Um veneno que derruba elefante?

Misteriosamente, centenas de elefantes foram encontrados sem vida em Botsuana (fronteira com África do Sul). A notícia se espalhou no último 21 de setembro, intrigando as autoridades locais. O início das investigações apontou para a presença de neurotoxinas em elevadas concentrações produzidas por cianobactérias, mas o que são neurotoxinas e cianobactérias?

Para compreender essa situação precisamos voltar aproximadamente 3,5 bilhões de anos na história de vida do planeta. Com a ajuda da ciência, foi possível verificar que neste período, a Terra era um local bem diferente do que conhecemos hoje. As cianobactérias foram as primeiras formas de vida a produzir oxigênio a partir do sol e do carbono inorgânico, o que foi fundamental para a existência da vida como a conhecemos hoje.

O enfrentamento das adversidades do ambiente fez com que as cianobactérias adquirissem muitas habilidades para permitir a sobrevivência e perpetuação de suas espécies. Além disso, todo esse tempo de evolução as tornou competidoras muito eficientes no domínio dos ambientes, de forma que podemos observar espécies colonizando o solo, as rochas, a água doce e salina etc. Elas estão no meio ambiente fazendo parte da teia alimentar, se caracterizando como constituintes importantes, especialmente nos ambientes aquáticos.

Os primeiros estudos científicos caracterizaram esse grupo de organismos como algas azuis ou cianofíceas, em razão da coloração bem característica. Com o desenvolvimento das técnicas de visualização de microrganismos, ficou claro que elas não são algas, mas sim bactérias com comportamentos semelhantes às algas, portanto receberam uma classificação própria. Você provavelmente já viu um lago com grande crescimento desses organismos, pois apesar de microscópicos, esses seres são capazes de crescer tão intensamente que geram aquela coloração verde intensa. Atualmente, os estudos com cianobactérias se voltam à capacidade que elas têm em produzir toxinas, com potenciais riscos à saúde. Nem toda cianobactéria produz toxina e mesmo aquelas descritas como tóxicas, podem não produzir em razão das variações nas condições ambientais de luz, alimento e temperatura.

São conhecidas até o momento toxinas classificadas em hepatoxinas (podem afetar o fígado), neurotoxinas (atuam no sistema nervoso) e dermatotoxinas (efeitos na pele). Os estudos ainda buscam compreender o que leva as cianobactérias a produzirem essas toxinas e como minimizar os efeitos que causam. Pesquisar essas questões são fundamentais para reduzir os riscos de exposição, pois como pudemos verificar com o caso dos elefantes em Botsuana, as concentrações elevadas de cianotoxinas (toxinas produzidas por cianobactérias) podem resultar em mortalidade ou em efeitos preocupantes na saúde.

O caso mais famoso de intoxicação por cianotoxinas aconteceu no Brasil, em 1996, na cidade de Caruaru (Pernambuco). Na ocasião, pacientes em hemodiálise receberam acidentalmente hepatotoxinas de cianobactérias durante o procedimento. A região sofria de uma grave estiagem e as fontes de água utilizadas estavam contaminadas. O resultado foi o óbito de dezenas de pacientes.

A morte dos elefantes em Botsuana ainda está sob investigação, pois algumas questões permanecem sem resposta, mas novamente reacende o debate a respeito da importância dos estudos com cianobactérias, cianotoxinas, nos mecanismos de controle dos impactos causados, mas principalmente da necessidade de medidas de conservação ambiental. Períodos de estiagem mais persistentes (causados pelo desmatamento e mudanças climáticas), o aumento da temperatura global, trazem as condições ideais para o crescimento de cianobactérias e suas cianotoxinas, tornando esses episódios mais frequentes.

A pergunta que fica é: será que somente as ações isoladas de controle serão efetivas ou é a hora de elevarmos os esforços no sentido da conservação, já que as questões ambientais são interligadas?

Autor: Augusto Lima da Silveira é coordenador dos cursos Saneamento Ambiental e Gestão em Vigilância em Saúde no Centro Universitário Internacional Uninter. O professor também descomplica as cianobactérias e as questões ambientais em seu perfil@verboambiental no Instagram.
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