“Novo normal” na educação

Educadores apontam mudanças que podem colaborar para a ressignificação do papel das escolas.

O ambiente nas instituições de ensino, nos últimos meses, foi permeado por dúvidas, mudanças, projeções, replanejamentos e densas reflexões. E a pergunta que ainda paira no ar é: qual legado a pandemia deixará para a educação? Como será a escola daqui para a frente? As incertezas são muitas, mas se algo parece certo neste momento é que não será possível retomar de onde paramos. O “novo normal” traz consigo intensas mudanças que, por sua vez, podem colaborar para a ressignificação do papel das escolas e da relação das pessoas com a educação em diversos sentidos. O maior desafio que temos adiante é planejar novas estratégias de ensino. Convidamos educadores da região para que compartilhem opiniões, anseios e boas práticas sobre o futuro da educação, articulando possíveis caminhos para um contexto pós-pandemia, repensando a utilização de tecnologias, metodologias pedagógicas e relações socioemocionais. Todos foram unânimes em afirmar que a transformação está em criar uma nova educação que considere, além do uso de novas ferramentas tecnológicas e metodologias de ensino, também uma revisão sobre o que deve ser ensinado para os alunos, algo que realmente os cative e os prepare para um mundo cada dia mais repleto de incertezas.

Quais os impactos do ensino remoto sobre a educação?
O ensino remoto, que antes era uma alternativa para estudantes mais velhos, acabou virando regra para todo o mundo. A educação em nosso país vive um momento de intensa fragilidade. Além do ensino formal em âmbito escolar, mediado por nós professores, o espaço familiar informal virou sala de aula. Muitas famílias precisaram conhecer o filho-aluno que educaram, muitos professores tiveram que sair da zona de conforto e se reinventar completamente. As professoras da educação infantil e anos iniciais se transformaram em artistas on-line, no desafio de manter o vínculo adquirido presencialmente com os pequenos. Alunos maiores passaram a compreender as funções da internet para além de selfs e redes sociais. Entre os impactos do ensino remoto sobre a educação, está a preparação de aulas remotas que visam favorecer a aprendizagem e garantir uma contínua interação com os alunos, estabelecendo aulas e atividades dinâmicas que atendam as demandas de todas as famílias. Apesar dos entraves iniciais, os resultados têm sido positivos, com muita disposição e aprendizagem estamos oferecendo o melhor ensino para os nossos alunos.
Cintia Lang, coordenadora pedagógica do Colégio Desafio

Quais são as principais consequências que a Covid-19 trará para a educação de crianças e jovens e quais serão os desafios da educação para quando a pandemia passar?
Esse momento em que vivemos, desde o início da pandemia, foi um despertar para que mudanças ocorressem, a escola viu a necessidade de apresentar propostas para essa nova rotina com os alunos, o ambiente escolar passou a contar com a participação mais colaborativa da família e fortaleceu essa parceria. A tecnologia possibilitou que continuássemos a oferecer os conteúdos, mas agora de uma forma mais participativa, a aprendizagem ativa, com uma maior autonomia e interesse pelos alunos pelas novidades e para isso ferramentas, estratégias e muita criatividade fizeram parte dessa convivência alegre. Essas mudanças serão definitivamente incorporadas em nosso planejamento pós-pandemia e esses recursos não serão mais abandonados, uma vez que diferentes ferramentas para diferentes alunos se fazem necessárias pensando na diversidade de perfis estudantis. Além do cognitivo, abriu o espaço para o socioemocional e o ambiente escolar terá um olhar mais ainda específico em que o aluno será o centro dessas transformações, desenvolvendo outras habilidades. Seja no plano pessoal ou profissional, todos nós vivenciamos situações de muita reflexão e passamos a valorizar mais o convívio e as relações sociais, sairemos com essa visão de mundo ampliada e um enorme desejo de conviver, abraçar e ser mais colaborativos. Uma união entre a tecnologia e as relações intrapessoais nunca fez tanto sentido.
Maria da Penha Romani, diretora da Educação Infantil e Ensino Fundamental dos anos iniciais do Colégio Raposo Tavares

O ensino híbrido é tido como uma das maiores tendências da educação do século 21. E agora, mais do que nunca, fala-se sobre blended learning. O que pensa a respeito?
Ensino híbrido ou blended learning surgiu nos Estados Unidos como prática do meio empresarial e migrou, na última década, para as práticas de salas de aula do mundo todo. Propõe que a organização da sala possa ter diferentes atividades para grupos de alunos, com estações rotativas ou trabalhos em casa, geralmente faz uso de tecnologia, que visem à personalização da aprendizagem, com rotinas que possam ser feitas de maneira não presencial e que sejam complementadas ou complementem a sala de aula presencial. O ensino híbrido faz parte das chamadas metodologias ativas, mas é mais do que um simples método, é uma concepção de ensino e aprendizagem que vai além da lousa e livros, é uma proposta ampla, que integra o ensino presencial e on-line, usando o máximo de cada um deles, para aprender mais e melhor, personalizando a aprendizagem. O essencial é que esteja alinhado com o currículo da escola e que não seja apenas um  recurso em si. Nesse sentido, ganha-se aliados para uma melhor aprendizagem.
Claudia Xavier da Costa Souza, diretora do Colégio Rio Branco − Unidade Granja Viana

O que de fato deve ser ensinado para os alunos que realmente os cative e os prepare para um mundo a cada dia mais repleto de incertezas?
Nesse mundo em mutação constante, a pergunta mais complicada é “o que é preciso ensinar, para preparar o aluno para o futuro?”. A pergunta é complicada, mas a resposta é simples: o aluno do século 21 precisa aprender a buscar conhecimento. É só isso. Claro que esse é um grande desafio, porque implica mudança radical no modo de ensinar. O professor já não transmite o conhecimento. Sua tarefa é encantar, incentivar e direcionar o aluno nessa busca, que é uma luta individual. Cada um terá de conquistar o seu lugar. Importante notar que isso, de certa forma, mantém a desigualdade entre os estudantes, mas já não entre “pobres e ricos” como sempre foi. Agora a diferença está entre o aluno proativo e o acomodado. E essa diferença será imensa. Nossa tarefa é transmitir aos alunos o desejo de aprender. E não existe modo melhor para desejar algo do que o amor… quando amamos, desejamos. Em resumo, educar por amor é educar para sempre.
Ligia Sanchez, diretora do Colégio Santa Tereza

Como inovar no modelo tradicional de ensino e transformar os alunos em protagonistas do próprio aprendizado?
Qualquer escola que queira inovar, desenvolvendo o protagonismo dos estudantes, precisa necessariamente criar situações em que todo e qualquer estudante tenha voz, possa expressar o que sabe, o que pensa sobre os conteúdos curriculares, assim como dialogar com seus pares, com pontos de vista diferentes, e interagir com variadas fontes de informação. É preciso propor problemas para os quais os estudantes não tenham respostas e se sintam estimulados a buscá-las. Problemas que façam sentido para pensar o mundo em que vivem, que estimulem sua capacidade intelectual e de agir responsavelmente, com base em valores humanistas. A Escola da Vila, por exemplo, há 40 anos, pratica uma educação centrada no aluno, voltada à formação das diferentes capacidades humanas, de modo que nossos estudantes possam trilhar trajetórias significativas na escola e na vida. O protagonismo faz parte desta proposta e está presente no dia a dia das aulas, por meio de pesquisas, entrevistas, fóruns de discussão, seminários, debates, estudo de meio, e outras atividades que os estudantes realizam.
Marília Costa Dias, diretora da unidade Granja Viana da Escola da Vila

Como minimizar os impactos da pandemia na educação infantil?
A infância é um momento de grandes descobertas, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento afetivo, cognitivo e criativo. É na primeira infância que as crianças passam a ter consciência de si e do outro, criam laços afetivos fora do ambiente familiar e vínculos sociais importantes. Dessa forma, para se adaptarem nesta nova realidade denominada “novo normal”, é de suma importância que os pais e educadores acompanhem de perto e estimulem a conscientização a respeito das medidas de saúde e segurança, por meio de conversas e atividades educativas e criativas desenvolvendo as habilidades socioafetivas. Tais habilidades devem ser desenvolvidas por meio de contos, roda de conversas, brincadeiras, músicas. No meu entendimento, ouso ainda afirmar que, já na primeira infância, há ainda a possibilidade de estimular a empatia e a responsabilidade para que as crianças desenvolvam as boas práticas de higiene e segurança social, até se adaptam com as máscaras melhor que adultos. E, com certeza, embora existam controvérsias, como educadora consigo visualizar a efetivação destas habilidades na primeira infância. Habilidades que sem dúvida refletirão positivamente na fase adulta.
Ana Paula de Sá Ancheschi, diretora do Instituto de Desenvolvimento Infantil Ana de Sá

Em vez de um “novo normal”, um “normal melhor” para educação. O que pensa dessa frase?
“O que nessa quarentena faz você querer que ela não acabe?”, perguntou um jovem de 17 anos em uma reunião de pais, professores e estudantes no colégio em que tenho a alegria de participar duplamente, como pai e como professor. Não entendemos a profundidade, de início. “Vocês, que agora têm tempo de sobra, conseguem se dedicar a algo com tal intensidade a ponto de desejar que esse tempo perdure?”. “Eu tenho me dedicado a encontrar situações e tarefas que me preencham tão intensamente a ponto de desejar que este tempo dure para sempre, por mais estranho que pareça”, explicou o jovem filósofo. Falamos, então, sobre os almoços diários em família, as mobilizações em prol das populações de rua, os cuidados com a casa partilhados, nossa nova relação com as tecnologias e a preocupação em manter a saúde física e mental. Falávamos não sobre um novo normal, mas um normal melhor. Entendemos isso e nos calamos. Agradecemos silenciosamente e fomos dormir pensando no aluno e no Gonzaguinha. “Ontem um menino que brincava me falou que hoje é semente do amanhã.”
Daniel Kulaif, professor de classe do Colégio Waldorf Micael de São Paulo

Qual o papel do professor neste “novo normal”?
Inovar, criar e refletir são verbos presentes na rotina do professor. Há muito tempo, discutimos sobre o quanto precisamos atingir a geração Alpha, mesmo nós, professores, estando em outras gerações. A pandemia veio sem pedir licença, e todos tiveram que se adaptar com novas ferramentas em um ambiente único de aprendizagem. Acredito, confio e me inspiro em professores, estamos sempre buscando o novo, e em momento algum a educação parou. Fechou-se um mundo e abriram-se outros mundos: o da tecnologia, o da empatia, o do novo normal. E falar do novo normal é sim um futuro incerto, pois para nós que sempre tínhamos nossos planejamentos e projetos, o incerto é controverso. Mas não nos ataca, porque nenhuma capacitação nos formou para esse novo normal, mas muitas formações nos deram base para continuar. O professor que se forma constantemente saiu na frente. Foi necessária maior interatividade, dinamismo, habilidades em sala e concepções metacognitivas. Chegamos em um ponto alto na educação: grandes professores se mantiveram no topo e muitos que estavam na zona de conforto tiveram que se levantar e correr.
Ruan Rucasi, coordenador-geral da Escola Pitangueiras

O que podemos dizer sobre a relação entre escola e tecnologia e como isso impacta o processo de ensino e aprendizagem?
A tecnologia, nos dias atuais, tem servido como um elo fundamental no ambiente escolar. Os sentidos e as emoções circundam um espaço até então não percebido pela educação. A aprendizagem acontece a partir dos sentidos, ou seja, das sensações recebidas pelo corpo aprimorando o tato já lá na educação infantil, e a escuta e a visão com o avanço da idade. Mas os estudos colocam a propriocepção como um sentido fundamental que, associado aos outros, levam ao autoconhecimento e a constituição de identidade. A escola tem se utilizado de todos esses aspectos sensoriais e a tecnologia da telecomunicação tem ajudado em todo o processo formativo e de aprendizagem dos alunos. A tela do computador ou do celular tem sido o ponto de encontro e isso faz do distanciamento físico uma aproximação social. O psicólogo de urgências Márcio Gagliato, vinculado à Organização Mundial da Saúde, em conversas com os alunos da Escola Granja Viana, nos disse que as escolas são o ponto de referência para a reconstrução de uma sociedade em processos de catástrofe como essa que estamos passando. A escola une. Dessa forma, se tornou possível testemunhar uma criança do 1º Ano EF-I, emocionada, correndo pela casa depois de perguntar para a professora se ele tinha lido, chamando a mãe para dizer: “Mãe, corre ver, eu li isso!”, apontando para a tela. Isso tudo diante de todos os seus colegas. E mais, na proximidade também de sua própria família. Estes são elementos fundamentais da autoestima. Por outro lado, vê-se adolescentes felizes diante de atividades que exigem movimentos em frente às câmeras e compartilhamentos de trabalhos que, de alguma forma, aconteceram em grupos. Sendo assim, a tecnologia como hoje é conhecida no ambiente escolar ganhou celeremente um espaço que vinha sendo discutido sobre as interações interpessoais e de recursos corporais. É evidente que se deve ter o cuidado do excesso e das regras do seu uso, mas é um recurso enorme de aprendizagem e de socialização, de aproximação com o conhecimento dos conceitos e conteúdos escolares, assim como de fortalecimento de autoconceito e autoestima, ou seja, de constituição do ser em um grupo social.
Márcio Macarini, orientador educacional da Escola Granja Viana

Quais aprendizados e descobertas serão levados para o futuro da educação?
Já percebíamos que um professor não podia mais entrar em uma sala de aula do mesmo jeito que há dez anos. Por isso, no início do ano, promovemos um curso na escola com os professores voltados para uma educação diferenciada, porque os jovens estavam demandando outra rotina. Os alunos, hoje, têm necessidades diferentes e a tecnologia na vida deles é muito mais presente. Com isso, o professor precisaria se reinventar e fazer com que a tecnologia fizesse parte da sua rotina. Mal sabíamos que, menos de dois meses depois, os ensinamentos daquele curso seriam aplicados tão abruptamente na prática. De uma hora para outra. Já estamos vivendo uma nova realidade. O normal daqui para frente vai ser um pouco diferente. Muitas ferramentas que foram utilizadas nesse momento devem continuar. E se antes falava-se em sistema de ensino híbrido, esta será a nova realidade. O aluno vai construir o próprio conhecimento e buscar a ferramenta para que isso ocorra. E o professor, por outro lado, vai assumir mais do que nunca o papel de mediador no processo de ensino-aprendizagem do aluno. Para construção deste novo normal na educação, o aluno precisará entender que a educação atravessa fronteira, como um livro faz você viajar para qualquer lugar, até mesmo os inimagináveis, então, ele precisa se permitir aprender desta maneira. E a família também precisa se permitir. Assim, juntos, escola e família se tornem um só, no processo de ensino-aprendizagem do aluno.
Denis Franceschinelli, diretor administrativo do Colégio Samarah

Em educação básica, o que o termo “novo normal” pode significar?
Muitos especialistas e profissionais da educação afirmam que a escola não será mais a mesma, os alunos não irão conceber suas aprendizagens da mesma maneira e será necessário um replanejamento educacional, intensificando as habilidades que foram necessárias: criatividade, colaboração, adaptabilidade, resolução de problemas e comunicação. A pandemia, em meio a um cenário de incertezas e dúvidas, nos trouxe o maior acompanhamento dos familiares, reinvenções dos docentes e maior interação tecnológica. Apoiados em ferramentas e plataformas, foi necessária a criação de aulas atrativas e estimulantes para efetivar a aprendizagem de forma prazerosa e assertiva, um novo fazer na educação. Experimentou-se e o resultado foi positivo, e quando falamos em novo normal, será necessário identificarmos o caminho que iremos percorrer: novos alunos, novos professores e a construção de uma nova escola. Mediante a tudo isso, voltamos presencialmente com as riquezas do mundo da tecnologia alinhado ao mundo escolar, um ambiente de aprendizagem, de socialização e de trocas. A única certeza que temos é que nunca se valorizou tanto as relações, parcerias e compartilhamentos.
Cleís Castelluber Guazzelli, diretora pedagógica da Escola Janela para o Talento

Como criar trilhas de aprendizagem à distância?
Aqui, na Escola Bosques das Letras, as crianças compartilham seus conhecimentos, criatividade e imaginação por meio de múltiplas linguagens que se manifestam através do brincar. Por isso, criamos trilhas de aprendizagem à distância, que proporcionassem uma segurança emocional para a criança, pois acreditamos na importância de uma rotina no ambiente familiar, com momentos significativos que eram vivenciados por ela na escola. Diante dos desafios atuais, enviamos diariamente sugestões de atividades com propostas de brincadeiras, músicas, histórias cantadas, atividades corporais, de arte, ioga, inglês e encontros síncronos criando soluções para a construção do conhecimento, o cuidado e atenção com cada criança. Não menos importante que manter a manutenção dos vínculos e aprendizagens com as crianças, nessas trilhas, contemplamos também uma relação de proximidade e transparência com os pais, proporcionando a eles maior conhecimento sobre nossa proposta pedagógica, com temas como: construtivismo, BNCC, alfabetização e letramento na educação infantil e reuniões para o acompanhamento pedagógico e emocional das crianças neste período de pandemia.
Juliana S. Conte e Daniela Onisanti, respectivamente diretora e coordenadora pedagógica da Escola Bosque das Letras

 


Canal Circuito
De uma semana para a outra, as escolas tiveram de se reinventar com a Educação à Distância, e, por incrível que pareça, estão fazendo grandes descobertas para o futuro pedagógico de suas instituições. Confira aqui algumas experiências compartilhadas pelas escolas da região.


 

Por Juliana Martins Machado

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