Vamos começar pelo seu post do Facebook de 4 de dezembro de 2019. “Mariana Kotscho e Renata Kotscho Velloso. Puro charme e estilo. Foi ontem….️.” Nele há a foto de uma menina pequena (você) ao lado de outra garotinha (sua prima Renata, hoje médica). A Granja Viana esteve presente desde cedo em sua vida, certo?
Sim. Meus avós se conheceram na Segunda Guerra Mundial. Minha avó Elisabeth era tcheca, filha de alemães. Meu avô Nikolaus, romeno. Eles se casaram e vieram para o Brasil em 1948, ela já estava grávida de meu pai. No final dos anos 1950, eles compraram um terreno no quilômetro 21, na antiga estrada do Espigão, para ser sítio de fim de semana. Era um belo sítio, com um rio no fundo. Mais tarde, fizeram uma escola ao lado, a Mario Schenberg. Era o sítio de Cotia.

Eles moravam ali?
Eles se fixaram em Pinheiros. O que eu sei da história [ela digita no smartphone uma mensagem para o pai, verificando se a data correta da compra está correta. Está]. Quando meu avô morreu, em 1960, meu pai tinha 12 anos e meu tio, 10. Meu avô era engenheiro e minha avó, economista. Sem recursos, ela veio morar no sítio. Quando ficou viúva, aos 43 anos, foi trabalhar na Volkswagen, em São Bernardo do Campo. Ela passou a vida indo e vindo para trabalhar. Meu pai conta que naquela época a Raposo tinha uma pista única, bem estreita e era esburacada. No começo, era uma questão financeira, mas depois ela foi se deixando ficar.

Devia ser uma aventura ir para São Bernardo e voltar todos os dias naquela época!
Ela gostava de morar no sítio, de fazer horta. Dizia que lembrava um pouco a região onde morava na Alemanha. Meu pai e meu tio cresceram ali. Quando se casou, supernovo, meu pai fez outra casa para ele no sítio. Era um lugar muito agradável, com piscina, churrasqueira, campinho de futebol. Mas era para passar fim de semana, pois meus pais preferiram morar em São Paulo. Por isso, estudei lá. Quando meu tio se casou, eles construíram outra casa e moraram lá até os filhos crescerem e se casarem. Meus primos estudaram aqui na Granja. Quando ficou mais velha, minha avó chegou a comprar um apartamento na 9 de Julho. Mas ela sempre manteve a casa dela e, quando se aposentou, voltou a morar no sítio. Ela gostava de entrar em piscina e nadar. Numa época, compraram um jumentinho, o Waldemar. Ela tinha uma amiga norueguesa, dona Constância, só saía do sítio para ir a Peruíbe. Para mim, curtir os primos no sítio era o passeio de fim de semana. Tinha uma parte preservada, que a gente desbravava juntos. Quando minha avó morreu, há dez anos, meus tios venderam o sítio e foram morar em Peruíbe. Meus avós estão enterrados em Cotia. Avós e bisavós, pois mais tarde vieram morar com minha avó. No Cemitério de Cotia. No centro.

Você tem uma irmã, não é? Ela também tem boas memórias da Granja?
Sou de 1973 (ela é de 2 de abril). Já Carolina (de 1976) tem hoje 43 anos. Ela é cineasta, fez roteiros dos filmes 2 Filhos de Francisco – a história de Zezé di Camargo & Luciano (2005) e Hebe, a estrela do Brasil (2019), entre outros. Quando era pequena, sempre que a gente vinha para o sítio de Cotia, ela chorava, porque dizia que aqui tinha muitas pedrinhas e ela não gostava de pedrinhas. A gente brinca que a família Kotscho é pequena, mas barulhenta! [risos]

Você conhecia bem a Granja?
Conheci o lado de cá (sentido São Paulo – Cotia), só quando minha prima veio morar na Chácara dos Lagos. Há três anos, quando me separei do pai de meus três filhos, tive uma conversa com eles. Ou a gente ia morar num apê pequeno em Pinheiros ou numa casa gostosa com quintal, porém mais longe. Aqui tem preços mais acessíveis que em São Paulo, onde tudo é mais caro. Sempre morei em casa e me incomoda abrir a janela e dar com outro prédio. “A gente prefere uma casa legal na Granja do que um apartamento apertado em São Paulo”, eles disseram. Eu pesquisei bastante. Queria casa em condomínio. Entrei em site e fiquei procurando. Gostei deste aqui, que é mais afastado da Raposo, com uma área bem verde. E gostei desta casa, pois dá para ver verde de todas as janelas.

E aparecem muitos animais aqui?
Aparecem macaquinhos, saruês, quatis, já apareceu esquilo, já vimos até uma lebre gigante! O antigo dono fez uma cerquinha para as capivaras não entrarem no quintal. Tem também várias aves, pica-pau, vimos uma vez um jacu. Queria uma casa pronta para mudar, que não precisasse de reforma. Esta aqui só precisou pintar e entrar. E tem muitas árvores, flores, na primavera fica linda. Na fase em que estou, com filhos adolescentes, que precisam de espaço, consegui fazer um quarto para cada um. O que mais chamou a atenção da gente é que, embora seja tão perto de São Paulo, tem um clima mais agradável de relação com as pessoas. Isso de ser gentil e tratar bem as pessoas, a Granja oferece. É como se fosse interior. Você vai ao supermercado e a caixa te conhece. Deu a sensação de mudar para um lugar aconchegante. Embora eu vá todos os dias para São Paulo, agora tem tudo aqui. Faço pilates, todos os serviços, na Granja. Em São Paulo, ficou escola e trabalho apenas.

Por que escolheu jornalismo como faculdade?
Estudei na PUC de São Paulo (a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, localizada em Perdizes) e fiz jornalismo não porque venho de uma família de jornalistas, mas pelo fascínio que a profissão de meu pai causava em mim, das histórias que ele contava, das viagens que chegava. Sempre convivi com muitos amigos jornalistas. A verdade é que eu já me sentia repórter desde criança.

A pergunta que não quer calar. Como é ser filha de um dos melhores textos do jornalismo brasileiro? [Ricardo Kotscho, 70 anos, é repórter desde 1964 e já trabalhou em praticamente todos os principais veículos da imprensa brasileira. Tem 19 livros publicados, entre eles, Do golpe ao Planalto: uma vida de repórter.]
Como criança, não tinha a dimensão de quem era meu pai. Me fascinava a falta de rotina dele. Cada dia ele chegava em casa contando uma história diferente. Eu pensei: também quero fazer isso, quero contar histórias. Hoje ele é repórter especial da Folha (de S.Paulo) e tem um blog independente que chama Balaio do Kotscho.

Como é ser jornalista numa época politicamente tão polarizada?
Acho que a gente tem de se posicionar na vida. Acredito no jornalismo com função social, de que maneira posso usar minha profissão para ajudar as pessoas, nem que seja para levar informações. Mas sou humanista. Acho que em épocas de tanta polarização não importa de que lado você está, e sim como você age. Eu, por exemplo, me preocupo com mulheres que sofrem violência doméstica. E penso como posso ajudar estas vítimas de violência, levando informação, servindo como ponte. Por isso, há três anos criei um grupo no Facebook chamado Violência Doméstica. Trata-se de um grupo de apoio que já possui 3.400 membros. É um grupo fechado para entrar. A gente avalia bem para só ter vítimas ou quem quer ajudar. Como ponte, vou trazendo os agregadores, como psicólogos, voluntários etc. [Ela vê a mensagem do pai no WhatsApp, e confirma: “minha avó gostava da Granja porque tinha um ar europeu, muitas árvores e um belo restaurante alemão”.]

Você tem uma vasta experiência em televisão. Como foi a transição da Globo para a maternagem?
Comecei no SBT em 1992. Tinha 17 anos e era produtora e radioescuta [antes do desenvolvimento da internet no fim dos anos 1990, era o profissional que ficava escutando o rádio – então o veículo mais ágil para dar notícias – e os demais canais televisivos para alertar a redação a fim de não deixar de cobrir nada importante]. Fui ser pauteira na Record em 1994 e me chamaram para ser repórter. Em 1996, a Alice Maria estava criando a GloboNews e me chamou para ser a primeira repórter em São Paulo, aí, entrei na Globo. Cheguei a ser repórter da emissora e ganhei um Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos.

Você sempre quis ter filhos?
Na verdade, virei personagem de mim mesma. Não conseguia engravidar, pois criava anticorpos ao espermatozoide de meu ex-marido. Brinco que paguei dois filhos e levei três do meu médico. Meu terceiro filho veio de brinde. Minha segunda filha estava com 4 meses e engravidei normalmente – apesar de o médico ter dito que não tinha como. Imagine, quase enlouqueci, com dois bebês de fraldas.

Como era conciliar a prática da reportagem com a criação dos filhos?
Eu era a repórter que estava sempre grávida. A maternagem tornou-se incompatível com a vida de repórter da Globo, que tinha de trabalhar de fim de semana por causa dos plantões. Em 2007, após o nascimento de meu terceiro filho, pedi demissão para criar o Papo de Mãe. Era ainda um projeto e fui chamada pelo SBT como repórter até estrear o programa na TV Brasil, em 2009. Hoje ele vai ao ar pela TV Cultura, de segunda a sexta, sempre às 18h45. Apresento com a Roberta Manreza, que é minha amiga de infância. Hoje ela mora no Alphaville. Roberta é filha de médicos e fez jornalismo por influência de minha família.

Como surgiu a ideia do Papo de Mãe?
Na época, várias amigas minhas na redação da Globo estavam tendo filhos. A Sandra Annenberg, a Ananda Apple… Então, eu brincava que na redação tudo virava um papo de mãe. Eu e a Roberta também falávamos muito sobre o assunto, porque nossas filhas mais velhas têm apenas dez dias de diferença. Ela também estava vivendo este conflito. Aí a gente criou o programa juntas, que une maternidade e jornalismo. E estamos juntas neste projeto há dez anos.

Qual o diferencial do programa?
É um programa para a família toda que costuma alternar temas de saúde e comportamento. Sempre tem um convidado. Ele já teve outros formatos, agora tem 30 minutos e recebe uma família, mãe, pai, para ter um personagem, e um especialista ou mais para pontuar a questão debatida. Há sempre espaço para a criança e o adolescente, onde eles também são ouvidos. A gente dá voz aos filhos.

Você já teve um programa de rádio também. Em 8 de março de 2019, estreou o Capital Mulher, na Rádio Capital de São Paulo. Com uma hora de duração, ia ao ar aos sábados, das 11h às 12h, e na estreia você entrevistou a farmacêutica bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes, que inspirou a criação da lei federal que pune agressores de mulheres.
Sim. Com o fim do programa em julho, para este lado mais ativista, criei um canal na plataforma Clicktube do Youtube, que reúne vários canais de jornalistas. O canal se chama Mari Mulher e trata de questões femininas e feministas. Agora, vou fazer o podcast Mari Mulher, na Ola Podcasts, uma nova plataforma brasileira de produção e distribuição.

Seus pais a inspiraram na criação do programa?
Minha mãe, Mara Kotscho, é socióloga. Meu pai nunca foi de pegar na massa. Ele foi outro tipo de pai. Presente na parte intelectual, mas não foi de trocar fralda, não.  Acabei juntando a experiência de jornalista com a de mãe. Várias situações de mãe, aliás. Morei dois anos no Ceará e conheci a realidade das mães do sertão, cujos filhos passavam fome.

Já são dez anos de programa. Dá para fazer uma avaliação de como se transformou o papel do pai neste período?
Sim. Por mais que se divida as tarefas, o fato é que a carga mental maior ainda é das mulheres, há burnout parental [um estado de exaustão física, emocional e mental causado pelo estresse excessivo e contínuo ligado à criação dos filhos]. A maioria das decisões continua com as mulheres. Pelos programas que a gente já gravou, dá para perceber que a mulher se cobra ser uma mulher, mãe e profissional perfeita. Aí a gente descobre que não consegue ser perfeita. Muitas vezes tem de aprender a delegar. Por isso, costumo dizer: não diga que seu marido ajuda. Diga: nós dividimos as tarefas, de igual para igual, porque ele não está fazendo favor.

Do lado feminino, dá para dizer que a experiência da maternagem é plural hoje, não é?
Sim. Tem mulheres que abandonam a carreira e ficam felizes. Há outras que abrem mão da convivência com os filhos para se dedicarem à profissão. Procurei ver o que podia fazer para ser uma mãe mais presente, sem abandonar a carreira. Com o programa, passei a ser dona de meus horários, a almoçar com eles, ir às reuniões da escola. O Papo de Mãe me permitiu fazer jornalismo – temos preocupação em transmitir informação de qualidade –, com entretenimento. A gente até criou um espaço para crianças no programa. Assim, os convidados podem levar os filhos que os monitores cuidam.

Hoje, olhando para trás, tem horas que você se arrepende de ter saído da Globo?
Ao contrário. Eu me pergunto se não tivesse saído da Globo o que teria sido de mim. Olhando para trás, vejo que deu certo. Não dá para ter tudo, a vida é feita de opções. Chegou um momento que eu não estava feliz. Cheguei a passar três dias inteiros sem ver meus filhos. Quando voltei da licença-maternidade do terceiro, vi que não ia dar conta. Sempre quis ser mãe e estar com eles. Digo que são mal-acostumados, pois sempre tiveram a mãe por perto, mesmo quando estou trabalhando. Se estivesse na Globo, estaria na rua fazendo matéria e não ao lado deles.

Como é lidar com uma família reconstituída?
Costumo dizer que ninguém é obrigado a ficar casado. E que é preciso um bom relacionamento para ter crianças equilibradas. Quando vi que a convivência já não era saudável, decidi me separar. Acho que era pior antigamente, quando o casal não se separava justamente pensando nos filhos. O importante é que, na hora da separação, os adultos foquem nos filhos, pensem no bem deles.

Numa de suas colunas, você fez uma ode de amor a seu marido atual, começando com o título de “Eu digo obrigada ao meu marido todos os dias. E ele me ajuda muito”, e terminando com “Meu marido não teve filhos. Mas agora os tem. E demonstra a cada dia que o instinto paterno pode existir em qualquer homem”.
Rodrigo diz que não quer ter filhos dele. Nunca quis. Ele fala que gosta da ideia de ter um lugar, sem precisar tirar o lugar de alguém. Ele também é jornalista, já trabalhou na CBN, na TV Cultura. Hoje, se dedica à vida acadêmica, está fazendo doutorado na Unicamp em literatura e história literária. Ele é um superpadrasto. A paternagem vai além de ter ou não filhos.

Na prática, como vocês dividem as tarefas em casa?
Temos uma faxineira uma vez por semana. Então, há distribuição de obrigações. Chego, vou fazer comida, eles ajudam a preparar as refeições. Também cuido da lavagem de roupa e quem puser roupa no cesto do avesso, vai tê-la lavada do avesso e dobrada do avesso. Aí, cada um guarda a sua. O cachorro fez xixi? Alguém limpa. A gente divide quem leva o lixo na rua. Aliás, todos são responsáveis por arrumar seu quarto – se ficar bagunçado, simplesmente fecho a porta. Você aprende a criar novos métodos também. Investi numa lava e seca e as roupas mais elaboradas levamos para a lavanderia. É claro que sempre há alguma briga, que um filho acha que está fazendo mais do que o outro. A gente se acostuma com isso. Dá mais trabalho, mas vale a pena até pela convivência colaborativa que você passa a ter com seus filhos. A irmã da minha avó foi para os Estados Unidos, lá é assim o esquema. Não me incomodo de viver com um pouco de bagunça. Tenho três filhos adolescentes. A casa não precisa ficar impecável.

Quais seus projetos para 2020?
A gente está escrevendo um livro de Papo de Mãe. Deixamos o projeto engavetado este ano, mas a intenção é fazer um livro para traçar este perfil das famílias nos últimos dez anos. O que a gente aprendeu, com bastante informação sobre a criação dos filhos. A ideia é lançar o livro em 2020.

Há dez anos você reflete junto com pais, crianças, adolescentes e especialistas sobre como é ter uma família na contemporaneidade. Qual sua dica?
A gente tem responsabilidade na formação dos adultos do futuro. Sim, é desafiador a gente criar estas crianças e adolescentes de hoje para que sejam bons adultos. Mas é vital fazê-lo para melhorar a situação do que está aí. A gente tem visto tanta desumanidade… Precisamos de dias e seres humanos melhores.

Por Mônica Martinez

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