Padre Miguel, além do exorcismo e das curas

A Circuito visitou o local onde padre Miguel construiu parte de sua memória e resgatou a história e o legado do religioso que, através dos ‘milagres’, ajudou no desenvolvimento da cidade de Cotia. Hoje, o espaço é administrado pela Fraternidade Toca de Assis, que vem encontrando dificuldades em manter vivo o sonho do padre

Os moradores mais antigos de Cotia, certamente, já ouviram falar alguma vez do Padre Miguel Pedroso. Conhecido por ser um padre diferenciado, pois realizava ‘curas’ e ‘exorcismos’, talvez o que muitos não saibam é que ele deixou um legado religioso que até hoje permanece vivo.
A Revista Circuito foi atrás dessa história. A reportagem visitou, no mês de março, o espaço onde padre Miguel construiu parte de sua memória. Hoje, administrado pela Fraternidade Toca de Assis, o terreno, doado pelo padre Domingos Assunção aos Servos de Jesus Crucificado, se esconde atrás de um empreendimento chamado Terra Nobre Granja Viana. Localizado no km 37 da Rodovia Raposo Tavares, sentido interior, o bairro planejado tomou posse de boa parte do terreno, mas não interferiu na parte de cima, onde os franciscanos mantêm viva a memória do padre.

Casarão do sítio contem 16 quartos.

Fomos recebidos por Flávio Porto Borges, chamado de irmão Agraziato, devido a sua conversão. Após a recepção, o seguidor de Francisco de Assis nos levou para conhecer o espaço, que abriga uma capela, uma casa com 16 quartos, uma área em meio à natureza para meditação e outra casa, chamada de Bendita Árvore da Cruz, que passa por reforma desde 2017.
NOVA JERUSALÉM
A história de padre Miguel, que era natural de São Roque, se inicia em 1913, com o padre Domingos Giovannini, que era da Associação Servos de Jesus Crucificado. Após a morte de Giovannini, em 1944, padre Miguel, que também fazia parte da associação, veio a assumir o seu lugar, como assistente eclesiástico.
A antiga fazenda pertencia ao presidente da associação, Domingos Assunção, que era muito amigo de padre Miguel. Ambos então fizeram todo o trabalho de dar continuidade ao sonho do padre Giovanini, que era fazer do espaço um local de oração.
“O padre Giovanini queria fazer daqui uma nova Jerusalém. Fazer os monumentos com cenas da vida de Cristo, para as pessoas terem aquilo como uma alimentação para meditação. Esse era o sonho do padre Giovanini”, relembra Agraziato.
Mas devido às inúmeras transferências de padre Miguel, o local ficou abandonado, tanto é que foi invadido por pessoas sem teto. Agraziato conta que foi somente em 1978 que ele voltou a ser mais presente em Cotia e conseguiu reativar o espaço, após indenizar as famílias que lá estavam.
“Ele fez uma reforma nesta casa e começou a celebrar a missa na capela. Aí começou a juntar gente, inclusive de fora do país, para pedir oração ao padre Miguel”.
O local passou a ser bastante frequentado, fato que levou padre Miguel a construir uma igreja maior. “Dizem que a Raposo ficava até congestionada, todo mundo subia para cá de carro. Ele fez isso até 1995, quando faleceu”, rememora.

A VINDA DO CARMELO PARA COTIA
Domingos Assunção e padre Miguel iniciaram um movimento para trazer o Carmelo (ordem religiosa católica que surgiu no final do século XI) para Cotia. Esse Carmelo estava em São Paulo, onde hoje é a Pontifícia Universidade Católica (PUC).
O Carmelo tinha ficado, a princípio, na fazenda de Domingos Assunção. Ficou por lá enquanto a sede, localizada no Atalaia, era construída. Tudo isso através do Padre Miguel.
Por esse motivo, Agraziato ressalta a importância de padre Miguel, não só no campo religioso, mas também no desenvolvimento da cidade. “Ele tem uma importância muito grande para Cotia, não só no cenário religioso, mas também no desenvolvimento da cidade. Muitas pessoas vieram para cá através do Carmelo. Onde chega um Carmelo, a cidade desenvolve”.
Por dentro da capela do sítio

“MILAGRES”
A vinda do Carmelo para Cotia, como explicou o irmão Agraziato, foi muito importante para o desenvolvimento do município. Mas tem algo a mais nessa história. Afinal, por que as pessoas eram tão atraídas para a fazenda? Por que queriam tanto ter contato com o padre Miguel?
Agraziato explica que padre Miguel tinha muitos dons, um deles, era o de reunir muitas pessoas em torno dele. Mas o padre ficou mesmo conhecido pelo fato de realizar ‘milagres’, como ‘curas’ e ‘exorcismos’.
“Tem uma senhora, que vende ração no Atalaia, que a mãe dela estava com problema nos nervos, e as pessoas não conseguiam contê-la. O pai dela trouxe a mãe dela aqui para receber a benção do padre Miguel. Ele veio num carro com as crianças e ela veio em outro carro, segurada por vários homens, pois ela estava muito agitada. Diz que parou o carro aqui na porta e o padre Miguel estava lá em cima e, quando ele olhou, só falou assim: ‘pode soltar. Ela está bem’. E ela nunca mais teve nada”, conta Agraziato.
Mas não só as pessoas iam até ele, mas ele também ia até as pessoas. É o caso de um pastor evangélico, que foi curado após a visita de padre Miguel em seu leito, no hospital.
Irmão Agraziato, da Toca de Assis

Agraziato lembra que padre Miguel chegou na porta do quarto que estava esse pastor. Os familiares dele não queriam a presença do padre, mas o próprio pastor foi quem pediu para ele entrar. Após uma oração, o pastor, que segundo Agraziato, estava entre a vida e a morte, foi curado.
“Aí o pastor perguntou o que ele poderia fazer para retribuir aquilo que o padre tinha feito. O padre Miguel não queria nada. Mas o pastor ficou insistindo. Então o padre disse que tinha um carro, mas que não dirigia. O padre falou que, quando ele pudesse levá-lo num lugar ou outro com o carro, ele agradeceria. Aí o pastor ficou como um motorista particular dele. Ficaram amigos pelo resto da vida.”
SONHO E DIFICULDADES
O sonho do padre Miguel, segundo Agraziato, era fazer do local uma casa de retiros – mas tal sonho nunca foi realizado. “Aqui nunca desenvolveu. Durante 60 anos, nunca foi usado. O projeto era para ser uma casa de retiros. Então ele [padre Miguel] morreu e o retiro não saiu. Mas o sonho ficou”, explicou.
No entanto, desde 2006, Agraziato e outros representantes da Toca de Assis de Cotia estão concretizando o sonho antigo do padre Miguel, mesmo diante de tantos obstáculos.
“A gente vem fazendo os retiros aqui, mas até então, bem precários, bem limitados. Temos alguns espaços que precisam ser reformados. A gente faz cupons das pessoas que fazem doações todo mês. Tem artesanato que a gente faz, tem as estadias em que as pessoas deixam uma colaboração […] quando a nossa padaria está funcionando, a gente faz pão a cada 15 dias e sai vendendo nas comunidades” [veja o apelo de irmão Agraziato no final da matéria]. 
Um desses espaços que está em reforma é uma casa que fica no fundo do terreno. Chamada pelos franciscanos de Bendita Árvore da Cruz, o imóvel possui um refeitório que cabem 40 pessoas, a padaria, além de quartos, sala de recepção e uma lojinha com os produtos que eles fabricam manualmente.
“Pedimos ajuda para manter essa missão. Tudo isso expomos para as pessoas que nos procuram para encontros e retiros. Não temos fundos e vivemos da providência”, explicou irmão Luiz, também membro da Toca de Assis.
A vinda dos novos moradores ao condomínio Terra Nobre pode ser benéfica, neste sentido. “Muitos compradores já vieram aqui. Se a gente souber manejar bem o fluxo, as pessoas vão ajudar, com certeza. Vem pessoas muito boas para cá. Muito interessadas nessa amizade, nessa parceria”, conclui Agraziato.

Por José Rossi Neto 

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