Era uma noite modorrenta de um iluminado domingo de sol. Um dia de muita atividade física, animação, macarrão e movimentação. A temperatura beirava o Senegal. As horas passavam lentamente como que querendo adiar a chegada da segunda-feira. Na TV, a musiquinha irritante do Fantástico invadia a casa anunciando o fim do fim de semana. A vida corria normal. Foi quando ela surgiu sutil e tão fugaz. Eu não a conhecia, apesar de ela já ser conhecida de alguns conhecidos meus. Sua presença ainda que discreta me deu calafrios. Ela foi se apoderando do ambiente e aos poucos foi tomando conta de tudo e de repente, surpresa! Ela chegou! Feito nuvem numa ventania, ela se aboletou! Senti minar na pele, transpirar, o ar foi ficando denso, irrespirável e a senti me envolvendo e me dominando. Meu coração disparou e batia descompassadamente. No meu estômago, um gato enrolado em arame farpado se mexia compulsivamente. A sala começou a rodar e na minha cabeça uma cuíca roncava sem parar. Tentei disfarçar e fugir dela. Fui para a cama, e ela veio junto comigo e com tudo. Cheia de energia e de vontades! Abduziu-me. Daí para frente não me largou mais. Ficamos juntos por dois dias, rolando abraçados juntos e misturados pra lá e pra cá, em movimentos frenéticos que me fizeram perder alguns quilos. Foi quando do nada, assim como chegou arrebatadora, se foi sem deixar rastros, nem endereço. Ela me deixou. E eu não sabia nem seu nome sequer. Foi quando o doutor me apresentou-a: É a virose! Meu Deus, como pode um ser humano de uma hora para outra, sair do paraíso e ir para o inferno, sem aviso prévio? Entrar em sofrimento e conhecer o lado escuro da dor sem mais nem menos? Os tais movimentos frenéticos que citei eram as idas e vindas da cama para o banheiro e vice-versa. Uma catástrofe! Senti-me humilhado. Qualquer tentativa de beber água era como se eu estivesse engolindo um croquete de figo-da-índia com casca de abacaxi recheado de conchas de ostras. O tal gato enrolado com arame farpado pulava no meu estômago e rejeitava, nada elegantemente, o inocente líquido. As juntas do meu corpo se uniram na desgraça e se revoltaram contra o sistema. Pulsavam como que respondendo a um controle remoto de contínuos choques elétricos. E a sensação era de desespero. Todos me olhavam com cara de paisagem, dando a impressão que era exagero meu. Não era! E não há remédio para a maldita. -Tem que esperar passar, disse-me o médico calmamente. Se fosse com ele, logicamente, se automedicaria com doses cavalares de morfina para suportar o insuportável. Como pode em plena era da informática, onde tudo se resolve num clique, avanços tecnológicos inimagináveis, espaçonaves chegando a Marte, carros autônomos, drones entregadores, robôs trabalhadores, clones e transgênicos mudando os DNAs pelo mundo afora e a medicina não descobrir como enfrentar um ser tão desprezível, minúsculo e invisível, o vírus, mas destruidor? Pior: todo mundo já teve uma virose, e quem não teve certamente em breve terá. Pode ir se preparando. E você, assim como eu que já teve, pode ser pego desprevenido novamente, a qualquer momento, porque o monstrinho é mutável e dá um baile nos nossos anticorpos. Meedo! Outra constatação, virose virou sinônimo de tudo aquilo que os médicos não conseguem diagnosticar. Não deviam cobrar a consulta. Mas mesmo de momentos ruins, pode se extrair algo de bom. Mesmo de uma virose. Ah! Como é bom quando ela vai embora e nossa saúde volta ao normal!
Por Marcos Sá, consultor de mídia impressa, com especialização em jornais, na Universidade de Stanford, Califórnia, EUA. Atualmente é diretor de Novos Negócios do Grupo RAC de Campinas