Antes que tentem rotulá-lo como algum tipo de dinossauro saudosista, o médico Cristiano Nabuco (foto), uma das vozes mais potentes contra abusos e vícios da era digital, faz uma profissão de fé na tecnologia: “Eu adoro, nem de longe sou contra”. Para, em seguida, ligar sua metralhadora giratória contra o uso que se tem feito das inúmeras telas que cercam nossos adolescentes e crianças.
Não poderia ser diferente vendo o que vê na coordenação da área de Dependentes de Internet do Programa Ambulatorial dos Transtornos do Impulso (Pro-Amiti) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Incluídos um jovem capaz de passar 55 horas ininterruptas sem se alimentar (e sem ir ao banheiro) diante de um videogame; e uma criança de 2 anos que pede o colo de balconistas em lojas só para ficar próxima ao teclado.
“As pessoas têm a noção equivocada de que quanto mais tecnologia houver, melhor será nossa qualidade de vida. Não funciona assim”, alerta ele. Sua preocupação aumenta quando vê o que está acontecendo nas escolas que pretendem “tecnologizar a pedagogia, acreditando que isso por si formará pessoas mais capacitadas” sem discutir os efeitos que as telas causam em seres humanos que ainda não completaram sua formação física, psíquica e intelectual.
Cristiano Nabuco tem um acervo impressionante de pesquisas recentíssimas feitas com pessoas em idade escolar e capazes de deixar os pedagogos entusiastas da tecnologia de cabelo em pé, e relata algumas delas em entrevista exclusiva à Circuito para este Especial Educação, feita no início de agosto em sua casa na Granja Viana.
Enquanto as escolas mundo afora introduzem a tecnologia no processo educativo, no epicentro da revolução digital das últimas décadas, no Vale do Silício, Estados Unidos, grandes nomes da tecnologia preferem que seus filhos, sobretudo os menores, estudem em escolas que praticamente proíbem o uso de telas no processo de aprendizagem. Dentro dessa polêmica, convidamos também educadores da região para debater este assunto tão delicado.
 
O mito do multitarefa
Para um jovem, antes do vinte e poucos anos, não há maturidade para o controle dos impulsos. “Então, seria muito importante quando se fala em inclusão de tecnologia em sala de aula, que os educadores tivessem um pouco mais de cuidado para não dar um tiro no pé. No afã de querer tornar o processo educativo melhor, podem estar colaborando para um processo de distração maior”, pontua Nabuco. De fato, os alunos ganham tablets das escolas e utilizam plataformas onde baixam a tarefa, postam perguntas e trabalhos, além de outros meios. “Ok, eles terão mais acesso e vai facilitar muito, mas existe alguma métrica que já avaliou isso para dizer se todo esse avanço resulta em algo positivo?”, pergunta o especialista. Ele completa, citando o mito da multitarefa: “dizem que o jovem hoje é multitarefa, consegue ficar no celular e prestar atenção em várias coisas ao mesmo tempo. Ora, isso é uma mentira. Quem inventou essa história de multitarefa? O cérebro não faz duas coisas ao mesmo tempo e, se fizer, vai perder em profundidade em uma delas ou nas duas. Se você dispor a ele cinco estímulos diferentes ao mesmo tempo, sala de aula, telefone celular e tablet, ele vai dar conta, porém de um jeito capenga. Não vai conseguir ter o grau de profundidade que é requerido”.
Reflexão sobre o tema, escrita por Cristiane Hager, coordenadora de tecnologia do Colégio Via Sapiens: A tecnologia educacional sempre esteve integrada ao processo ensino-aprendizagem no nosso colégio. Na Educação Infantil e Fundamental I, a utilização de jogos educacionais ajuda a compreender conceitos, além de melhorar a aquisição do hábito de leitura com as bibliotecas virtuais e também significativamente resultados em matemática. Plurall e Google for Education são ferramentas utilizadas pelo Fundamental II e Médio que tornam a aprendizagem mais dinâmica e motivadora. O Plurall permite aprofundar conhecimentos e estimula hábitos de estudo, além de melhorar o preparo para o Enem e vestibulares. O Google for Education, com destaque para o Classroom, permite o compartilhamento de informações entre professores e alunos, de textos, vídeos, tarefas, como também edições coletivas, troca de mensagens e feedbacks. Acreditamos que a utilização da tecnologia em sala de aula é cada vez mais presente, mas sempre com o professor como mediador neste processo de aprendizagem colaborativa.


Fixação zero
A dinâmica das telas trabalha contra a fixação de informações. Uma pesquisa mostrou que uma hora de videogame, antes de dormir, diminui em até 50% a consolidação da memória daquilo que você aprendeu ao longo do dia. A excitação danifica também a qualidade do sono, aponta o especialista. O sono profundo é responsável pelo momento da consolidação da memória. “O nosso corpo é regulado pela luminosidade. Se ela se mantém, algumas funções não são desabilitadas para que outras sejam acionadas. O que aconteceu com aquilo que você viu, aprendeu e pensou durante o dia? O corpo não tem biologicamente as condições mínimas de poder reter a informação”, explica.
Há outra pesquisa em que dois grupos foram divididos: um tinha que procurar uma informação na internet e o outro em enciclopédias impressas. “É claro que quem buscou na internet achou mais rápido. Mas aí, depois de algumas semanas, eles voltaram para pedir informações sobre o que eles tinham pesquisado. Descobriram que quando se lê um material impresso, você dá tempo para que seu cérebro recrute todas as áreas importantes para que sua memória seja consolidada. Mas na hora que você lê na internet a informação é tão rápida que não dá tempo de fixar. A pessoa sabe, mas não guarda”, debate.
Reflexão sobre o tema, escrita por Márcio Macarini, orientador educacional da Escola Granja Viana: A escola entende que aprender é ressignificar, ou seja, agregar uma nova informação a um conhecimento já obtido e que, portanto, remete a uma nova resposta, sendo esta sempre uma ação modificada e ampliada em relação ao que já se sabia. É enganosa a ideia de que ao clicar no Google se obtém aprendizagem. Esta é uma ferramenta de informação muito valiosa, porém ali se captam dados para a memória de trabalho, ingredientes de uma pesquisa. Para que ocorra aprendizagem significativa tem-se que buscar associações com outras fontes – até de outras ordens sensoriais – para que seja ampliado o acesso à memória efetiva. A escola promove interfaces entre as informações com o conhecimento já adquirido. Para tanto, é primordial que ela estabeleça a diferença entre as palavras: informação e conhecimento. Este se consolida a partir da ativação das diversas vias sensoriais estimuladas em associação com as memórias, como num lento cozimento em temperos elaborados e ritmados a saborear cada detalhe digerido em novo saber. Este novo saber se efetiva em nova memória e é entendido como aprendizado ao trazer pessoalidade aos novos significados, cujo autor é o aluno.


Formação, ou não, de cidadãos digitais
“Percebo que há uma lacuna nas escolas no que se refere à formação de cidadãos digitais. Elas deveriam estar atentas no sentido de ajudar a prepará-los e a construir o que envolve viver na vida digital. O que a gente vê são os pais e as escolas patrulhando apenas, não se engajando e olhando a partir do ponto de vista deles”, critica Nabuco. Para ele, é preciso dizer que um algoritmo está lidando com suas informações e que as redes sociais e os telefones celulares são feitos para capturar a atenção. “Existem engenheiros trabalhando na ciência da persuasão, preocupados com formas de capturar sua atenção, ou seja, você navega mais do que gostaria, vai para lugares onde não estava pensando. Não há santo nessa história. Os usuários de tecnologia são produtos que as empresas vendem como público-alvo e todo tipo de informação é capturada por essa rede comercial, inclusive as falas do ambiente em que a criança está. Se as escolas não atentarem para esse contexto e ensinar isso, estarão falhando no seu papel de ensinar o uso da tecnologia”, pontua.
Reflexão sobre o tema, escrita por Claudia Xavier da C. Souza, diretora do Colégio Rio Branco – Unidade Granja Viana: As tecnologias digitais de informação e comunicação fazem parte do currículo e, portanto, são necessárias para redimensionar o cotidiano. Elas não devem ser subestimadas e nem supervalorizadas. Precisamos programar e não sermos programados, ensinar nossos alunos a desenvolver a dimensão crítico-reflexiva e ética de seu uso, auxiliá-los a medir consequências e mostrar o explícito e implícito destes recursos. Uma escola tecnológica é diferente de uma escola que usa tecnologia, seus usos vão além do laboratório. Não há uma carga horária específica, ela faz parte do dia a dia e da necessidade do projeto a ser desenvolvido. A tecnologia organiza dados, otimiza tempo, aproxima realidades, promove interação entre culturas, mapeia habilidades, permite ao professor desenhar a aprendizagem de seu aluno, personalizando a educação. A sala de aula é o espaço coletivo do conhecimento, da interação e da troca de informações. A tecnologia pode nos abrir uma porta e nos fechar dentro dela. É preciso desconectar para conectar.


Disputa por atenção
Há uma pesquisa que dividiu pessoas em dois grupos. Um deles podia entrar na sala de aula com seus equipamentos, mas mantê-los guardados; já o outro, deixou os equipamentos eletrônicos fechados em um armário fora da sala. Receberam a mesma tarefa. “O que aconteceu foi que o grupo sem a tecnologia ao lado performou muito melhor nos exames. Mas por quê? Tem uma expressão que descreve isso: FoMO, “fear of missing out”, medo de estar perdendo alguma coisa que está acontecendo no mundo digital. Então o que descobriram é que no grupo que entrou com a tecnologia, como esse é um estímulo de grande relevância, uma parte deles ficava em stand-by, fazendo com que a energia e a quantidade de atenção para a tarefa ficassem reduzidas. Mesmo que não consultasse o celular, o fato de ele estar ali do lado desligado criou um prejuízo na execução da tarefa”, explica Nabuco. Um artigo recente, lido pelo especialista, indica que, se navegar na internet durante 15 minutos olhando sites de produtos, a hora que desliga e volta para a realidade, seu nível de atenção já está comprometido. “Então você imagina as escolas que colocam lá um laptop e um tablet, o que acontece? Ninguém sabe quais são os efeitos disso”, questiona.
Reflexão sobre o tema, escrita por Helena Andrade Mendonça, coordenadora de tecnologia educacional da Escola da Vila: A vida na contemporaneidade está permeada pelo digital: transitar pela cidade, comunicar-se, ir ao banco, além de tantas outras situações do cotidiano, foram transformadas pela internet. Estas e outras práticas sociais, bem como as práticas de estudo também mudaram, e um exemplo disso é o acesso à informação. É, então, um desafio da escola discutir com os alunos sobre o funcionamento dos buscadores, a confiabilidade e a pertinência das informações encontradas, a lógica de marketing usada nas respostas de nossas buscas, dentre outros temas. As tecnologias digitais trazem mudanças, ganhos e desafios para os estudos e a convivência social. É importante que elas estejam presentes na escola para que os alunos possam desenvolver um uso consciente e responsável das redes, para que possam se autorregular sobre o uso ou não do digital e buscar a compreensão mais ampla dos mecanismos a que estamos sujeitos através dos algoritmos e da exposição e uso dos nossos dados pessoais. É necessária uma postura ativa e crítica diante deste universo para que possamos exercer a cidadania na sociedade atual.


Livro x tela
A operação mental é distinta quando a interação é feita por uma tela ou por um livro. “Ao lermos, o cérebro faz movimentos, dá uma parada e ajusta o input. A informação precisa de um tempo e de uma cadência para poder ser ancorada na memória de longo prazo. A informação que entra precisa ser associada a outras que já existem na mente e aí ela fixa. Por isso, muita gente gosta de riscar, de passar o amarelinho etc. Não é só porque gostam, mas é o tempo que o cérebro precisa para assimilar de uma forma que seja mais definitiva. Mas quando estou navegando numa tela, a quantidade de informação que vem não dá esse tempinho para meu cérebro fazer vínculos e memorizar”, explica. Em resumo, a ativação mental utilizada quando se interage com uma tela é semelhante à ativação mental usada para um jogo de sete erros ou da forca, por exemplo. Verdadeiro ou falso. Certo ou errado. Ir ou não ir. “São operações rápidas baseadas na decisão. Isso é diferente de quando você lê um livro”, completa Nabuco.
Reflexão sobre o tema, escrita por Marco Antonio Xavier, coordenador do ensino médio no Colégio Anglo Leonardo da Vinci: “A escola é um espaço de aprendizagens essenciais que vão além da formação instrumental. A convivência diária de alunos, professores e comunidade escolar é a base da construção de conhecimentos, de desenvolvimento de habilidades e da formação de atitudes e valores em sociedade. Sabemos que alunos diferentes aprendem de modo diferente. Por isso, a tecnologia digital entra em nosso projeto escolar como extensão da sala de aula. Para o aluno, permite visualizar livros de teoria e cadernos de exercícios digitalmente, responder tarefas na plataforma on-line e, se tiver alguma dificuldade na resolução das questões ou no conteúdo apresentado, pode enviar suas dúvidas ou consultar respostas armazenadas a qualquer hora e em qualquer lugar. Para o professor, a tecnologia digital permite criar os próprios conteúdos e visualizar o desempenho nas tarefas resolvidas. Se bem dosada, a combinação de estratégias potencializa o aprendizado e a conquista de resultados pedagógicos”.


Danos ao corpo
O corpo, e principalmente um corpo ainda em formação, sente os efeitos do uso intenso da tecnologia. Os médicos já identificaram a Síndrome do Olho de Computador, que são efeitos do uso quando o olho não pisca. Uma pessoa vendo uma tela de celular pisca 80 vezes menos do que quem não está. Há problemas ortopédicos de coluna e outros de insônia, por causa da luminosidade. Noite mal dormida, que induz à depressão, e falta de atividade física. “Outro dia estava conversando com uma recreadora que me disse que as crianças de hoje não respondem mais às brincadeiras. Não têm mais a coordenação motora necessária e é preciso diminuir o grau de exigência de tanto que elas ficam na tela. Também não têm mais aquele conceito de brinquedo. Certa vez, fiquei um tempão no Mercado Livre procurando uma pipa e, quando achei, falei da minha dificuldade em achar para o vendedor e ele: “pois é, ninguém mais quer pipa”, comenta.
Reflexão sobre o tema, escrita por Denis Franceschinelli, diretor administrativo do Colégio Samarah: Nos dias de hoje, a inserção da tecnologia ocorre dentro de casa. A criança nasce e em poucos meses já está assistindo seus desenhos em tablets ou nos celulares dos pais. O fato é: a tecnologia está presente em nossa vida e não podemos ignorá-la também no ambiente escolar. Sendo bem trabalhada na escola, é sim um fator positivo. Existem excelentes ferramentas pedagógicas para auxiliar o docente e o discente no processo de ensino-aprendizagem. Estamos atualizados com a parte digital para melhor atender ao público mais tecnológico, não esquecendo também do material impresso, altamente qualificado para o dia a dia do aluno. A questão está na dosagem, entre analógico e digital. Tudo que é demais, não é bom; tampouco a substituição da interação real. Havendo a dosagem certa, não haverá prejuízo para o desenvolvimento.


Novidade perigosa nas escolas
“As escolas não estão debatendo o tema. Não que não queiram. Acho que elas ainda não sabem o quanto pode ser danoso o uso sem critérios da tecnologia”, afirma Nabuco, categoricamente. Ele relembra o caso que ocorreu com a filha de 7 anos de uma amiga, diretora de um dos maiores hospitais de São Paulo. “Ela chegou desesperada, mostrando a quantidade de fotos impróprias no celular da filha de 7 anos. Foi atrás e descobriu que foi a menina que navegou. Como ela descobriu? No intervalo da escola, a recreadora escreveu no quadro-negro nomes de músicas para as crianças pesquisarem na internet e uma delas foi a dança do pintinho”, conta. Então, ele faz questão de ressaltar: celular ou tablet não se trata de brinquedo. “Da mesma maneira que você não deixa seu filho na rua conversando com qualquer pessoa, também não deve dar o telefone. É necessária uma série de precauções para que não aconteçam coisas assim”, ensina.
Reflexão sobre o tema, escrita por Manuela Souza Albergaria de Jesus, professora do Ensino Fundamental I do Colégio Madre Iva: Quando se fala de “era digital”, parece que nossos alunos já nasceram prontos para utilizá-la, e nós professores, precisamos correr contra o tempo para conhecer, aprender e nos preparar para usar essas novas ferramentas. Nossos alunos precisam ter clareza de que esses aparelhos não estarão disponíveis apenas para diversão em sala de aula. Para que isso se efetive, é preciso que o uso dos recursos tecnológicos esteja integrado aos projetos e propostas pedagógicas. Dessa forma, esses recursos se constituirão como ferramentas fundamentais para a construção do conhecimento. Penso que os estudos sobre a cultura maker e metodologias ativas contribuem para a formação docente e lançam luzes para a criação de práticas pedagógicas que integrem a “era digital” ao cotidiano da sala de aula.


Relação com a verdade
Há um problema em se ter a internet como fonte de pesquisas, escolares ou não. “O que sai publicado, tem que ser levado a sério. Mas não há isso no dia a dia da internet. Qualquer um tem uma voz e é livre para escrever qualquer coisa. A mentira, as fake news, ganharam tamanha proporção que hoje não se sabe mais o que é verdade ou mentira. Não se pode confiar tanto em fontes dali”, pontua o especialista. Ter acesso irrestrito e rápido à informação, como a tecnologia proporciona, não quer dizer consolidação de conhecimento. A pedagogia, ou seja, a forma como aprendemos, não mudou desde a Grécia Antiga: você senta, alguém fala e aí você raciocina, absorvendo o conhecimento. “Mas agora estão querendo reinventar esse processo de educação, dizendo que a tecnologia melhorou muito. Mas olha, tem que ser muito bem feito”, ressalta.
Reflexão sobre o tema, escrita por Cleis Castelluber Guazzelli, diretora pedagógica da Escola Pitangueiras, e Ruan Rucasi, coordenador pedagógico: Toda escola que está atualizada com as novas tendências na área da educação, sabe que o uso da tecnologia é uma necessidade, pensando nessa nova geração de alunos nascidos e criados em um mundo tecnológico, mas é preciso saber como esse recurso é utilizado em sala de aula. O educador deve se atualizar e pesquisar para descobrir de que maneira a tecnologia pode ser utilizada para melhorar efetivamente a aprendizagem dos alunos de forma produtiva. Os objetivos e motivos da introdução das ferramentas tecnológicas na escola devem ser compreendidos pelos alunos e a atitude que esperamos deles em relação ao uso deve ser bem clara, direcionada e relembrada quando necessário. Vimos que quando introduzimos as ferramentas tecnológicas em nossa escola, houve uma grande melhora no desempenho dos alunos, aumentando a motivação e o engajamento no processo ensino-aprendizagem. Acreditamos que quando conscientizados de como e quando esse recurso deve ser usado, o aluno passa a usar as ferramentas tecnológicas em seu próprio benefício, reduzindo assim o uso inadequado. Sabemos que a internet também contém informações incorretas, textos mal elaborados e reportagens tendenciosas. Atentos a isso, nossos professores disponibilizam aos alunos sites seguros e mais confiáveis, ajudando-os a reconhecer sozinhos sinais de um texto relevante e verídico. A educação, assim como todas as áreas, precisa se atualizar. O mundo mudou, as rotinas mudaram e as ferramentas se inovaram. Para atender nossas crianças é necessário um olhar inovador, criativo e atualizado diariamente para conseguirmos juntos, conquistá-los e guiá-los para os melhores caminhos de uma formação em excelência.


Sim, há regras para isso
Para Cristiano Nabuco, existe um grande equívoco com relação a incluir a tecnologia como elemento pedagógico. “No Vale do Silício, que é o lugar onde tem mais tecnologia incorporada ao cotidiano no mundo, os filhos dos CEOs das grandes companhias de tecnologia estudam em uma classe especial de escolas chamadas Tech-less Schools, onde é proibida a entrada de qualquer tecnologia. Zero. É quadro-negro, pincel atômico, atividade ao ar livre, só lá depois da segunda infância é que você vai começar a mexer”, conta o especialista. Harvard também entrou nessa, ao criar o Digital Wellness Lab, um Laboratório de Bem-estar Digital. Cinco anos atrás a Sociedade Americana de Pediatria criou o que eles chamaram de guideline de como lidar com as crianças, e a Sociedade Brasileira de Pediatria fez uma adaptação para o Brasil. A recomendação é antes de 2 anos, zero de tela para a criança. Dos 2 aos 5 anos, uma hora, longe das refeições e dos horários de dormir, quando vai se buscar apenas jogos que sejam compatíveis com a idade. “Parênteses: 85% dos jogos que se autodenominam educativos nunca foram pesquisados”, ressalta o especialista. Dos 5 aos 10 anos, pode aumentar para duas horas, mas sob supervisão, na sala, em locais comunitários ou de passagem. “Para a molecada, tudo é uma grande diversão, eles cresceram com isso. E a tendência é aumentar. Em 30 anos, 75% da população mundial estará vivendo nos grandes centros, em 2% da área do planeta, e quer você deseje ou não, tudo te empurra para a conexão”, afirma.
Reflexão sobre o tema, escrita por Camila Castro, formadora de projetos pedagógicos do Instituto Sidarta: O debate sobre a integração das tecnologias digitais às práticas de sala de aula faz parte de uma discussão pedagógica anterior e mais antiga sobre a necessidade de mudar o modelo de educação vigente. O foco do ensino, que, por muito tempo, foi caracterizado pela transmissão de informações, deve ser repensado e considerar diferentes competências e habilidades, inclusive as socioemocionais. Para isso, é necessária uma nova concepção de ensino que, por consequência, revisite o papel do professor, propondo que ele deixe de ser transmissor de conhecimento para se tornar mediador, criador e curador. Como mediador e facilitador, o professor deixa de passar conteúdos para orientar as aprendizagens dos alunos, facilitando sua relação com esses conteúdos, ajudando-os a processar informações e contribuindo para que eles possam relacionar e aplicar conhecimentos, além de contribuir para reflexão, crítica e produção dos alunos. Enquanto criador, o professor passa a produzir, recriar, reciclar, replanejar, modificar etc. Desse modo, o professor incentiva os alunos a se tornarem produtores de sentido, explorando conceitos próprios da cultura digital, como interação e coautoria, trabalhando competências e habilidades importantes para o século 21. O professor também deve ser curador e, para isso, é importante saber pesquisar, filtrar, selecionar, classificar e organizar conteúdos, disponibilizando-os aos alunos, em meios impressos e digitais, de modo a oferecer a eles um arranjo pertinente. Em vez de utilizar as tecnologias digitais como ferramentas, essa mudança de paradigma pode integrar lógicas e mentalidades próprias da cultura digital para contribuir com uma aprendizagem mais colaborativa, participativa e interativa, que tenha o estudante como elemento central deste processo. Este é, ainda, o maior desafio da instituição escola.


Danos ao comportamento
O uso excessivo da tela interfere na capacidade de interagir pessoalmente com outras pessoas, violentamente, fazendo com que a valorização social seja algo que tomou uma preponderância imensa. “90% de todas as fotos que são postadas nas redes sociais foram tratadas antes de serem lá colocadas. Outro dia atendi uma adolescente que disse que os pais pagaram uma viagem em Porto Seguro e ela levou a turma dela, mas estava triste porque não tinha conseguido postar, pois não tinha internet no lugar. É como se não tivesse existido. A pessoa vincula seu próprio prazer ao sucesso na tela. Um outro paciente meu contou que foi a um aniversário, postou e ele teve 200 curtidas no Instagram e achou pouco, queria saber como faço para ter 5 mil curtidas num post que eu fiz, com um famoso. Veja, é uma questão métrica, ele com 200 e eu com 5 mil. Como é que você explica para um adolescente que vive essa digitalidade, essa perspectiva, de que o valor não é atribuível pelo número de curtidas”, questiona Nabuco.


O risco de decisões erradas
Até os 25 anos de idade – e alguns autores falam em 21 anos –, esse processo de maturação cerebral vem de trás para frente. A última região a ser finalizada é o córtex pré-frontal ou orbitofrontal, onde está o raciocínio lógico, o controle dos impulsos e a tomada de decisão. “Então, antes dos 20 e poucos anos, biologicamente, você não está pronto para exercer um controle correto sobre suas ações. Mesmo que você tenha 18 anos e saiba o que é correto, biologicamente ainda tem um déficit de estrutura para poder fazer frente a algumas demandas. Logo, não adianta dizer: estou ensinando para meus adolescentes como usar tecnologia em sala de aula. Atenção, eles sabem como fazer, sim, mas não conseguem por uma questão de imaturidade biológica, não têm ainda a maturidade para fazer escolhas, levar essas escolhas adiante sob um controle dos impulsos”, explica o especialista.


Vício digital
A dependência de internet é similar ao transtorno do jogo. O indivíduo fica mais tempo do que ele queria, não consegue parar, mente a respeito do tempo que fica, usa a internet como forma de regular o humor, tem impactos profissionais, acadêmicos, familiares, apresenta depressão etc. Há um estudo coreano que analisou usuários de certas substâncias em que há a perda da bainha de mielina, um envoltório do neurônio que facilita a condutividade elétrica, como acontece na esclerose múltipla. “Descobriram que jogadores de games on-line têm também a perda da bainha de mielina. Quase os mesmos efeitos de uma substância química”, completa Nabuco.


Vícios associados
A internet também é um veículo eficiente para outros vícios. Tem a função de regular o humor, ao criar cadeias de circunstância nas quais se produz um bem-estar. “Por exemplo, ao falar com uma advogada sobre um processo e me irritar, fui à internet por conta própria fazer uma pesquisa. Ao utilizar esse recurso de me apoiar na tela, ganho uma descarga em que regulo o humor. Se torna uma droga digital. Que causa dependência. É algo que também está sendo estudado pelos próprios veículos digitais, já tivemos reuniões com pessoal de empresas de tecnologia que se empenham na prevenção a isso. Por isso tiraram a métrica do Instagram, por exemplo. Nos Estados Unidos, um senador está propondo que as redes sociais e as plataformas digitais eliminem esses mecanismos de vício, como a perspectiva de vídeos constantes, ou a seleção, pelo algoritmo, de vídeos mais radicais para aparecerem na tela etc. O que não se pode é fingir que nada está acontecendo”, pontua.


Pais coniventes?
Cristiano Nabuco diz que não é que os pais sejam coniventes com o uso inadequado da tecnologia, na verdade o que se vê é que eles não têm noção. “O telefone virou uma babá eletrônica. Os pais não se dão conta de que deve haver um limite de tempo e que, depois de algum tempo, aquilo é danoso”, afirma. O psicólogo lembra o caso de um jovem em Fortaleza, quando a mãe desligou o modem da internet, ele arrancou as portas dos armários e jogou pela janela, como se fosse uma abstinência de droga. “Então, tem que haver a atenção dos pais, porém o que vemos são pais com boa formação, que realmente amam seus filhos, entregando a eles essas telas, ou por pressão dos filhos, ou por iniciativa própria, achando que isso é bom”, alerta. Muitos acreditam que o contato precoce com a tela seria importante para a criança e isso gera mudanças na dinâmica do aprendizado. “Recentemente, uma mãe reclamou: ‘meu filho não sai do telefone celular, não sai da cama, não almoça, não vai dormir se não estiver com o celular, mas isso não é o pior. O pior é que quando a gente vai ao shopping, ele larga da mão e corre para as balconistas para pedir colo’. Estranhei porque estava imaginando alguém grande. Por que colo? ‘Porque quando ele pede colo ele consegue acessar os teclados e acha que vai acessar a internet.’ O filho dela tinha 2 anos e quatro meses. Vai dizer que é um problema da tecnologia? Não, é a mãe que está permitindo. Tem uma frase no livro do Conde Drácula que diz que o mal é uma porta que se abre pelo lado de dentro. A tecnologia utilizada desse jeito é um mal cuja porta se abre pelo lado de dentro. Se as pessoas querem informação, que busquem informação, mas não dá para entregar isso como se fosse mais um brinquedinho”, completa.


Internet e narcisismo
Há um estudo americano que ainda está sendo desenvolvido, mas que tem a hipótese de que quanto mais o indivíduo usa a internet, mais ele tem a chance de desenvolver transtorno de personalidade narcisista. Porque existe, dentro da internet, um efeito que Eli Pariser (autor do livro The Filter Bubble) chama “bolha”. “Se tenho aqui 50 pessoas e peço para cada uma digitar praias do Nordeste, não haverá um único resultado igual, porque esse equipamento vai buscar todas as pesquisas que você já fez naquele aparelho e vai te devolver exatamente aquilo que achou. Hoje vivo num mundo customizado, onde a tecnologia devolve mais de mim mesmo. O que a gente viu nas eleições passadas é um exemplo disso. Por que tanta gente brigou? Vamos pensar. Tenho 5 mil amigos no Facebook. O que acontece é que na minha timeline aparece quem a plataforma entende que tem uma afinidade de temas comigo, umas cem das 5 mil. Se na última eleição votei num candidato A, só vai aparecer na minha timeline quem votou no candidato A. Então a noção que tenho é que todo mundo votou no candidato A. Você votou no B? Você é maluco, como você vota no B? É porque o outro também está imerso na timeline do B. Então o senso de tolerância diminuiu, assim como nosso horizonte experiencial. A gente está customizando ao ver coisas que interessam e que são repetidas dentro dessa bolha, então você perde a paciência, está mais ansioso, não consegue olhar o outro lado, perdeu o raciocínio crítico, está distraído. Aí, você diz: a tecnologia é ótima. É ótima, não precisa mais ir à papelaria, comprar um papel de carta e colocar no correio. E a qualidade de vida melhorou ou piorou? Se tem a noção equivocada de que quanto mais tecnologia, melhor será a nossa qualidade de vida. Não funciona assim. Será mesmo?”, questiona o profissional.


A culpa não é das redes sociais
Quando você navega na internet, manifesta a chamada personalidade eletrônica. Veja: 60% da comunicação ocorre principalmente por vias não verbais, por meio da velocidade da fala, tom, cadência etc., mas na internet não tem isso. Há o chamado triplo A (anonimato, acessibilidade e a possibilidade de arcar com os cursos, que em inglês é affordability) que favorece a sensação de que, por acessar os conteúdos num ambiente que são familiares a você, seu carro, sua casa, seu escritório, você se sente mais à vontade para falar e fazer coisas que você não faria na vida real. “Quando viro para você e falo “ô careca…”, eu não vejo em você uma reação negativa que me limitaria. Então, na personalidade eletrônica, por não ter esse feedback imediato, naturalmente seu cérebro tende a carregar mais nas informações, por isso na internet você é mais agressivo, mais subversivo, mais sexualizado. E tem outra coisa: a internet não te dá o direito ao esquecimento, você pode até apagar da sua visão, mas não apaga o conteúdo da web. Isso faz com que situações negativas sejam perpetuadas”, comenta. Ele completa, dizendo que a rede social sempre existiu. No shopping é a cafeteria; na escola, a cantina; na faculdade, o Centro Acadêmico. “Nós todos temos redes sociais. A questão é que a repercussão que isso tem hoje faz com que a devastação seja muito pior, esse é o aspecto para o mal. O aspecto para o bem é, por exemplo, os emojis. Muitas pessoas não têm a capacidade de se comunicar de certa forma, então jogam lá os emojis. Na Finlândia, 60% de todo conteúdo que é transmitido é por figuras como os emojis, a própria linguagem escrita está se modificando. Então a grande pergunta é: tá bom, somos imigrantes digitais. A gente fala, mas comete erros, tem sotaque etc. Nós falamos, mas não somos nativos. Nós temos um pé lá no mundo sem digital e um pé aqui, então temos um balanço aí. Os jovens não. Eu me pergunto como serão os filhos deles”, pergunta.


A prevenção é possível
Há muitas atitudes possíveis que previnem contra o abuso da tecnologia. Tirar os sinais sonoros e vibrações, responder quando quiser e não achar que tem que dar uma resposta quando chega, estabelecer períodos específicos para responder, não ficar manuseando o telefone o tempo todo na mão como se fosse o cigarro de antigamente, reduzir a dispersão da tela, ou seja, deixar poucos aplicativos em sua tela principal, só os mais importantes, porque senão você vai querer ver quantas milhas tem no Smiles, ou a nova música que saiu. “É importante desenvolver uma consciência para usar a tecnologia de uma forma inteligente, e não ser suscetível a que eles querem que você faça. Ter a noção de que você é um produto”, finaliza.
 


Campanha Desafio Detox Digital Brasil
Aliado aos objetivos do Programa Reconecte, do Ministério da Mulher e dos Direitos Humanos, a Campanha Desafio Detox Digital Brasil visa alertar a população a respeito dos riscos subjacentes ao uso tecnológico, e para isso a ideia é promover um grande dia “D”, no qual as pessoas serão desafiadas a ficar 24 horas sem tecnologia, realizando atividades em família, exercícios físicos, leituras, práticas esportivas, passeios, entre outros. O tom jogral visa alertar as pessoas para a problemática do uso imoderado de tecnologia. “É uma boa experiência, para quem quiser, tentar ficar o máximo possível longe da tecnologia para observar quais são os efeitos sobre sua vida. Como você se sente ficando sem nada conectado? Me perguntam se isso vai ter resultado. Digo que muito pouco, mas então por que propôs? Para começar a chamar a atenção, é uma primeira ação de uma série que a sociedade civil como um todo tem que começar a se aperceber de que alguma coisa não vai bem”, explica Nabuco. O evento acontece em 6 de outubro.

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