adaptado para pessoas cegas e ainda faz musculação.
No futebol, já teve diversas conquistas, entre elas, o vice-campeonato paulista e o 4º lugar no brasileiro da modalidade. Para ele, o esporte é uma atividade de desestresse, onde consegue passar melhor o tempo. “Se eu pudesse, viveria só do esporte, mas infelizmente, o atleta paraolímpico aqui no Brasil não tem tanta estrutura assim”, declara.
A musculação, para Oliver, é importante para manter uma estética boa. Como ele sempre foi muito magro, os exercícios fizeram com que seu corpo evoluísse para um padrão que o fez se sentir melhor. “Desde quando comecei a musculação, já ganhei 20 quilos. É uma mudança fantástica.”
O jovem atleta, que ganhou título de cidadão vargem-grandense em 2018, carrega consigo uma frase que faz toda a diferença. Oliver diz que “se a gente não tem tempo para praticar atividade física hoje, a gente vai precisar arrumar tempo para cuidar da saúde amanhã”.
por José Rossi Neto