Rosana Maria Da Conceição, 29, foi uma das 613 doadoras de leite materno de 2008 a 2009 no Hospital Regional de Cotia. “Assim que a minha filha nasceu, ela precisou de leite, porque eu não tinha. Aí elas [enfermeiras] me ensinaram a retirar o leite, então eu comecei a dividir”, conta.
Rosana explicou que, assim como ela, muitas mães têm dificuldade em fazer a ordenha, assim que seus filhos nascem. Mas não é só. O leite materno é doado, principalmente, aos bebês que estão na UTI neonatal do hospital.
Na época em que Rosana foi doadora, o leite das mães beneficiou 200 bebês, segundo dados da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano. Desde esse tempo até hoje, já foram 5,8 mil recém-nascidos que receberam o leite de quase 4 mil doadoras.
A reportagem da Circuito foi até o Banco de Leite Humano do Hospital de Cotia para entender como funciona o procedimento das doações. Quem pode doar, quem deve receber, como é o armazenamento, tanto em casa quanto no hospital, a importância do leite materno, entre outros assuntos foram abordados por nossa equipe.
Quem nos recebeu foi a supervisora de enfermagem e umas das responsáveis pelo Banco de Leite, Patrícia da Costa Carvalho. Em entrevista à Circuito, ela disse que o Hospital de Cotia é referência na região, inclusive, sempre recebeu ‘padrão ouro’ pelo excelente trabalho que realiza.

“A Rede de Banco de Leite todo ano emite um certificado para os hospitais que têm banco de leite e que participam da rede. Eles avaliam várias coisas, desde a estrutura física, os equipamentos, dados, se todos estão capacitados, quantos bebês a gente atende, etc. E a gente sempre ganhou o selo ouro”, disse, orgulhosa.
Até março deste ano, já foram 101 doadoras de leite materno que beneficiou 116 bebês. Isso sem contar os 912 atendimentos individuais feitos no hospital e as 114 visitas domiciliar.
Mas para obter tamanho êxito, a equipe trabalha arduamente e com muito comprometimento. Todos os dias, colaboradoras do Banco de Leite fazem visitas nos quartos onde estão as mães e entregam um folder do Ministério da Saúde, contendo informações sobre o trabalho que é realizado. “Essas mães podem doar enquanto ainda estão aqui ou em casa. Se elas perceberem que têm um volume grande de leite, elas podem nos ligar”, explica.
Além das doadoras internas, que tiveram seus filhos na maternidade do hospital, existem também as doadoras externas, que não tiveram ligação com a unidade. “Essas mães [externas] são informadas e nos ligam dizendo que tem interesse de doar o leite”.
Outras atividades para divulgar o trabalho feito pelo Banco de Leite Humano são realizadas junto com a rede municipal da saúde. Palestras na Clínica da Mulher e encontros no próprio hospital são feitos periodicamente.

Armazenamento e processos do leite
Até chegar ao bebê recém-nascido que necessita do alimento, o leite materno passa por um processo criterioso após ser coletado. Depois de análises das suas características, o leite é distribuído de acordo com as necessidades específicas de cada bebê internado.
“A gente armazena o leite em um frasco de vidro com tampa de plástico. Depois, ele é colocado no freezer. Aí, os frascos descem para cá e ficam armazenados. A gente chama esse leite de ‘leite cru’, pois ainda não passou por nenhum processo”, detalha Patrícia.
Após ser pasteurizado, o leite tem validade de seis meses. Patrícia explica que, durante esse tempo, todo o leite é consumido. “Única coisa que faz a gente desprezá-lo é quando ele não passa pelo controle de qualidade”.
São dois controles de qualidade feitos no Banco de Leite do hospital. Primeiro é realizado um teste de acidez, que é feito quando vai começar a pasteurização. “Tem um produto que a gente coloca e esse leite tem uma reação química. Se esse leite for ácido, os bebês não podem receber, porque podem ter diarreia e problemas de saúde”, salienta a enfermeira.
O que pode provocar a acidez no leite, segundo ela, é, principalmente, a coleta inadequada. “Se por um acaso, em casa, a mãe tirou o leite e deixou muito tempo fora do congelador, ou se houve queda de energia por muito tempo, ou ainda se o processo de higiene não tiver correto, faz também com que o leite não fique bom para o uso”. Ela explica que, dessa forma, a primeira fase do controle de qualidade é visual, pois já é feito na casa da doadora.
Outro processo do controle de qualidade é a coleta de coliformes fecais. Uma amostra é colhida e levada ao laboratório para análise e, dependendo do resultado, o leite também é desprezado.
“O que faz a gente desprezar o leite também é quando o exame de sorologia da mãe dá incompatível. Tudo isso é feito porque o leite tem que ser de uma mãe completamente saudável, ela tem que estar amamentando o seu bebê exclusivamente”, explica Patrícia.
Circuito: Mas acontecem casos como esse, em que o leite chega aqui inadequado para o uso?
Patrícia: Hoje em dia é bem pouco leite que a gente despreza. A gente usa uma ferramenta de qualidade chamada PDCA, que serve para realizar melhoria nos processos,  ou seja, diminuir a quantidade de leite desprezado. Se a gente identificar que o leite de determinada mãe está com acidez, a gente entra em contato com ela e faz uma reorientação para que isso não aconteça mais. Normalmente, após ser reorientada, não acontece mais.
Doadoras externas
As doadoras de casa recebem do hospital um kit, contendo um frasco de vidro com a tampa de plástico. Duas vezes por semana, um motorista da rede sai com uma caixa térmica específica para buscar o leite nas casas das doadoras.
“Quando não coincide com o dia que vamos passar, a mãe pode fazer o procedimento sozinha. A gente faz uma orientação de que ela pode retirar na casa dela e, se tiver o material necessário, ela pode usar o dela, e a gente faz uma orientação para ela fazer uma esterilização caseira”, diz Patrícia.
Quando uma mãe entra em contato com o hospital, uma visita é agendada em sua residência, para olhar as condições do ambiente. A condição da coleta, de acordo com a enfermeira, é fundamental para a qualidade do leite. “Ela [mãe] deve colocar touca, máscara, higienizar bem as mãos e também não pode ser um ambiente em que tenha animais domésticos”.
Além disso, Patrícia explica que todas as doadoras precisam de uma série de exames laboratoriais para estarem aptas a fazer a doação. “Se a mãe teve bebê aqui, a gente já faz a coleta e tudo mais. Mas quando é uma doadora externa, nessa oportunidade de visita na casa dela, a gente faz a coleta na casa dela mesmo. Uma auxiliar de enfermagem aqui do Banco de Leite vai junto”.

Receptores
Todo o leite armazenado no Banco de Leite Humano vai para os recém-nascidos que estão na UTI neonatal ou aos que estão na Unidade de Cuidados Intermediários (UCIN) do Hospital Regional de Cotia. Não são feitas doações externas.
No momento em que a reportagem estava no local, uma outra auxiliar do Banco de Leite preparava os frascos que seriam distribuídos aos recém-nascidos naquele dia. Segundo ela, eram 2,5 litros de leite para 14 bebês. O leite é distribuído de três em três horas, sendo, portanto, oito vezes por dia.
Até o mês de março, segundo dados da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, o Hospital de Cotia já havia coletado 160 litros. Desses, 140 litros foram distribuídos aos bebês da UTI neonatal.
Para Patrícia, o leite humano funciona como medicamento para os bebês que estão passando por alguma dificuldade. “Há substitutos do leite, há bebês que recebem fórmulas, mas os anticorpos, as vitaminas essenciais para o recém-nascidos, naquele momento, é só o leite humano que tem”, conclui.
Equipe do Banco de Leite Humano
A equipe que trabalha no Banco de Leite Humano do Hospital Regional de Cotia é formada pelo médico responsável-técnico, Daniel Egydio Caldevilla, pela auxiliar de enfermagem, Bianca Sales de Lira, a técnica de nutrição Edna dos Santos Marques, a coordenadora de nutrição Flávia Guedes Gonçalves e a supervisora de enfermagem Patrícia da Costa Carvalho.
Por José Rossi Neto
Fotos e vídeo: Amanda Lima

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